Brasileiro lidera expedições para “caçar” Auroras Boreais

Por Bruno Romano*
Fotos de Marco Brotto

COMO TODA BOA história de sucesso, esta aqui se inicia com um belo fracasso. Desbravando a Noruega por dias a fio, vários deles na companhia de guias locais, o curitibano Marco Brotto já começava a acumular uma incômoda sequência de tentativas frustradas com o objetivo de enxergar no céu a aurora boreal, o espetacular fenômeno natural conhecido mundialmente como Northern Lights (ou “luzes do norte”). Para tentar virar o jogo, Marco decidiu explorar sozinho a área, encarando temperaturas
negativas e climas amedrontadores, em um cenário de incerteza total – uma decisão
que mudaria para sempre sua vida.

Em uma noite de tempo limpo, ao olhar pela lente de sua câmera fotográfica, tons
de verde surgiram no céu. Aos poucos, a coloração podia ser vista timidamente no
horizonte a olho nu. Quando Marco decidiu se virar para trás, um “monstro de luminosidade e brilho impressionantes”, como descreve hoje, já se aproximava a uma velocidade que o deixou congelado de medo. “Fiquei apavorado por alguns segundos, mas logo depois veio a contemplação”, diz sobre a experiência transformadora.

A paixão instantânea por esse raro colorido dos céus se deu em 2011, quando
Marco tinha 41 anos. Desde então, ele se dedica tanto a perseguir mais auroras
por conta própria como a levar gente interessada para bem perto do fenômeno,
em uma agência de viagens própria especializada no assunto. “Caçar auroras
acaba sendo bastante cansativo. Por um lado, volta-se exausto fisicamente, mas,
por outro, você se sente iluminado intimamente”, garante Marco, que se intitula
“caçador de auroras boreais”.

Marco Brotto curte mais uma caçada na Finlândia

A caça, de fato, começa no Brasil em uma espécie de quartel-general montado dentro
da casa do empresário em Curitiba (PR). Na sua base, em meio ao pequeno caos que Marco chama de ninho, misturam-se aparelhagem eletrônica, computadores, mapas, fotos e calendários de expedições. Por ali, monitora frequentemente sites, aplicativos e informações divulgadas em plataformas de grandes agências espaciais. Costurando todos os dados e analisando as possibilidades, ele determina se será iniciada uma nova caçada.

No fim de novembro, quando conversou com a Go Outside, Marco havia acabado
de presenciar mais uma saída a campo bem-sucedida: cinco momentos diferentes
de luzes em uma mesma noite gelada (com temperaturas oscilando abaixo dos 20oC
negativos), na beira de fiordes na Finlândia, com a companhia de clientes brasileiros.
“Já vi mais de 300 auroras, mas cada experiência é única”, conta. “Você se esquece
de tudo, começa a viajar nos mistérios do universo e entra em um processo profundo
de introspecção.”

Para estar no lugar e na hora certa é preciso uma mistura de boas vivências e conhecimento com uma pitada de sorte, confessa o caçador, que já avistou auroras em
dez destinos: Finlândia, Noruega e Suécia, os mais frequentes, Islândia, Groenlândia,
Rússia, Svalbard (território norueguês no Ártico) e Ilhas Faroé (pertencente à Dinamarca), os mais “ousados” e aventureiros, além de Alasca (EUA) e Canadá, na América do Norte. Em cerca de 40 expedições sob seu comando, o que inclui inúmeros dias ao relento, ele só não avistou as luzes do norte em três noites. Nas demais, seu faro
aguçado gerou bons frutos.

Ainda assim, definir qual será o local exato da melhor atividade em um dia específico segue como uma “roleta de cassino”. Entre tantas variáveis possíveis, a premissa número um para se dar bem é ter disposição. Como o fenômeno se dá com céu escuro, os meses de novembro a janeiro acabam sendo, logicamente, os mais indicados no Hemisfério Norte. O que muitas vezes significa enfrentar a chamada noite polar, ou seja, 24 horas de escuridão, quando as chances aumentam consideravelmente.

A aurora em si é um fenômeno físico e químico causado pelo contato do plasma
solar – uma combinação de partículas atômicas que viajam pelo espaço até alcançar
nosso planeta – com a magnetosfera, o campo magnético de proteção presente na atmosfera terrestre. O fenômeno se completa graças aos polos terrestres, que atraem essas partículas solares, o que explica a incidência nos extremos da Terra. No norte, chama-se a isso de aurora boreal. No sul, de aurora polar. E o que justifica o fato de a luminosidade algumas vezes ser ainda mais impressionante a olho nu são as variáveis explosões solares, junto da movimentação da chamada coroa solar, no processo de rotação do sol. Em outras palavras: pura energia na forma de luzes dançantes.

Como dá para perceber, a partir daí abre-se um campo vasto de interpretações. Em sete anos dedicados ao tema, Marco já ouviu dezenas de lendas envolvendo as incríveis luzes. Na Finlândia, por exemplo, é comum pais dizerem às crianças que a aurora surge por causa de uma raposa gigante que bate seu rabo nas altas montanhas e deixa rastros luminosos de neve celestial pelo ar. Alguns noruegueses contam que as luzes são fruto do choque do metal das lanças de guerreiros ancestrais. O povo inuit, local das áreas mais frias da América do Norte, imaginam crianças se divertindo com baleias quando o espetáculo acontece.

Em meio a tantas fábulas divertidas, um momento íntimo mexeu com Marco. Na casa de uma família finlandesa, um senhor lhe garantiu que, mesmo com os olhos fechados, conseguiria descrever uma aurora. Então começou a falar calmamente, explicando que o magnetismo exercia um efeito potencializado em muitos animais selvagens. Logo na sequência, vários lobos começaram a uivar, e não demorou muito para que uma linda aurora se formasse no céu. “Ele descrevia exatamente o que estava acontecendo acima da gente, mesmo sem ver”, recorda Marco.

Durante as caçadas com brasileiros, o líder das expedições também junta um bom punhado de relatos. Um de seus preferidos é o de uma mulher que, logo após presenciar
uma explosão de luzes no céu, ligou para seu pai e disse que o perdoava – Marco preferiu só observar a situação sem invadir a intimidade do caso. “É uma caçada em que a ‘arma’ é a alegria de estar ali”, descreve Sara Rubinstein, viajante que acompanhou Marco em uma expedição em janeiro de 2017 pela Lapônia, região no norte da Escandinávia. “Não há foto que consiga demonstrar o impacto dessa experiência dançante, colorida e esplendidamente vigorosa”, diz outra cliente, Thereza Beatriz, em um mural aberto de recados na página oficial das expedições (auroraboreal.blog.br).

Para Marco, compartilhar a experiência inicial e dividir novos momentos com outras pessoas virou não só um trabalho, mas também uma “deliciosa brincadeira”. Quando tudo começou, ele pensava como grande parte das pessoas: basta olhar para o céu que, uma hora ou outra, acabaria vendo uma aurora. Antes mesmo até das primeiras tentativas com guias locais no norte da Europa, ele já havia embarcado em um cruzeiro pelo Alasca com a certeza de que toparia com o fenômeno observando o horizonte de dentro do navio. A realidade, ele logo percebeu, era bem diferente.

“Há muita imprudência e até passeios ilegais em vários países”, alerta. Os riscos vão de motoristas não habilitados até a falta de preparo e logística adequada para noites em clima extremo e, sobretudo, em caso de alguma emergência em ambientes inóspitos. “É por isso que adoro compartilhar dicas abertamente com gente interessada, entretanto tomo muito cuidado ao indicar serviços locais”, afirma. Nos moldes atuais, Marco faz
viagens de grupos, com duração de oito a dez dias, incluindo hospedagens, guias locais e estrutura de apoio com transporte 24 horas – os pacotes giram em torno de US $ 5.000 por pessoa, somente com a parte terrestre.

O caçador de auroras se diverte ao relembrar dos perrengues que já viveu na época inicial de viagens solo. Certa vez, seu carro atolou na neve do Alasca. Sem auxílio nem uma solução prática ao alcance das mãos, o jeito foi esperar. O relógio girou por 12 horas, uma cilada total, que significou passar uma noite inteira no meio do nada. “No fim, acabou sendo o melhor presente que o Alasca poderia me dar: o céu se encheu de cores e movimentos, e eu vi uma das auroras mais bonitas de toda a minha vida.”

*Reportagem publicada na edição nº 147 da Revista Go Outside, dezembro de 2017







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