Brasileiro leva seu “fuquinha” 68 para a Copa, em uma road trip cheia de descobertas e aventuras
Por Thaís Valverde*
Depois de tantas expedições por países da América do Sul, o fotógrafo e professor universitário Nauro Júnior diz que já nem se considera mais um brasileiro ou apenas gaúcho, mas, sim, um sul-americano. “Tem muita gente que acha que sou argentino e me chama de Che Guevara”, conta. Foi a bordo de um Fusca 1968 de cor azul, apelidado de Segundinho, que desde 2012 Nauro já viajou por sete países do nosso continente com a expedição Fuscamérica.
Com o “Fuquinha”, ele conheceu gente do mundo inteiro. Viveu histórias surpreendentes com pessoas anônimas e teve encontros memoráveis com celebridades, como o ex-presidente do Uruguai José Mujica – que inclusive deu sua “benção” ao carro para a próxima aventura, que será bem longe das Américas. Nauro e o copiloto e amigo Caio Passos vão para a Rússia acompanhar com o carro mais popular do planeta os jogos da Copa do Mundo.
O velho veículo enfrentará cerca de 20.000 km entre os meses de junho e julho, acompanhando os bastidores dos Jogos. “Não temos ingressos, a gente vai se arriscar, tentar um jeito de ver alguma partida. Mas sabemos que o melhor acontece fora dos estádios. É o grande encontro das culturas com o amor pelo futebol”, diz Nauro, que também é jornalista. Sem falar inglês e muito menos russo, ele diz que não tem medo do que possa encontrar. “Quando você chega com um sorriso no rosto e com simplicidade, as pessoas te recebem bem.”
O amor pelo Fusca vem desde a infância. O pai de Nauro tinha um Volks azulão, que sempre enchia o menino de felicidade. “Meu pai era o único do bairro que tinha carro, e isso o tornava uma espécie de super- herói. Ele levava a gente e os vizinhos para passear e dava carona para a galera até o hospital.” Quando Nauro fez 35 anos (hoje está com 49), ele comprou um Fusca para poder ir para a faculdade durante sua segunda graduação, em fi losofi a. Para comemorar a formatura, em 2012, ele e mais um amigo viajaram da praia do Cassino, no Rio Grande do Sul, até o Chuy, no Uruguai, tudo pela beira do mar. O trajeto de quase 300 km levou cerca de quatro dias.
De 2012 para cá, Nauro já foi de Pelotas ao Rio de Janeiro, da praia do Cassino ao Oceano Pacífi co, entre outras aventuras. O Fusquinha encarou neve na Cordilheira dos Andes, o calor do deserto argentino e até a região mais austral do Chile, Punta Arenas. “A convite da Marinha brasileira, eu e um amigo cinegrafista fomos de Fusca até Punta Arenas, no Chile, passando pela Patagônia. Depois pegamos um avião até a Antártida, onde ficamos por cerca de três dias, mas o Fusca permaneceu em solo chileno”, explica.
Para vivenciar as viagens, Nauro conta com o apoio de Gabriela Mazza, sua esposa e coordenadora da “equipe terra” da expedição e também da agência de fotos do casal. “Organizo a parte burocrática das viagens. Tento salvá-lo de longe quando há algum imprevisto. Mantenho as redes sociais atualizadas e faço o contato com as pessoas que se propõem a ajudar”, conta Gabriela.
E, de fato, muita gente entra em contato a fim de abrigar Nauro ou colaborar financeiramente com os deslocamentos. Para a expedição da Rússia, além de conseguir patrocínio de empresas que trabalham com agenciamento marítimo, a expedição Fuscamérica arrecadou cerca de R$ 36 mil por meio de financiamento coletivo. A meta era R$ 40 mil.
Os dias na estrada são regados a imprevistos, como no trajeto da cidade argentina Uspallata a caminho de Buenos Aires. Ao abastecer o carro, Nauro viu que o limite do seu cartão do crédito havia estourado. Com a pouca grana que ele e o amigo que o acompanhava dispunham, pagaram a gasolina e pediram ajuda para Gabriela, pois só teriam combustível até metade do caminho. Naquele dia, viajaram 1.200 km, das 5h da manhã até a 1h da madrugada. Dormiram no Fusca e chegaram no dia seguinte a Buenos Aires. “Se isso acontecer na Rússia, é mais complicado ainda. Por isso a viagem precisa ser muito bem organizada”, explica Nauro.
De Fusca na Rússia
Ao acompanhar os jogos da Copa, o fotógrafo irá passar por diversas cidades e locais remotos da Rússia, mas acredita nas duas simbologias que carregará nessa expedição. “O futebol é uma linguagem universal, assim como o Fusca, um carro que sempre representou a simplicidade, o povo”, acredita. “Segundinho” embarcou no mês de abril no porto do Rio Grande do Sul e desembarcou na Alemanha, de onde foi enviado via terrestre até a cidade de Moscou.
Com o passar dos anos, a expedição Fuscamérica foi ganhando fãs, tanto nas redes sociais como no YouTube, onde são publicadas entrevistas e documentários produzidos por Nauro e seus copilotos. Vez ou outra aparece gente de diversos cantos do país contando que está pensando em fazer o mesmo. Uma das histórias que ele ficou mais tocado foi a da sua vizinha. Um dia ela foi até a casa de Nauro pedir o mapa da viagem que ele fez do Atlântico ao Pacífico. O motivo: ela e o marido, casados havia 25 anos, sonhavam em realizar algo parecido. Com uma caminhonete, eles fizeram exatamente o mesmo roteiro. “Percebi que minhas viagens acabam mexendo com o imaginário das pessoas. Elas pensam: se esses loucos podem, a gente também consegue.”
*Reportagem publicada na edição nº152 da Revista Go Outside, em junho de 2018