(Fotos: Érico Hiller/ A Jornada do Rinoceronte )
Há anos a humanidade vem destruindo o planeta a passos largos: vários tipos de poluição, consumo desenfreado de energia e recursos e matança de várias espécies de animais são fatos corriqueiros. O que você pode não saber é a velocidade com que isso vem acontecendo. Um exemplo muito sério é a caça aos rinocerontes, animais que correm o risco de extinção completa ainda durante nossa existência.
Para divulgar a urgência da questão, o fotógrafo Érico Hiller * passou anos visitando diferentes países documentando a caça furtiva de rinocerontes, e publicou as melhores imagens no livro A Jornada do Rinoceronte (saraiva.com.br ; R$ 98) . São quase 200 imagens associadas à caça ilegal desses mamíferos, todas acompanhadas por histórias de arrepiar – os caçadores se utilizam de recursos cruéis e desumanos para capturar os bichos. O principal objetivo da caça é a venda dos chifres, muito populares na Ásia por supostamente terem poderes medicinais – mas, de fato, têm apenas queratina em sua composição.
Abaixo, veja algumas das fotos escolhidas por Érico para ilustrar o livro, junto com a descrição dos tristes momentos:
“Este enorme rinoceronte negro se chama Baraka, nome que significa “Benção” em Swahili, o dialeto mais comum no Quênia. Este animal vive em um cercado onde conseguiu se adaptar muito bem, na reserva Ol Pejeta. Ele recebe inúmeras visitas de turistas todos os dias, sobretudo das crianças da região. Mesmo sem enxergar, recebe cuidados e é alimentado pelos trabalhadores da reserva. Vive muito bem. Ainda assim, pode representar um perigo para seus tratadores, caso fique agitado e um pouco agressivo. É sempre bom respeitar certa distância. Apenas esses arames nos separam do gigante. Pude vê-lo bem de perto e acho que foi a primeira vez que toquei em um chifre. Isso renovou minhas forças para seguir com meu projeto, refrescando na minha memória o que me incentivou a iniciá-lo. Depois desse dia, ainda fotografei por dois anos para meu livro. Senti de uma maneira muito forte que eu tinha uma missão a cumprir, algo importante a fazer pelos rinocerontes. Uma tarefa que ocupou e que ocupará boa parte da minha vida. Baraka me ajudou a ter consciência sobre tudo isso. Ele me deu a visão, me permitiu enxergar.”
“Este é o cenário da guerra. É onde conseguimos vê-la fisicamente acontecendo. Nas cercas que limitam as propriedades em países africanos. São por cercas como estas que entram e saem à noite caçadores furtivos. São por cercas assim que anualmente toneladas de chifres passam dentro de mochilas ensanguentadas com destino a países asiáticos. São em locais assim que patrulhas de guardas florestais altamente armadas realizam suas rondas. Nessa noite, eu estava companhando uma equipe anti-caça no Zimbábue, quando ouvimos o som que poderia ser de um tiro. Todos nós ficamos imóveis enquanto os guardas se comunicavam por gestos. É difícil saber, pois na maioria das vezes os caçadores atuam com silenciadores, equipamentos militares de última geração acoplados ao rifle que abafam o som dos disparos. Curiosamente, o país registrou recentemente um caso de morte de dois rinocerontes por envenenamento. Eu já tinha ouvido relatos de envenenamento no Quênia e também na Índia. Geralmente caçadores jogam melancias com veneno para os animais comerem e então atacam depois que eles desmaiam, tirando-lhes os chifres. Também há casos de flechas envenenadas e de rinocerontes eletrocutados a partir de cabos puxados da rede elétrica das estradas. Também há caças com armadilhas, feitas com imensos buracos onde são instaladas lanças que empalam os animais ao caírem.”
“O professor pergunta aos alunos: “Vocês preferem um planeta com rinocerontes ou sem eles?”. Esta reserva no Quênia mantém um interessante programa educacional, convidando as escolas da região a visitar e pesquisar a vida selvagem do lugar. Nesse esforço, o rinoceronte recebe atenção especial. Este esqueleto erguido em um pequeno museu é do último rinoceronte morto por caçadores furtivos da reserva. Nele, podemos ver a marca das perfurações do projétil, que destruiu quadril, coluna vertebral e costelas, tendo atravessado seu coração. Com um ferimento como esse, um rinoceronte não consegue caminhar mais do que dez metros. Cai. O suficiente para que o grupo de caçadores se aproxime rapidamente com um machado ou facão para terminar o trabalho.”
“Kilifi é um órfão cujos pais foram mortos em um incidente de caça furtiva. As estatísticas mais recentes são impressionantes. De acordo com os dados do Departamento de de Meio Ambiente da África do Sul, apenas nesse país a caça furtiva matou 83 rinocerontes em 2008, 122 em 2009, 333 em 2010, 448 em 2011, 668 em 2012, 1004 em 2013 e 1215 em 2014. Isso sem contar aqueles que perdem os chifres mas sobrevivem, e as fêmeas grávidas, cujos fetos morreram no mesmo evento. Os rinocerontes que atravessam as cercas do país e são caçados fora da fronteira – o que é bastante comum – também não estão nessa estatística. Os números podem ser muito maiores. Não bastasse a caça ilegal, existem também, claro, as mortes naturais. Mesmo jovem, Kilifi faleceu na madrugada de 22 de agosto de 2015 ao contrair uma bactéria bastante letal chamada Clostridium perfringens. Conhecido pelo seu espírito impetuoso, o animal era o favorito entre os funcionários da reserva que o protegia no Quênia. Eu fiquei devastado ao receber esta notícia por email. Cada rinoceronte conta.”
“A organização Care for Wild abriga rinocerontes cujos pais morreram em função da caça furtiva. Localizada próximo à cidade de Nelspruit, na África do Sul, tem como objetivo tratar os ferimentos e alimentar os pequenos sobreviventes. As reservas geralmente não possuem equipamentos e pessoal para administrar situações que requerem cuidados veterinários específicos e alimentação adequada, fora o custo de manutenção de um órfão, que é altíssimo. Orfanatos como esse vivem de doações e procuram garantir que os animais sobrevivam e fiquem saudáveis, mesmo depois de terem presenciado o massacre de seus próprios pais. Muitos rinocerontes recém-nascidos chegam sem seus miúdos chifres, com os olhos cortados ou com os calcanhares dilacerados. “Hora do leite”, ouço um funcionário anunciar, carregando grandes garrafas. Os rapazes e esta moça irlandesa estavam na organização para ajudar na alimentação destes rinocerontes-brancos órfãos. Estes pequenos animais podem ser agressivos e até ferir um adulto, mas na hora do leite o entusiasmo dos bichos era formidável. Bebês mamíferos são iguais em todo lugar.”
* Saiba mais sobre o trabalho de Érico Hiller e a caça furtiva aos rinocerontes na matéria Dez Ideias Corajosas – Os aventureiros são os novos guardiões da natureza , na Go Outside 128 , de abril de 2016, nas bancas.