O Cruce de Los Andes é uma travessia que leva nossa alma para passear. Fecho meus olhos e vejo a plataforma das cordilheiras dos Andes aos meus pés fechando o horizonte de ponta a ponta, enquanto circundávamos o vulcão Mocho Choshuenco em cima da neve em pleno verão. Isso tudo aconteceu em fevereiro, poucas semanas atrás.
A travessia é em dupla e feita em três dias. Há anos mais técnicos, outros menos, mas em todos eles nós subimos e descemos montanhas de um dia para outro: mato, pedreira e neve eterna podem ser um dos possíveis cenários das nossas passadas. Cada equipe deve ter um kit obrigatório de comida e água para sua travessia ser feita em segurança.
Os pernoites acontecem em um camping, com barracas montadas pela organização e as principais refeições servidas "à moda do exército".
O “planejado" dentro da montanha nem sempre funciona porque a logística é construída em cima da restrição de possibilidades, ou seja, o tal kit obrigatório é exatamente o "plano B" para nos assegurar. Portanto faz parte estar preparado para sobreviver até o dia seguinte com o que somos obrigados a carregar durante toda a prova.
Este ano tinha uma balsa envolvida na entrada e saída das equipes dentro da montanha, e para surpresa de todos ela foi interditada.
Foi o fim da linha para algumas equipes porque nossas malas, que deveriam nos receber no próximo alojamento, chegaram de noite ou até de madrugada, e quem não encontrou apoio com os amigos acabou expulso da prova — uma pena porque já tínhamos feito a parte mais dura da corrida. Voltei de lá com a sensação de ter feito a edição mais linda de todas. No entanto sei que todos os anos o Cruce me surpreende, então tenho apenas a certeza que esta foi a mais recente.
Agradeço todos os anos por estar lá de novo : foram cinco anos de Cruce de Los Andes, com cinco títulos para o Brasil.
Não poderia deixar de mencionar minha gratidão aos parceiros brasileiros Alexandre Manzan e Alê Ribeiro, que me rebocaram montanha acima para trazer o caneco de primeiro lugar para o Brasil. Para o Miguel Mitne, que encarou comigo a dupla mais casca grossa de todos os anos e que nos rendeu um orgulhoso segundo lugar depois que meu pé nos tirou da briga, e a Soledad, que trouxe o primeiro caneco da categoria feminina ao Brasil depois de encararmos as montanhas sem o reboque de aço do formato dupla mista.
Este ano minha honra fica para minha parceira, a arquiteta Rosália: é impressionante a leveza de cada passada dessa mulher-menina que me ajudou conquistar mais um título para o Brasil na categoria feminina, depois de disputar por poucos minutos o título da prova com as corredoras argentinas.
Foram 750 duplas que fizeram o Cruce de Los Andes de 2012 — 120 equipes do Brasil. Houve mais verde-amarelo no pódium além do feminino: Izaldir e Virgílio são os atuais vice-campeões da categoria geral masculina. Caco Alzugaray e José Caputo consagraram-se campeões de sua categoria. E o Décio e a Cilene conquistaram o terceiro lugar na categoria mista. Que orgulho de todos!
Do Núcleo Aventura, onde trabalho, havia duplas de todos os tipos, e meu maior benefício foi dividir essa experiência com tantos alunos, amigos e equipes brasileiras. Parabéns, galera! A travessia é superlegal e dá para todo tipo de pessoa fazer, desde de que se goste do perrengue, goste de treinar muito e que se tenha princípios básicos de preservação da natureza para entrar e sair de lá sem tanto impacto. Fico perplexa quando vejo o golpe do sabonete e shampoo biodegradáveis num banho bandido ou quando vejo a quantidade de papel higiênico jogados no chão com um corredor de banheiro químicos e diversos cestos de lixo por todos os acampamentos. Esse tipo de corredor malandro deveria ficar na cidade e deixar as montanhas para quem respeita mais a natureza.
Confesso que nem todos voltam ao Cruce, mas com certeza todos ampliaram demais suas fronteiras. É uma experiência para quem acredita que o corpo é capaz de realizar qualquer sonho.
Que venha o verão de 2013 com muito sol para próxima edição do Cruce de Los Andes me surpreender de novo!
Cristina Carvalho é atleta e co-fundadora da assessoria esportiva Projeto Mulher (www.projetomulher.com.br) e do Núcleo Aventura (www.nucleoaventura.com.br)
FICOU SAUDADE: Cris e sua dupla rumo ao pódio