Por Maximo Kausch
"Três atributos para um bom alpinista são: um alto limite para dor, memória ruim e… e… esqueci do terceiro…" No ano seguinte, após uma temporada de oito meses seguidos escalando montanhas do Himalaia, percebi que tinha uma dificuldade enorme para fazer cálculos e lembrar de nomes de pessoas que eu acabara de conhecer. Nesses tempo, fiquei quase seis meses acima de 5.000 metros, 92 dias acima de 6.000 e 22 acima de 7.000. Senti-me uma cobaia viva para um estudo como o que citei acima. Antes que eu esquecesse novamente, fui procurar saber mais sobre esse tipo de pesquisa.
Muita polêmica foi levantada com a publicação do artigo "Are the mountains killing your brain?", publicado na famosa revista norte-americana Outside, "mãe" da brasileira Go Outside. Segundo o neurocientista e também escalador Douglas Fields, o maior risco seria em pessoas que escalam acima de 4.500 metros.
Confesso que fiquei realmente preocupado com as afirmações do dr. Fields, pois eu praticamente passo o ano todo acima de 5.500 metros de altitude.
Há que lembrar que montanhismo de altitude não é um esporte muito difundido e não conta com muitos praticantes. Estudos desse tipo requerem pesquisas exaustivas e caríssimas. Uma ressonância magnética, por exemplo, custa em média 800 reais atualmente. Uma expedição ao Everest custa em média 40 mil dólares! Uma das principais dificuldades de um estudo desse tipo é o alto custo.
O estudo mais complexo sobre os danos cerebrais a longo prazo causados por altitude foi uma pesquisa liderada pelo neurologista espanhol Nicolás Fayed, em 2006. Aqui foi usada a técnica de ressonância magnética para estudar os cérebros de 35 alpinistas que voltaram de expedições a quatro diferentes montanhas do mundo.
Todos sabemos que altitude pode trazer diversos problemas de saúde ao corpo humano. Eu mesmo já estou até acostumado a tratar pessoas com casos do chamado "mal agudo de montanha" ou mesmo de quadros mais graves como edemas cerebrais, edemas pulmonares, congelamentos, derrames retinais, e muitos outros.
As pessoas "comuns" não chegam a imaginar com o que temos que lidar nessas expedições longas em ambientes montanhosos. Já cheguei a extrair dentes, costurar dedos, imobilizar fraturas expostas e até mesmo tratar clientes com hemorróidas (é melhor eu nem contar este último caso…).
A maioria desses problemas estão relacionados a indivíduos que se acostumam mal à altitude. Isso geralmente se deve a uma subida muito rápida ou a uma hidratação ruim.
Os problemas descobertos por Fayed, no entanto, vão além dos descritos acima e podem aparecer mesmo em indivíduos que se aclimataram bem.
A princípio, os problemas mais comuns parecem estar relacionados com perda de memória recente, dificuldade de fazer cálculos, resolver tarefas complexas e também falta de concentração.
Muitos dizem que esquecer das adversidades pelas quais passamos na montanha e lembrar somente dos bons momentos é uma virtude que os bons alpinistas têm. No entanto, não é nada agradável saber que não existe escolha para essa virtude se queremos continuar escalando em altitude. O estudo explica bem o provável motivo para isso.
A falta de memória recente, por exemplo, pode estar ligada a lesões subcorticais no lobo frontal do nosso cérebro. No estudo de Fayed, a maioria dos escaladores, especialmente os que estiveram em montanhas maiores, tiveram esse tipo de dano.
Outro problema encontrado foi a dilatação de pequenas estruturas cerebrais chamadas de "espaços de Virchow-Robin". São pequenos canais para drenagem de fluído no interior do cérebro. Além disso, foram observados muitos casos de atrofia no córtex cerebral. Muitos desses danos são considerados irreversíveis.
Os 35 montanhistas da pesquisa se distribuíram em quatro montanhas: no Everest (8.848 metros, Nepal) foram 12 alpinistas profissionais e 1 amador. No Aconcágua (6.862 metros) foram 8 amadores; 7 amadores escalaram o Kilimanjaro (5.895 metros) e 7 amadores se deslocaram ao Mont Blanc (4.810 metros).
De todos os que tiveram no Everest, só um deles voltou com o cérebro intacto; os outros 12 tiveram danos cerebrais que podem ser irreversíveis. O preocupante mesmo foi o resultado do estudo dos que escalaram as montanhas menores.
Mesmo com apenas 4.810 metros acima do nível do mar, o Mont Blanc foi suficiente para causar atrofia no córtex cerebral de um dos escaladores. Um teve lesões subcorticais e outros dois tiveram dilatações nos espaços de Virchow-Robin.
O Aconcágua foi, sem dúvida, o mais alarmante de todos. Dos oito examinados, todos tiveram atrofia no córtex cerebral e quatro tiveram lesões consideradas irreversíveis. A expedição durou 15 dias desde o início até o fim. É possível que o curto tempo de aclimatação (apenas seis dias) e o fato de nenhum dos oito terem passado dos 3.000 metros anteriormente tenha sido os principais motivos para agravar o quadro dos alpinistas.
Não se desespere com tudo isto que está escrito aqui!
A ressalva é que as piores ressonâncias são dos alpinistas menos experientes. Isso indica que doenças de altitude, como mal agudo da montanha, causado por uma aclimatação ruim e ligado à experiência do esportista, agravam a situação.
Se você freqüenta altitudes, espere então danificar um pouco do seu segundo órgão mais importante (citando Woody Allen…). O site Alta Montanha é um espaço virtual inteiramente dedicado ao tema do montanhismo. Para visitá-lo, clique aqui.
AI, MEU CÉREBRO: Acampamento a 7 mil metros de altitude, no Nepal
(foto de Maximo Kausch)
Estava escalando nos Andes Centrais no fim da primavera de 2009 quando ouvi os primeiros rumores de um tal estudo científico que dizia que a altitude encolhe o cérebro humano. De acordo com a pesquisa, em alta montanha ocorreria perda de memória e lesões irreveríveis ao órgão. Algo realmente assustador para os infelizes escaladores como eu, que passamos meses e meses seguidos em grandes altitudes. Mais tarde esqueci do estudo…
ROUBADA: Alpinista sofrendo com a altitude de 7.400 metros, no Paquistão
(foto de Maximo Kausch)