Quando me formei em São Paulo há 4 anos, muitos amigos acharam que eu fui louca de me mudar para os Estados Unidos para estudar e me especializar em um tipo de medicina que ainda não é nem reconhecida no Brasil. Faz parte da minha personalidade abrir novos caminhos e trilhar o que eu amo, e hoje tenho a grande alegria de dividir em primeira mão aqui com vocês o fato de eu ser a primeira médica do país a receber o certificado de Fellowship da Wilderness Medical Society em Wilderness Medicine.
Espero eu seja a primeira de vários médicos do Brasil a trilhar esse caminho. Ao lado de colegas e enfermeiros do meu grupo, sonhamos em ver a medicina de emergência em ambientes remotos se tornar uma especialidade aqui também.
Um dos principais tópicos desse tipo de medicina é a chamada medicina do mergulho. Comecei a mergulhar com 12 anos e sou instrutora pela PADI desde 2002, ou seja, já estava mais do que na hora de escrever algo sobre este tópico tão interessante.
Quando vemos por aí a sigla SCUBA (self-contained underwater breathing apparatus), isso nada mais é do que o mergulho com o uso de cilindro. Foi por causa da fome e da escassez de comida durante a 2ª Guerra Mundial que o lendário Jacques Cousteau começou a desenvolver o equipamento SCUBA . Hoje ele é usado não apenas para o mergulho recreacional, mas também para o mergulho científico, profissional, militar, a pesca artesanal, entre outros.
No Brasil, o mergulho recreacional só chegou em 1974, graças a Álvaro Costa, um mergulhador português. E acho que ele na época nem imaginava que estava trazendo uma atividade que se tornaria tão popular: nosso país tem o maior número de mergulhadores da América Latina, batendo até países do Caribe e México! Atualmente, estima-se que há aproximadamente 500 mil mergulhadores certificados no Brasil, e só no arquipélago de Fernando de Noronha são realizados, em média, 5 mil mergulhos por mês.
Durante uma faculdade de medicina, os médicos não têm aulas sobre as doenças do mergulho e nem ouvem falar disso. Então é fundamental termos médicos especializados que entendam do assunto e saibam tratar e diagnosticar as principais doenças do mergulho, caso de Eduardo Vinhaes, da DAN (Divers Alert Network). Para encurtar o texto, dividirei os acidentes de mergulho em 2 classes:
1) Os acidentes não descompressivos, tais como: acidentes com animais marinhos, traumas e barotraumas, apagamento (do mergulho livre), afogamento etc.
2) E os acidentes descompressivos: doença descompressiva (DD) e a Síndrome da Hiperdistensão Pulmonar.
Infelizmente, esse tema é grande demais e fica impossível falar de tudo aqui no blog! Poderia escrever uma revista inteira sobre os problemas do mergulho e ainda não daria para falar de tudo.
Então escolhi falar sobre a mais grave e, provavelmente, a mais subdiagnosticada em todo mundo. Para entendermos melhor como essa doença acontece, imagine que nosso corpo seja uma garrafa de água mineral. O ar que respiramos é, basicamente, composto por 78% de nitrogênio, 21% de oxigênio e 1% de outros gases que agora não vêm ao caso.
Ao nível do mar recebemos 1 atmosfera (atm) de pressão. E para cada 10 metros de profundidade que descemos durante um mergulho, essa coluna de água exerce mais 1 atm sobre nós. Sendo assim, pela Lei de Henry (que diz que “A solubilidade de um gás dissolvido em um líquido é proporcional à pressão parcial do gás acima do líquido”) os mergulhadores que descem para profundidades maiores e ficam por mais tempo embaixo d’água se expõe a altas pressões e logo ficam mais suscetíveis à dissolução desses gases em maior proporção dentro da corrente sanguínea, e quando eles resolvem voltar para a superfície, essas bolhas se expandem, já que a pressão diminui. E é aí que mora o perigo.
Foi em 1878 que Paul Bert desenvolveu a teoria da bolha. E essas inúmeras bolhinhas invisíveis de nitrogênio passeando pela nossa corrente sanguínea causam muita dor e sintomas que, se não imediatamente tratados com oxigênio e câmera hiperbárica, podem levar um mergulhador à morte. Por outro lado, se não for fatal, as seqüelas podem ser permanentes, e a avaliação cuidadosa por um especialista da área é fundamental, já que existem sinais e sintomas que só um médico pode determinar, como detectar problemas de falha de memória. Pessoas apropriadamente treinadas podem perceber esses sinais durante um exame físico e neurológico completo.
Não desconsidere sintomas que podem ter desaparecido com o uso de oxigênio. Existem vários relatos de mergulhadores de que os sintomas desapareceram apenas por algumas horas e depois retornaram, muitas vezes, piores do que no início. A câmara hiperbárica é o único tratamento definitivo para o mal descompressivo. Essa doença é tão séria que, para isso, a marinha norte-americana criou uma tabela que deve ser obedecida por todos os mergulhadores. Ela determina quanto tempo você pode ficar a uma determinada profundidade para que seu mergulho não necessite de descompressão. Os computadores de mergulho também avisam quando é hora de voltar para a superfície.
Mas fique atento porque mesmo ficando dentro dos limites há fatores que podem aumentar a predisposição à DD, tais como excesso de peso, condicionamento físico ruim, ingestão de drogas e álcool antes do mergulho, exercícios físicos extenuantes, baixa temperatura da água, idade avançada, desidratação, episódio descompressivo prévio, entre outros.
Caso você depare com um caso desses, aqui fica a minha dica: oriente a pessoa a respirar oxigênio a 100% e procurar um médico imediatamente. Como há muitos médicos por aí que nunca Karina Oliani é médica, atleta de aventura e apresentadora de TV.
Em 2008, ajudei a criar um grupo chamado Medicina da Aventura.
Da próxima vez que vocês depararem com uma pessoa que estava mergulhando e alguns minutos ou horas depois apresenta dores em articulações, coceira na pele, dor de cabeça, perda de equilíbrio, alterações visuais, fadiga, formigamento, atenção, pode se tratar de um caso de DD.