Minas de pedra

Elas são fortes e destemidas, donas de uma incrível capacidade de concentração e auto-controle. Conheça quatro mulheres – e uma menina de 10 anos – que estão expandindo os limites da escalada em rocha

Por Mario Mele

Sasha DiGiulian


BELEZA PURA: A escaladora norte-americana
Sasha quebou tudo em 2011


Sasha começou a escalar em 1999, aos 7 anos de idade. Esta norte-americana, hoje com 19 anos, diz que costuma treinar várias horas por dia, procurando sempre alternar competições indoor com escaladas em rocha. Este ano ela viu seus esforços valerem a pena: mal começava 2011, e Sasha encadenou (completou uma via sem cair), na rocha, uma via graduada em 11b (grau de dificuldade de uma escalada, segundo a tabela brasileira). Depois repetiu essa graduação duas vezes em outras vias. Mas a atenção da mídia especializada voltou-se para ela só depois que Sasha subiu mais um degrau ao mandar a Pure Imagination, apelido dado a uma linha de escalada em Red River Gorge, no estado do Kentucky, tida como 11c. “Meu maior desafio nessa escalada foi a rocha, que é pontiaguda”, conta. “Algumas das agarras são tão cortantes que minhas mãos sangravam a cada tentativa.”

Durante a subida bem-sucedida, Sasha escalou com esparadrapo nos dedos como proteção até o crux, como é chamado o movimento mais difícil de uma via. Passada essa seção, ela então arrancou a bandagem com os dentes e continuou até o último movimento. Com isso, Sasha se tornou a terceira mulher do mundo a chegar ao topo de uma linha 11c – antes dela, apenas a basca Josune Bereziartu e a francesa Charlotte Durif já tinham concluído um desafio parecido. “Mas eu fui a primeira norte-americana e a mulher mais jovem a mandar esse grau”, diz ela, que é dois anos mais nova que Charlotte e nasceu duas décadas depois de Josune.

A Pure Imagination vem ajudando a mantê-la motivada e em busca de novos ares para, quem sabe, concluir um outro 11c em breve. Para domar sua ansiedade enquanto esse dia não chega, ela aproveita para viajar – como fez recentemente na China, onde explorou o potencial da escalada em rocha daquele país.

Kristyna Ondra


GENÉTICA BOA: Irmã do fera Adam Ondra, a tcheca Kristyna mostra que
talento é de família

Não é todo dia que vemos uma família de grandes talentos dominar com tanta maestria o mundo da escalada. Kristyna é irmã do tcheco Adam Ondra, que aos 18 anos já se tornou um dos maiores fenômenos da escalada. Além de se destacar em campeonatos, ele vence as rotas mais difíceis do planeta, tendo no currículo cinco vias 12b, a graduação mais difícil conseguida por um escalador até o momento. Detalhe importante: Kristyna, hoje com 26 anos, adotou o esporte antes de Adam se tornar esse atleta extraordinário.

“Nossos pais sempre escalaram”, diz ela. “E, apesar de meu irmão também se interessar pela modalidade desde cedo, eu me ligava em outras atividades, como ciclismo, natação e snowboard.” Só aos 16 anos, ao acompanhar a família em uma viagem para Frankejura, um famoso pico de escalada na Alemanha, é que Kristyna foi pega pelo novo esporte. “Naquela viagem, Adam escalou seu primeiro 8c e outras rotas inimaginavelmente difíceis. A partir daquele momento, eu comecei a escalar para valer, e rapidamente fiquei viciada nisso.”

Em outubro passado, a tcheca elevou o próprio nível ao mandar um 10c. O que, no entanto, levou o feito de Kristyna ser anunciado em diversos meios especializados em escalada, como o site planetmountain.com, mesmo ela estando três andares abaixo de Sasha DiGiulian e Charlotte Durif, por exemplo? “Ela é irmã de Adam Ondra” costuma ser a primeira resposta. Apesar de o acaso ter dado um empurrãozinho, os genes não negam: a Kudlanka, a via 10c encadenada por ela, fica em Moravian Karst, um famoso setor de escalada esportiva na República Tcheca. Com a conquista, Kristyna se igualou à marca da escaladora Bára Stránská e, até hoje, as duas são as únicas tchecas a escalar nesse nível. “Agora estou procurando me divertir na rocha enquanto o inverno não chega. No ano que vem, estudarei a possibilidade de escalar um 11a.” O mundo da escalada aguardará ansiosamente por esse momento.

Angela Eiter


PEQUENA NOTÁVEL: Angela está se tornando uma estrela
da escalada em seu país, a Áustria

Para a austríaca Angela Eiter, vias de escalada são como livros: cada uma tem sua própria interpretação. Angy, como é conhecida, tem 25 anos e, até aqui, apresenta aproveitamento excelente na matéria “leitura de vias”. Mas ela não fica só na teoria, e os resultados mostram isso: Angy é tricampeã mundial de escalada esportiva (em 2005, 2007 e 2011) e pentacampeã do Rock Master, um tradicional evento internacional de escalada. A austríaca também pode ser considerada PhD na escalada em rocha, com dois 11b carimbados na lista de ascensões (Engravids Exkerbs, na Espanha, e Claudio Café, na Itália). “Porém meu programa de treinamento é mais voltado para a performance em campeonatos”, diz. Quando, no entanto, Angy tem algum projeto em rocha a ser superado, ela se dedica ao máximo, estudando cada movimento até finalmente se tornar fluente nele.

Há cerca de cinco anos, a austríaca deu um grande exemplo de superação. Depois de passar por uma cirurgia para reverter uma bursite, teve paciência para voltar a escalar bem aquém de seu nível até pegar confiança novamente. “Parecia que eu tinha um objeto estranho no meu ombro. Fui obrigada a aprender a conviver com aquilo”, recorda. Aos poucos recuperou a antiga forma. Em 2010, foi campeã europeia e, neste ano, venceu o mundial disputado na Itália. Além disso, subiu ao pódio em três etapas da Copa do Mundo desse esporte.

Apesar de estar mais focada em competições, que acontecem em ginásios indoor, Angy ainda encontra tempo para manter ativas as conquistas em rocha. “Minha escaladora favorita é a norte-americana Lyn Hill”, entrega. “Sou fascinada pelo o que ela já fez, tanto em competições como em suas investidas outdoor. Além do mais, ela faz parte do grupo de escaladoras baixinhas, do qual eu também pertenço”, finaliza a atleta de 1,54 metro.

Ashima Shiraishi


PEQUENA NOTÁVEL: Com apenas 10 anos, a norte-americana Ashima
arrasa nos boulders mais treta

Apesar do nome, do olho puxado e do corte de cabelo tigelinha, Ashima é nascida e criada em Nova York. Há três anos e meio na escalada em boulder (realizada em rochas pequenas, sem grande altitude ou uso de cordas), ela hoje tem esse esporte quase como uma obsessão – isso aos 10 anos de idade. Suas primeiras ascensões foram no Central Park, tutoradas por Yuki Ikumoru, o grão-mestre do setor de boulder do parque nova-iorquino, que notou a capacidade fora do normal da garotinha de absorver seus ensinamentos. A evolução de Ashima foi mesmo explosiva: depois de treinar em ginásios e ter aulas com alguns professores e escaladores profissionais, a menina que anteriormente praticava ginástica olímpica e patinação artística viu seu destino mudar ao escalar, com apenas 8 anos, o boulder Power of Silence, no setor de Hueco Tanks, no Texas, um projeto de graduação V10, segundo a tabela que mede o grau de dificuldade em boulder. Hoje a maior graduação nesse estilo de escalada é V16, concluída apenas por alguns homens. Ashima fez algo incomum para uma criança, e assim apareceu em sites e revistas e ganhou patrocinadores. Sua retribuição foi elevar o nível da modalidade: aos 10 anos, ainda em Hueco Tanks, a pequena nisei mandou dois boulders V12 (Chablanke e Right Martini).

Seu pai, Popo Shiraishi, um ex-dançarino profissional, certa vez ensinou a filha que “o primeiro movimento é fundamental para o bom desempenho”. “Comece errado e seu ritmo estará anulado”, disse em uma entrevista a um site. Ainda segundo ele, é possível perceber o dia em que a filha está concentrada. “É visível na expressão dela, e não importa o que você disser, ela não te dará ouvidos”, conta Popo, que apesar de não escalar frequentemente ajuda a filha em treinos de concentração, meditação e alongamento.

“Sonho com uma medalha olímpica”, diz Ashima, que talvez nem saiba o quanto está ajudando seu esporte a se tornar mais popular – característica fundamental a qualquer modalidade que almeja fazer parte dos Jogos.

Charlotte Durif
Em agosto deste ano, a escaladora francesa Charlotte Durif veio a público anunciar que escalara a via PPP, um 11c em Verdon Gorge, na França. Entenda como “público” o site 8a.nu, uma espécie de rede social e virtual da escalada, em que o próprio usuário posta e comenta sobre suas conquistas. O feito de Charlotte a colocaria no mesmo patamar da basca Josune Bereziartu, que até aquele momento era a única mulher a escalar nesse nível – dois meses depois a norte-americana Sasha DiGiulian integraria o time.

Charlotte, que completava 21 anos naquele mesmo dia, afirmou que o inédito 11c em sua carreira foi o melhor presente de aniversário que poderia ganhar. Mas foi no mínimo estranho o fato de diversos sites especializados, incluindo o francês kairn.com, terem simplesmente ignorado uma notícia que seria histórica à escalada feminina. É que Charlotte já tinha causado má impressão ao declarar conquistas anteriores sem a devida comprovação, através de fotos ou vídeo. Em setembro, o site espanhol desnivel.com deu voz à moça, que disse se sentir orgulhosa por ter sido a primeira mulher a igualar a marca de Josune, oito anos depois. Ao final da entrevista, em nota, o site deixou claro que não tinha provas para atestar nem refutar Charlotte.
A francesa finalmente viu sua situação melhorar depois que a revista francesa de escalada Grimper trouxe em suas páginas a seguinte declaração: “Não é difícil acreditar nessa incrível performance”. Os editores dizem ter visto um vídeo referente à escalada 11c de Charlotte e juraram que, apesar de alguns cortes, ela realiza os movimentos do crux com aparente facilidade. Ponto para a francesa, que entrou de vez para o panteão dos grandes nomes de seu esporte.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2011)







Acompanhe o Rocky Mountain Games Pedra Grande 2024 ao vivo