Os treinos e competições não param só porque se passou dos 60 anos de idade, como bem provam alguns atletas notáveis que decidiram curtir a velhice do jeito que mais amam: correndo muito
Por Maria Clara Vergueiro
O SOSSEGADO VILAREJO DE ROBILANTE, na região de Piemonte, norte da Itália, parece ser um bom lugar para curtir uma velhice “tranquila” – a não ser que você seja Marco Olmo. Aos 64, esse lépido senhor vem mostrando nos últimos anos que motivação, fôlego e ritmo não desaparecem com a idade. Só em 2011, ele participou de quatro ultramaratonas (entre elas a Marathon des Sables, no Saara), foi vice-campeão em duas delas e teve um terceiro lugar em outra. Do outro lado do mundo, mais especificamente na Índia, o corredor Fuja Singh reforça ainda mais a ideia: aos 100 anos, ele completou a maratona de Toronto em outubro do ano passado – fez a prova em 8h11min, mais de 60 minutos a menos do que esperava. De gerações e culturas distintas, mas cultivando o mesmo amor pelo esporte, Marco e Fauja são apenas dois de muitos exemplos vivos de que, sim, é possível envelhecer fazendo-se o que mais gosta: correndo e participando de competições e desafios.
Embora tenha começado a correr aos 26 anos, Marco só passou a colecionar feitos surpreendentes após os 50. Viveu o grande momento de sua vida de atleta aos 58 anos, ao vencer uma das mais longas e duras provas de corrida de montanha do mundo, a Ultra Trail Du Mont Blanc, em 2006, à frente de 2 mil pessoas com metade de sua idade. No ano seguinte, ele repetiu a proeza. Sem treinador, planilhas ou suplementos poderosos, Marco corre em trilhas todos os dias durante cerca de duas horas. Ele credita parte de sua disposição ao vegetarianismo, parte aos quilômetros acumulados ao longo dos anos. “Tenho talvez um pouco mais de experiência que os mais jovens, mas hoje são todos muito bem preparados”, avalia o italiano. “Minha superação se deu tardiamente. Dos 20 anos para cá, meu corpo mudou muito em termos físicos, mas minha mente se mantém jovem”, explica.
Também vegetariano, Fauja começou a correr para valer aos 89 anos. Um de seus melhores tempos em uma maratona se deu aos 93 anos, quando completou 42.2 quilômetros em 5h40min. O senhor barbudo, que sempre corre de turbante típico da religão sikh, tem batido vários recordes para sua idade em provas a partir de 200 metros. Para ele, os atletas que hoje estão na casa dos 30 e 40 anos terão ainda mais chances de se transformar em uma geração de idosos competitivos, graças à vida mais ágil e saudável que levam hoje, além dos vários avanços tecnológicos a sua disposição.
A ACUPUNTURISTA E MASSAGISTA brasileira Naomi Namekata Brum, 62 anos, decidiu correr aos 55 anos, depois de muitas décadas tratando atletas de alto rendimento. Começou com treinos regulares, passou alguns anos correndo provas de 5 quilômetros, depois migrou para as meias maratonas e hoje participa de provas de longa distância como a The North Face Endurance Challenge (50K) e o Cruce de Los Andes (100K), que ela já completou duas vezes. “Os amigos mais antigos acham que sou louca”, brinca ela. De 2008 a 2012, a organização do Ironman Brasil registrou um aumento de mais de 50% na categoria 60-64 anos. Em 2011, a prova contou com dez idosos entre 65 e 69 anos disputando o primeiro lugar na categoria em Florianópolis, cidade sede da etapa brasileira. Nos Estados Unidos, onde existe um número maior de competições de longa distância, é ainda mais comum encontrar casos como os de Barb Maclow, de 76 anos, e sua parceira de treinos e corridas há dez anos, Vicki Griffiths, de 67 anos. Todas as manhãs, Barb passa na casa de Vicki para os treinos, que nunca são muito longos, mas sempre constantes. A estratégia permite que as duas amigas estejam em dia para participar de provas de 100 milhas (cerca de 160 quilômetros) como a Rocky Raccoon, no Texas. Barb é uma das únicas duas mulheres com mais de 70 anos a completar uma prova com essa distância nos Estados Unidos. “Ela é competitiva, ainda que não admita”, revela Vicki, que começou a correr aos 40.
Segundo Carlos André, o corpo tem plenas condições de iniciar uma prática esportiva 50 anos, desde que se faça “uma boa avaliação médica, funcional e postural, e tudo esteja em ordem”. “Com o mínimo de cuidado, qualquer indivíduo nessa faixa etária pode começar a correr provas de 10K, por exemplo. Para meias maratonas ou desafios de longas distâncias, é preciso ter um estado clínico melhor e mais cuidado”, alerta o especialista. Que o diga o norte-americano Jack Denness, de 75 anos, que completou, mais uma vez, a ultramaratona Badwater, no vale da Morte, na Califórnia. Foram 215 quilômetros, mais de 2,5 mil metros acumulados de subidas e temperaturas de até 49º C, em que ele precisou superar todos os seus limites para completar a prova pela 12ª vez. >> Na flor da idade ALEKSANDER DOBA, 64 anos FRED VAN DYKE, 73 anos ARTHUR GILBERT, 90 anos RICHARD BYERLEY, 84 anos (Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2012)
BATUTA: Aos 100 anos, o indiano Fauja é um maratonista de responsa
As conquistas de Marco e Fauja chamam a atenção dos mais jovens para a possibilidade de se chegar a essa etapa da vida com energia e capacidade física não apenas para competir, mas para conquistar boas colocações. Segundo pesquisas recentes, o Brasil já tem um número de idosos (com mais de 60 anos) equivalente à população de 15 anos de idade, o que significa que praticamente invertemos a pirâmide populacional nas últimas décadas. Da geração atual de idosos no país, apenas 10% é adepta de alguma prática esportiva regular e planejada, segundo Carlos André Freitas dos Santos, geriatra especialista em envelhecimento.
Assim como Naomi, cada vez mais pessoas com mais de 60 anos estão se aventurando em provas longas, de acordo com informações de diversas competições.
O envelhecimento saudável, conceito repassado por Carlos André nas aulas que ministra na Universidade Federal de São Paulo, pode ser, segundo ele, “epidemológico” e transformar as próximas gerações de idosos pela disseminação em grande escala de bons hábitos. “Com isso teremos cada vez mais idosos corredores, maratonistas e triatletas nos próximos 30 anos, desde que quando jovens façam o esporte de maneira saudável, sem sobrecarregar demais o corpo.”
SUPIMPA: O remador polonês Aleksander Doba
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Em 2011, o polonês concluiu sozinho uma viagem transatlântica de caiaque de 99 dias, da cidade de Dakar, na África, até o Nordeste brasileiro.
O big rider californiano se mudou para o Havaí nos anos 50 e até hoje se diverte pegando ondas grandes.
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O americano tornou-se a pessoa mais velha a chegar ao cume do Kilimanjaro, a mais alta montanha da África, incluindo seu nome no Guinness.