Supere-se!


JANINE: "O limite pode estar somente na mente, o que pode ser trabalhado pouco a pouco"

Ser um atleta da escalada esportiva, como em qualquer modalidade na qual se busca evolução, exige do praticante uma certa frieza para conseguir separar momentos de curtição ao lado dos amigos e as horas semanais focadas em uma planilha específica pensando a médio e longo prazo.

Desde sempre, performance envolve disciplina, planejamento, estudo e investimento e, dependendo do nível e envolvimento do escalador, também envolverá busca por patrocínio, mais abdicações, foco e especificidade. Tudo isso, sem dúvida alguma, impulsionado por um grande tesão em treinar — afinal, a gente não "sofre" e derrama suor à toa. Em algum ponto, existe uma satisfação muito grande nos projetos pessoais esportivos, sendo que alguns casos rumam para projetos profissionais.

Como muitos nomes da escalada esportiva pelo mundo que tiveram a oportunidade de viver a escalada de forma profissional, o campeão mundial Patxi Usobiaga exerceu por 17 anos a paixão pela escalada de performance. Colheu conquistas marcantes para a história e para si mesmo, mas no último mês anunciou seu "limite" na escalada competitiva, despedindo-se do cenário após tentar por dois anos lidar com uma hérnia na coluna, proveniente de um acidente de carro em 2009.


DESPEDIDA: Patxi, campeão do mundo de escalada de 2009, anunicou sua aposentadoria

Aceitar que sua performance na escalada chegou ao limite um pouco mais cedo do que o programado não é fácil. É um processo de transformação enorme, de lidar com o desconhecido realmente. Contudo o campeão que extasiou públicos de escaladores em diversas etapas da Copa do Mundo da forma que Patxi fez (o que exige um controle mental e uma disciplina enorme) tem administrado esse desafio com sabedoria em busca da felicidade, pois não há dúvidas que ali existe muito tutano. E, como não poderia deixar de ser, essa busca continua envolvendo esporte e superação.

Como ele desmistificou diversas vias de escalada pelo mundo, o campeão está lidando com a desmistificação de mais um movimento em sua vida. Confira mais no blog de Patxi.

Sem dúvida, apesar de viver outra realidade como atleta no Brasil, entendo sua paixão e me identifico com seu momento, pois sei que os altos e baixos fazem parte da vida de todo esportista, e que lidar com lesões é um dos maiores dilemas do atleta, principalmente quando o problema acontece de maneira tão inesperada.

Deixo nesse espaço minha admiração pelo atleta que ele é, eterno, seja qual for seu caminho daqui para frente.

Em outra esfera, a escalada esportiva proporciona superação e intensidade até mesmo para quem não possui um braço, não enxerga, não sente as pernas, mas mesmo assim "enxerga" a possibilidade de evoluir física e mentalmente na vertical. É o caso dos para-escaladores que emocionaram os público no último Campeonato Mundial , superando-se a cada lance das escaladas criadas pelos route-setters (profissionais que criam o desafio de escalada, conforme a modalidade do campeonato).

No Brasil, existe há algum tempo um grupo de escaladores com deficiências físicas e mentais que também encontrou na escalada esportiva uma maneira de sentir a vida de forma mais gratificante e intensa.

Alguns anos atrás, envolvida pelo trabalho do também escalador e mestre em esporte adaptado Mateus Nascimento, tive a oportunidade de acompanhar um grupo de cegos, surdos e mudos escalando com disciplina, treinando em busca da evolução.

Hoje tenho visto outros escaladores com diferentes deficiências participando até de campeonatos, e não tenho dúvidas que para eles também “o céu é o limite”, se houver oportunidade.

É fato que todos encontraremos um limite real em algum momento na escalada. Em alguns casos, o limite pode estar somente na mente, o que pode ser trabalhado pouco a pouco.

Em outros, o limite é traçado pela oportunidade, pelo destino ou pelo uso crônico do corpo sempre no limite e sem cuidado, o que também pode ser reversível.

Contudo, quando a oportunidade de escalar nos contempla, vamos aprendendo a controlar a mente e a dominar certos medos, percebendo uma infinidade de movimentos a serem superados.

Mesmo para quem já atingiu o tal do ‘limite físico" a superação existe! Ela está em manter o nível de performance estável por um longo tempo, em administrar os altos e baixos racionalmente, consciente de que é normal viver alguns momentos de menor motivação. Cada escalada é única, assim como cada momento.

AMBIENTE

A escalada oferece uma possibilidade de variação de ambiente muito bacana para quem abraça a prática profundamente, o que envolve a escalada INDOOR, normalmente durante a semana, e a prática na ROCHA, nos feriados e em finais de semana.

Traçando um paralelo com a corrida, pode-se dizer que seria o mesmo que treinar no parque ou na esteira no meio da semana, e partir para uma corrida de rua ou de montanha no final de semana.

E os dois ambientes podem ser desafiadores. Sem dúvida, o praticante que inicia sua vida como escalador indoor (em ginásios de escalada) precisa adequar-se ao universo da escalada em rocha, levando algumas viagens para sentir-se à vontade com o novo ambiente outdoor e com os novos conhecimentos de segurança inerentes à pratica.

Além de conseguir equilibrar treinamento e diversão, assim como escalada indoor e outdoor, ao longo da prática o escalador irá vivenciar infinitos processos de "desmistificação".

DESMISTIFICANDO UMA VIA

No início, é normal que o praticante depare-se com uma parede mais inclinada, com movimentos mais atléticos e interprete aquele desafio como muito distante, achando que o movimento é praticamente impossível para ele.

Pensar que uma realização está distante de nossas condições é totalmente compreensível em qualquer nível da prática, quando essa conclusão é racional, ou seja, baseada na realidade de conhecimentos cognitivos, físicos, psicológicos, sociais e ambientais.

Vislumbrar um "talvez" para si já é um passo à frente. Nesse caso, abraçando uma das máximas que meu parceiro Flávio "Massa" invoca para evoluir na escalada, “cada um escolhe o nível de pressão que impõe a si mesmo”. Ou seja, se a ideia é evoluir, mãos à obra, desfrutando do caminho.

Falando um pouco sobre desmistificação, vou contar sobre minha experiência com uma das vias que realizei nos últimos tempos – a Bagulho Ignorante, na Pedra do Baú (SP).

Há 11 anos, com sete anos de escalada (principalmente indoor), com eventuais viagens para a rocha, entrei em contato com essa linha na Pedra do Baú. A via foi batizada de Bagulho Ignorante por oferecer uma sequência de movimentos que exigem muita força e técnica, em uma parede bem negativa na Face Norte do Baú, ao lado da via Normal.

Além do aspecto cognitivo (que envolve conhecimento da movimentação, repertório de movimentos para se encaixar nos lances), do aspecto físico (força, tensão corporal, resistência, explosão, elasticidade), do aspecto psicológico (confiança em si para realização dos movimentos e confronto com as quedas que acontecem durante o trabalho da via), do aspecto social (ter um parceiro apto e disposto a encarar a segurança na via, em ajudar na equipagem mais complexa em uma parada não muito confortável), essa via envolve um ambiente mais inóspito do que a maioria das vias esportivas.

Por essa mistura de fatores, para mim a Bagulho era uma via complexa e difícil. Mesmo sem me sentir preparada para sua realização, por carência física e um pouco psicológica também , em 2011 fui experimentar seus movimentos.

Em todas as vezes que eu visitava a Pedra do Baú para escalar vias "mais fáceis", eu fitava a Bagulho. Após dez anos de minha primeira tentativa, eu voltei à linha, mais madura e forte, física e mentalmente.

Minha visão sobre cada movimento era muito mais clara. Minha compreensão sobre suas quedas e a confiança nas proteções também não me atormentava mais na hora de "puxar a corda" para proteger um lance ou para me lançar rumo a uma agarra mais distante.

Ou seja, para desmistificar a Bagulho Ignorante, eu vivenciei medos, sentimentos de impotência física e psicológica, visualizei outros "heróis" realizando a via, adquiri confiança praticando outras escaladas desafiadoras em outros ambientes e treinei movimentos específicos de explosão no ginásio e na rocha.

MENTALIZAÇÃO
Enfim, para realizar a via, mentalizei lance a lance, como se eu estivesse realmente escalando-a, lembrando dos erros e acertos, deixando a respiração ofegante fazer parte desse momento mental, porque eu sabia que minha respiração estaria ainda mais ofegante na hora do crux na prática.

Chegada a hora crucial na via, em alguns segundos eu pensei: “Putz, não estou com a respiração calma como quando realizei este lance da última vez, acho que não vou alcançar a próxima agarra”.

Felizmente, meu cérebro rapidamente retificou esse pensamento: “Mas é claro que a respiração está ofegante, pois você não parou para descansar. Você está na cadena! E na cadena essas são as condições do seu corpo. É tentar assim ou não é nada”.

Arrisquei com tudo, puxando ar e forças desse pensamento, sabendo que talvez desse para chegar. E deu!

Muitas vezes dá, por mais que a gente duvide. A gente se acostuma a "voar" e a tentar novamente até que finalmente alcance.

É certo que, para isso, o preparo físico foi realizado, o que envolveu um tempo para desvendar cada movimento, e essa é a parte agradável da escalada em rocha – você pode experimentar uma via quantas vezes quiser, é só programar a viagem, combinar com o parceiro, checar a previsão do tempo e escalar.

Já no cenário competitivo, é tudo muito rápido, e normalmente não existirá outra chance de tentar aquela específica via a não ser que você treine no muro onde aconteceu a competição e se as vias permaneçam montadas.

Competir é sem dúvida uma bela forma de se administrar um momento de pressão, é um prato cheio para aprender a controlar a ansiedade, a buscar técnicas de respiração para acalmar o coração na hora do nervosismo para que a tensão não atrapalhe sua evolução em uma próxima tentativa.

Não adianta negar: uma vez envolvido pelo cenário competitivo, a cobrança pelo seu melhor desempenho virá como nunca, e isso pode ter um lado muito recompensador.

Quem desejar acompanhar de perto as emoções de um Campeonato Brasileiro pode conferir no dia 26 de novembro uma etapa que acontecerá no Ginásio Rokaz, em Belo Horizonte (confira o endereço abaixo, nas dicas de ginásios de escalada).

Até lá, para você ir, pouco a pouco, desvendando seus movimentos também e chegar até onde nem seus pensamentos imaginam, vá preparando sua mente. Escale em alguns dias para vivenciar a prática e confira mais dicas de treinamento para otimizar sua escalada esportiva na minha próxima coluna, aqui no site da Go Outside.

Abaixo, alguns ginásios de escalada pelo Brasil:

>> Belo Horizonte:
ROKAZ Escalada:
www.rokaz.com.br/
DAS PEDRAS:
www.daspedraslb.com.br/

>> Brasília

PRIMATA:
www.primataescalada.com/

>> Campinas
GEEU – UNICAMP:
www.geeu.wsystem.com.br/

>> Curitiba
Ginásio CAMPO BASE –
www.campobase.esp.br/site/ginasio/
Academia VIA AVENTURA –
www.viaaventura.com.br

>> Esteio
AMES:
http://www.amesmontanhismo.com.br/

>> Itajubá
ALDEIA:
www.academiaaldeia.com.br/page7.html

>> Rio de Janeiro
LIMITE VERTICAL: Rua Bambina, 141 – Fundos, Botafogo – Rio de Janeiro / 21-2246-9059

>> São José do Rio Preto
ALTITUDE Escalada – www.altitudeescalada.com.br/

>> São Paulo
90 GRAUS, zona sul –
www.90graus.com.br /
CASA DE PEDRA, zona oeste:
http://www.casadepedra.com.br/escalada

>>Porto Alegre

ADRENA:
www.adrenalimits.com.br/v1/pagina.php?p=diversas_modalidades
AGM:
www.agmontanhismo.org/

>> Taubaté
PEDRA E AVENTURA:
www.pedraeaventura.com

>> Valinhos
KLETTER HAUS Co:
www.kletterhaus.com.br/

Ótimas escaladas!

A heptacampeã brasileira de escalada esportiva Janine Cardoso é atleta da The North Face, jornalista e educadora física. Para saber mais sobre ela, visite seu site pessoal e sua página do Facebook.