Pega-turista

Após o lançamento do filme 127 Horas, cânion em Utah onde Aron Ralston ficou preso vira point popular – e perigoso

Por Peter Vigneron


VIDA REAL?: O ator James Franco no filme 127 horas
(Fotos: Chuck Zlotnick)

Em setembro do ano passado, um norte-americano de 64 anos chamado Amos Wayne Richards decidiu fazer uma caminhada pelo cânion Blue John, localizado em Utah, nos Estados Unidos. Enquanto descia a profunda fenda na rocha, acabou escorregando e caindo de uma altura de três metros. Na queda, quebrou a perna esquerda e deslocou o ombro direito. Ele não havia dito a ninguém para onde iria, e a única refeição que levava se resumia a duas barrinhas energéticas. Três dias depois, uma patrulha do Serviço de Parques Nacionais dos EUA encontrou seu carro. Na manhã seguinte, uma equipe de helicóptero achou Amos a mais ou menos sete quilômetros do local da queda. Ele passara três dias se arrastando pelo deserto

Soa familiar, não? O Blue John é o cânion onde o norte-americano Aron Ralston ficou preso em 2003 – só conseguindo escapar de lá ao cortar seu próprio braço fora. À exceção de Aron, os guardas de Utah não haviam realizado um só resgate no Blue John entre os anos de 1998 e 2005. Mas após a publicação do livro de Aron contando sua epopeia, e especialmente desde o lançamento do filme 127 Horas, que traz o ator James Franco no papel principal, o cânion tem sido palco de muitos resgates. Desde junho de 2005, mais de 20 pessoas foram declaradas perdidas nas redondezas do Blue John. A maioria delas, como Amos, estava tentando refazer o caminho de Aron. “Eu vi o filme do cara que amputou o próprio braço e comecei a ler a respeito dos cânions”, conta Amos. “Aquele filme me deixou muito empolgado a explorar esses lugares.”

No que parece ser o mais dramático caso depois de Aron Ralston, um experiente escalador de 70 anos e professor do ensino médio caiu e morreu no cânion No Man’s, que assim como o Blue John fica no condado de Wayne, em março de 2011, deixando seu irmão de 57 anos preso num platô por 145 horas – quase um dia a mais do que Aron suportou em 2003.

O Blue John fica 400 quilômetros a sudeste de Salt Lake City e a duas horas de carro da cidade mais próxima. Para chegar aos cânions estreitos mais baixos, onde Aron ficou preso, é preciso caminhar 16 quilômetros por terrenos impiedosos. Mais ao norte, o cânion Horseshoe, localizado no Parque Nacional de Canyonlands, atrai muitos visitantes, enquanto o Blue John fica do lado de fora da divisa do parque, e é uma das dezenas de cânions em forma de fenda existentes na área. Até 2010, era conhecido apenas por canionistas sérios e pessoas que haviam lido o livro de Aron, batizado em inglês de Between a Rock and a Hard Place (publicado no Brasil pela editora Seoman com o título 127 Horas). “Não tem nada de especial nesse cânion, que fica no meio do nada”, diz Kurt Taylor, xerife do condado de Wayne.


NO BURACO: O ator James Franco observa o cânion Blue John em cena de 127 horas
O fenômeno de acidentes repetitivos não é inédito. Resgatistas no Alasca notaram tendência semelhante após o lançamento do filme Na Natureza Selvagem em 2007, baseado no livro de John Krakauer sobre a morte de Christopher McCandless num ônibus escolar abandonado nas proximidades do Parque Nacional de Denali. “Todo verão, desde que o filme estreou, resgatistas encontram pelo menos meia dúzia de aventureiros perdidos na área de peregrinação onde morreu Christopher”, diz Rusty Lasell, diretor de serviços de emergência do município de Denali.

Não é de se surpreender que o aumento das ocorrências de resgate na área do Blue John esteja deixando os oficiais preocupados. Myron Jeffs, que trabalha no departamento de planejamento da região, estava relutante em falar a respeito do cânion, temendo que mais atenção da mídia pudesse atrair uma nova leva de visitantes despreparados. “Falar disso novamente só vai trazer mais gente para cá”, disse. E tanto a administração local de parques nacionais quanto os oficiais do condado de Wayne ficaram frustrados com a lagoa nas profundezas do Blue John mostrada em 127 Horas –tal lagoa não existe na vida real, e o embelezamento do filme fez o cânion parecer muito mais atraente do que é de fato.

“Acho que o filme fez um desserviço aos trekkeiros, escaladores e ao público em geral ao glorificar uma tragédia como a de Aron”, resume o xerife Kurt. “Todo mundo quer ver a lagoa azul, achando que ela é parte do Blue John.” O próprio Aron se mostra meio dividido diante do assunto. “Eu me sinto um pouco responsável por instigar pessoas a ir até lá e passar dos limites”, diz. “Mas o cânion por si só tem uma forma bem particular que limita o tipo de pessoa que tenta explorá-lo. E eu não vou ficar desencorajando os outros a fazer isso. Acima de tudo, eu entendo por que elas querem ir até lá.”

Amos Richards diz que 127 Horas o fez pensar que a quase morte de Aron Ralston foi um acidente bizarro, mais do que uma provável consequência de se caminhar num lugar perigoso. “Eu não achei que aquilo pudesse acontecer de novo”, diz. O xerife Kurt Taylor só espera que seus esforços de resgate não deem às pessoas a impressão de que elas podem passar pelo que ele chama de “experiência Aron Ralston” – e sair dela vivas. “Aqui não é a Disneylândia”, diz Kurt. “Quando Deus fez aquele cânion, não pensou na segurança das pessoas.”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2012)







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