Peixe-voador

O santista Leco Salazar, da segunda geração de uma das famílias mais representativas do surf brasileiro, se destaca como grande talento do stand-up paddle, esporte pelo qual foi vice-campeão mundial este ano. E ele promete ir mais longe em 2012

Por Mario Mele


NO AR: Leco Salazar dando um olé nas ondas a bordo de seu SUP

O MAR AQUELE DIA DAVA MEDO. O santista Alex Salazar, de 23 anos, que o diga – melhor seria ter visto um fantasma. Em vez disso, ele ficou frente a frente com inesquecíveis paredões de água taitianos, durante a terceira etapa do campeonato mundial de stand-up paddle surf. “Encarei ondas pesadas e tubulares de mais de 12 pés”, lembra ele, sobre aquele tenso dia de junho.

“O mar estava assustador, nunca tinha presenciado algo parecido.” Esta foi a única das cinco etapas do SUP World Tour disputadas este ano que Leco – como Alex é conhecido – não foi à final. Mas ele não se culpa pela distante 13ª colocação naquela prova, vencida pelo experiente francês Peyo Lizarazu, grande incentivador do stand-up paddle na Europa. Enquanto o evento de SUP acontecia nas esquerdas de Sapinus, o big rider Laird Hamilton e seus amigos surfavam ondas praticamente iguais numa bancada vizinha e bem mais famosa, Teahupoo. Detalhe: de tow-in.

“Ondas grandes são um desafio para a maioria dos surfistas brasileiros”, afirma convicto Picuruta Salazar, o lendário surfista decacampeão brasileiro de longboard – e pai de Leco. Há quase 20 anos, foi Picuruta quem empurrou o filho nas primeiras ondas, no Quebra-Mar de Santos. Foi também o patriarca dos Salazar que trouxe a primeira prancha de stand-up paddle à essa cidade do litoral paulista.

“O [shaper] Fabio Chati, amigo de Ubatuba, o presenteou com uma prancha dessas, gigante”, recorda Leco. Foi assim que, há cerca de um ano e meio, a história de Leco com o SUP começou. Depois de experimentar o gosto de remar em pé, ele se viciou na brincadeira. “É uma modalidade especial porque qualquer pessoa pode vir a surfar, mesmo quem nunca pegou uma onda na vida”, conta Leco, que também surfa de pranchinha e corre o circuito brasileiro de longboard. “Sem contar que é um excelente meio de transporte aquático.”

Hoje o SUP se tornou seu estilo de vida. O que era diversão naturalmente virou rotina de treinos. Além de continuar descendo as ondas do Quebra-Mar, Leco passou a levar prancha e remo para o Guarujá (SP), onde sempre frequentou, principalmente quando a ondulação está de leste. Ele também justifica a evolução devido aos tubos pesados que pega em Maresias, no litoral norte paulista, onde sua família tem casa. Foi nessa mesma praia que, em outubro deste ano, Leco venceu a quinta etapa do SUP World Tour, manobrando seu pranchão 8’4’’ com extrema agilidade em ondas de meio metro. Dessa forma, garantiu o vice-campeonato mundial. Para se ter ideia do que isso representa, basta pensar que, menos de dois anos depois de ter sido apresentado à modalidade, Leco é o segundo melhor do mundo.

Em 2010, sua estreia no circuito mundial já tinha sido avassaladora: dois pódios em duas participações. “Ganhei em Santa Catarina e fiquei em terceiro em Big Island, no Havaí.” Este ano, ele vem correndo o circuito inteiro: foi quinto em Sunset (Havaí), segundo em La Torche (França), 13º em Sapinus (Taiti), terceiro em Huntington Beach (Califórnia) e campeão em Maresias. A sexta e última etapa, programada para o fim de novembro, também será no Havaí (após o fechamento desta edição). Com o vice-lugar garantido, Leco cumpriu tabela e acumulou experiência.


DE FAMÍLIA: Filho do surfista Picuruta, Leco mostrou
talento nas águas desde pequeno

EM 20122, SÓ O HAVAIANO KAI LENNY foi mais consistente que Leco. Aos recém-completados 19 anos, Kai é um verdadeiro homem das águas nascido e criado na terra do surf. Apesar da pouca idade, ele pega ondas gigantes na remada e de tow-in (transportado por jet-ski) e ainda veleja como gente grande, de kite e windsurf, em condições extremas. Mas foi graças ao circuito mundial de SUP chancelado pela Waterman League que ele entrou para a história dos esportes aquáticos. Este foi o ano de seu bicampeonato no evento, sua segunda consagração consecutiva. O próprio Leco admite que o havaiano é uma inspiração. “O Kai já nasceu waterman, é um moleque 100% surf que pratica a mesma coisa que eu. Por isso, gosto muito de assistir aos filmes dele.”

O santista também não se importa em falar da admiração que tem pelos norte-americanos Laird Hamilton – “por causa da coragem e por ele ter apresentado o stand-up paddle ao mundo” – e Kelly Slater – “é o mestre do surf”. Mas, como membro da segunda geração de uma família que escreveu boa parte da história do surf brasileiro até hoje – além de ser filho de Picuruta, Leco é sobrinho do renomado shaper Almir Salazar –, Leco utiliza o SUP para dar sua contribuição a esse esporte, inovando com giros de 360 graus e aéreos que ele chega a duvidar de que é capaz. “A evolução depende da dedicação de cada um”, diz. “Faça chuva, faça sol, eu estou na água, treinando. E, às vezes, acerto uma manobra que nem esperava.”

Até Garrett McNamara, um dos surfistas famosões que aderiram intensamente ao SUP, declarou certa vez que Leco está um degrau acima dos outros praticantes. Pelo menos em matéria de “habilidade sobre a prancha”, Garrett está certo. “Meu ponto fraco ainda são as ondas grandes e tubulares, com as quais tenho pouca chance de treinar morando no Brasil”, revela Leco, sem constrangimentos. Segundo Picuruta, no entanto, uma das qualidades do filho, além da dedicação, é “ter calma e consciência para esperar a hora certa de enfrentar um desafio”.

Só de levar o nome do Brasil ao pódio em campeonatos mundiais, Leco já está colaborando para, pelo menos no próprio país, esfacelar de vez o preconceito que seu esporte ainda sofre no outside. “É uma situação parecida à do longboard no início. Localismo sempre existiu, e é inevitável alguém te olhar feio em determinado lugar porque você está surfando de stand-up. O segredo é não atrapalhar ninguém, respeitar os outros surfistas e saber remar na onda certa.”

Em breve Leco terá que recorrer novamente à tranquilidade inata que seu pai diz que o filho possui. “Minha meta para 2012 é ser campeão mundial e, para isso, terei que superar caras como Kai e o francês Antoine Delpero.” Ambos costumam carimbar o passaporte em quase todas as finais do circuito mundial. Portanto, se quiser chegar ao seu objetivo, Leco terá que prevalecer independentemente da condição do mar. Pensar na recompensa talvez sirva como ajuda extra. “O stand-up paddle já me abriu portas, revolucionou minha vida. Ter sido o segundo colocado do ranking mundial este ano foi a maior felicidade que esse esporte me trouxe. É quase um sonho.”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2011)







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