Qual o poder da fé na performance de um atleta? Antes de sentir uma forte pontada lateral na barriga e entrar em pânico, o norteamericano Ryan Hall achava que estava correndo melhor do que nunca. No 16º km da Meia Maratona de Houston, em 2007, ele estava em primeiro lugar, com um tempo médio de 2min50/km. O atleta não costuma ter esse tipo de dor, então, quando a sentiu chegando, preferiu ignorá-la e continuar correndo. Mas o desconforto não foi embora e, depois, piorou. Aí ele começou realmente a se preocupar.
Então Ryan rezou. E foi bem direto nas preces: “Senhor, por favor, me ajude a alcançar a linha de chegada sem que essa dor me domine”. Ele se concentrou e repetiu essas palavras mentalmente. Um minuto depois, a dor havia sumido, e Ryan seguiu em frente e venceu a prova, em 59min43, um recorde norte-americano (e, naquela época, a meia maratona mais rápida de um corredor não africano). Ao se lembrar daquele dia e da dor que sentiu, Ryan afirma que “com certeza a oração teve poder”.
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É claro que o fato de Ryan se voltar para uma oração como forma de melhorar seu desempenho não é exatamente surpresa: trata-se de um atleta conhecido tanto por sua fé cristã como por ser um dos corredores de distância mais talentosos dos Estados Unidos. E qualquer pessoa que esteja familiarizada com o esporte profissional já viu cabeças se inclinando em sinal de reverência antes de competições e manifestações de agradecimento a Deus depois de provas e jogos. Os céticos podem não dar crédito ao poder da fé na performance destes atletas, mas a ciência está mostrando que a oração funciona mesmo. Quando pessoas que têm fé rezam, algo se passa em seus cérebros que realmente as tornam atletas melhores.
O neurocientista Andrew Newberg, diretor de pesquisa no Marcus Institute of Integrative Health do hospital universitário Thomas Jefferson, na Filadélfia, dedicou grande parte da sua carreira ao estudo do poder da fé religiosa em nossa “máquina” mental. “Quando rezamos, a oração muda o cérebro”, diz.
Em sua pesquisa, Andrew constatou que rezar permitiu aos participantes alcançar um estado de flow (fluxo de pensamentos e energia) de forma mais rápida e eficiente – aquele tão desejado estado de espírito muitas vezes descrito como “ficar zen”. Durante o flow, uma cascata de neurotransmissores é liberada no cérebro, incluindo dopamina (que regula o centro do prazer), serotonina (que reduz o estresse) e norepinefrina (que ativa a resposta de luta ou fuga). O cérebro também passa por mudanças elétricas.
Os cientistas conseguem medir as ondas cerebrais através do eletroencefalograma (EEG), e observaram que as linhas do exame mudam com base no que a pessoa está fazendo e em como está se sentindo. Na maior parte do tempo, o cérebro produz frequências beta (13 a 30 hertz), que ajudam pensamentos complexos e análises críticas.
Espera-se que o cérebro do atleta esteja menos ativo durante um esforço extenuante e, se a pessoa apresentar uma boa performance – em estado de flow –, a mente estará, de fato, mais calma, dominada por ondas alfa (8 a 12 hertz). Nessa condição, ficamos mais relaxados e usamos mais nosso instinto. A atividade cerebral é, em grande parte, silenciosa, principalmente no córtex cerebral e no lobo frontal, onde estão concentradas nossa noção de futuro e a percepção sobre nós mesmos. E, aparentemente, rezar é uma das melhores maneiras de alcançar esse estado, talvez muito mais do que a prática de meditações tipo mindfulness.
“Na verdade, o movimento mindfulness usa mais uma abordagem não religiosa”, afirma Andrew, que foi professor de estudos religiosos na Universidade da Pensilvânia e é autor do livro How God Changes Your Brain [em tradução livre, Como Deus Muda Nosso Cérebro]. “Nós praticamente reorganizamos e dessacralizamos o mindfulness para ele ficar mais acessível para todos, o que é bom. Mas, em vários aspectos, não é tão eficaz nem tão poderoso quanto rezar.”
Durante duas décadas, Andrew estudou o fluxo sanguíneo cerebral de pessoas de fé – de mulçumanos a cristãos evangélicos – enquanto rezavam e observou a existência de um padrão. Quando os participantes começavam a rezar, havia atividade no lobo frontal. Passados uns 10 a 50 minutos, essa região ficava praticamente silenciosa. Outras pesquisas mostraram que, durante a oração, o lobo frontal é inundado por ondas alfa.
É o mesmo resultado que se obtém com meditação e práticas de mindfulness, mas acrescentar fé, segundo Andrew, pode funcionar como um poderoso catalizador. Quando a pessoa realmente acredita em alguma coisa, para o neurocientista, ela tem uma forte motivação. Não se trata apenas de um meio ou técnica para chegar onde se quer. “Quando eu rezo para Deus enquanto estou competindo, sinto-me muito mais bem equilibrado, muito mais seguro e muito mais livre. Eu me sinto liberto”, diz Ryan.
Segundo Andrew, tudo isso se resume a algo que soa quase simples demais: o poder da fé. “Quanto mais você acreditar em qualquer coisa que fizer, melhor será o efeito”, afirma. Isso não significa tanto acreditar na coisa “certa”– Jesus, Alá ou o Monstro do Espaguete Voador –, mas, sim, de crer em algo. Em outras palavras, é preciso ter fé total em qualquer coisa a que você se dedicar.
Veja, por exemplo, a experiência de Ryan em 2009, quando estava correndo o trecho final da Meia Maratona da Filadélfia. Ele estava no mesmo ritmo dos líderes da prova quando sentiu que começou a perder forças, por volta do Km 17,5. Pensou consigo: “Deus, o que Você reserva para mim?”. Ryan diz que se lembrou de um versículo da Bíblia, de provérbios 23:7: “Porque, como imaginou no seu coração, assim é ele”, e variações desse versículo são comumente encontradas em livros de auto ajuda e de mindfulness. Ryan conta: “Eu me lembro de ter dito a mim mesmo que, apesar de cansado, ainda tinha, sim, alguma força. Eu tinha, sim, outro recurso. Eu podia ir mais longe”.
Ele acelerou e venceu a prova.