Sete Cumes ao quadrado

Depois de chegar ao topo do monte Vinson, na Antártida, o gaúcho Manoel Morgado entrou para a seleta lista de pessoas que escalaram a montanha mais alta de cada um dos continentes.

Mas ele não quer parar por aí. Segundo o site da Alta Montanha, Manoel comentou que seu próximo desafio é repetir a série. Ele, que já esteve no topo de algumas montanhas mais de uma vez, precisa vencer, de novo, o Denali (América do Norte), o Vinson — que pretende escalar em 2013 –, o Everest (Ásia) e o Kosciuszko (Austrália) — que pretende escalar em 2014. Caso consiga, será o primeiro sulamericano a pisar por duas vezes nos sete cumes.

Na edição de fevereiro, a revista Go Outside publicou uma matéria sobre a conquista da série dos Sete Cumes por Manoel Morgado. Leia abaixo a matéria na íntegra.

CLUBE DOS SETE


ENFIM, OS SETE CUMES: Ao vencer o Vinson,
na Antártida


Por Mariana Mesquita

FORAM SEIS HORAS DE DURA ESCALADA. A pausa em um pequeno platô que antecede a crista final era merecida. O gaúcho Manoel Morgado senta na neve para descansar. Dali a pouco colocaria os pés no cume do Vinson (4.892 metros), a mais alta montanha da Antártica. Já de fôlego recuperado, ele retoma a caminhada. Alguns minutos depois, o montanhista não atingiria apenas o ponto mais alto da gelada região, como também realizaria um sonho: escalar com sucesso as sete montanhas mais altas de cada continente. A conquista, ocorrida em 11 de dezembro, colocou ponto final em um projeto de 20 anos que cravou o nome Morgado na tímida lista de aventureiros que completaram os Seven Summits, ou Sete Cumes. Com isso, ele se tornou o segundo brasileiro a carregar a proeza no currículo.

Nascido há 55 anos, o ainda jovem Manoel não demorou muito para perceber que viajar em busca de aventuras seria sua grande paixão. Quando garoto, sempre ficava atento às histórias contadas pelo pai, um caixeiro viajante que rodava o país entregando mercadorias. “Isso influenciou muito meu desejo de me lançar em expedições pelo mundo”, diz o montanhista, que viajou pela primeira ao exterior aos 17 anos, em um rolê pela América Latina. “Foi quando vi de perto montanhas nevadas”, relembra ele. “Soube ali que sempre estaria próximo a elas.”

Mas o caminho até os Seven Summits demoraria alguns anos, ao longo dos quais adquiriria experiência e colecionaria muitas histórias. Depois de estudar pediatria na conceituada Escola Paulista de Medicina, Manoel lançou-se em uma longa jornada pelo mundo. Conheceu a Europa e países asiásticos como o Sri Lanka, Bangladesh, Índia e Nepal, onde fez seu primeiro trekking de vários dias. Ao retornar ao Brasil, até que tentou manter uma rotina certinha. “Arranjei mil empregos, fiz plantões e abri meu próprio consultório, mas sabia que precisava voltar para lá”, diz, referindo-se às montanhas. Em 1989, após quatro anos de frustração com o estilo de vida que levava, Manoel embarcou sozinho para uma empreitada sem data para terminar e que perdura até os dias de hoje.


DE FIBRA: Ao lado de um amigo do Aconcágua, na Argentina


BELEZURA: No cume da mais alta montanha da Europa, em 2008


RECUERDOS: O escalador e companheiros no McKinley

Nos últimos anos, ele habituou-se a pular de um Hemisfério a outro em busca de invernos extremos e aventuras geladas. Com a necessidade de juntar viagem e trabalho, criou uma agência especializada em trekkings e escaladas. “Lidero expedições durante seis meses, e depois fico seis meses de férias, quando continuo na montanha fazendo escaladas mais pessoais.”

O projeto de escalar as maiores montanhas dos sete continentes começou “sem querer”, com uma caminhada leve na Austrália, em 1990, quando escalou o Kosciuszko (2.228 metros). Depois disso, alguns anos se passaram até que chegou ao topo do Aconcágua (6.962 metros), a mais alta montanha da América do Sul. Em 2005, venceu o Kilimanjaro (5.895 metros), na África, seguido em 2008 pelo Elbrus (5.642 metros), na Europa, ambos guiando grupos de escaladores. Só com o plano de escalar a maior montanha do mundo, o Everest (8.848 metros), na Ásia, é que surgiu a ideia de enfim completar os Sete Cumes. “Eu já havia subido quatro montanhas. Faltavam as mais difíceis, que também eram as mais caras. Mas já estava decidido a completar o desafio”, diz o escalador.

Como treinamento, além de subir montanhas na América do Sul, venceu o McKinley, também conhecido como Denali, considerada a maior montanha da América do Norte (6.194 metros) e uma das mais exigentes fisicamente. Em expedições onde os montanhistas costumam levar 50 quilos de equipamento nas costas, é preciso escalar paredões técnicos e montar abrigos sob temperaturas de 40º C negativos e tempestades horríveis. “Não há maneira de fazer alta montanha sem sofrimento. Isso é parte inerente do esporte, e acho que uma das principais qualidades de um montanhista é conseguir suportar a dor. Mas a beleza da natureza é tão grande que compensa tudo”, acredita Manoel.


FORÇA MÁXIMA: Manoel a caminho do Everest, o topo do mundo


COMPANHEIROS: Manoel e uma colega no
Kilimanjaro

O McKinley foi apenas uma preparação para o que demorou dois anos para acontecer: a conquista do cume do Everest. “Desde 1993 guio trekkings ao campo base da montanha. Depois de 20 anos olhando para cima, eu tinha que subir”, conta. Em maio de 2011, após esperar 17 dias por uma janela de bom tempo, Manoel alcançou o topo do mundo. Esteve no limite máximo de suas forças, em uma linha muito tênue entre a vida e a morte. “O acampamento 4 do Everest é extremamente sujo, com neve contaminada de dejetos humanos. No dia de fazer o cume, sofri uma infecção e tive diarréia. Fui obrigado a parar a 8.700 metros. Por ficar sem luvas por alguns minutos, quase tive as mãos congeladas.”

IDEALIZADO PELO NORTE-AMERICANO DICK BASS, que concluiu pela primeira vez o desafio em 1985, o Sete Cumes é um conceito polêmico. Um dos pontos de discórdia gira em torno da Oceania: não existe um consenso sobre os limites geográficos desse continente. Isso gera duas listas: uma que inclui o australiano Kosciuszko, e outra com a Pirâmide Carstensz (4.882 metros), na Indonésia. Questões políticas geram outras discussões. “Os Seven Summits fazem parte de uma ideia interessante, mas existem mil desafios mais difíceis no montanhismo”, afirma o próprio Manoel. Um deles, segundo o escalador, seria escalar os “segundos sete cumes”, ou seja, as segundas montanhas mais altas de cada continente – “são bem mais duras e técnicas”. No começo de 2012, o italiano Hans Kammerlander se tornou o primeiro montanhista a completar essa espécie de “Sete Cumes lado B”, depois de subir o Tyree (4.852 metros), na Antártica. “Quando fui escalar o Vinson, eu sabia que Hans estava por lá. A montanha que ele escalou era do lado da nossa, e parecia terrível”, comenta Manoel.

Até hoje cerca de 250 pessoas concluíram os Seven Summits. No Brasil, só o paranaense Waldemar Niclevicz chegou à frente de Manoel. E ele foi o primeiro brasileiro a completar as duas versões do desafio (a que inclui o Carstensz e o Kosciuszko). “Creio que nosso país não está mal tão no mundo da alta montanha, considerando-se que nem temos neve”, diz Manoel.

O gaúcho não hesita em falar sobre outro assunto cabeludo: as expedições comerciais, consideradas por muitos montanhistas puristas como um desvio da verdadeira essência do esporte. Manoel subiu alguns dos Sete Cumes, entre eles o Everest e o Vinson, em excursões desse tipo. “O problema não é pagar uma expedição comercial. Não vejo nada de errado com isso. Se você acha que não possui experiência para ir sozinho, é melhor buscar apoio de uma empresa que tem. O problema é que com isso há muita gente subindo montanhas muito difíceis sem conhecimento técnico prévio para estar lá.”


RECUERDOS: Paisagem do Kosciuszko, na Austrália

Mesmo após conquistar um dos maiores sonhos do montanhismo, Manoel continua acalentando novos desafios. “Em 2012 vou escalar o Manaslu, na Ásia. Com 8.163 metros, é a oitava montanha mais alta do mundo.” O gaúcho também planeja cruzar a Antártica, da costa ao Polo Sul, sem apoio. “Pequenas montanhas com grandes amigos também é um bom plano. E por aí vai…” Parar, definitivamente, não é uma palavra muito usada por Manoel.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2012)