Clã das águas

Os jovens canoístas Emily e Dane carregam um sobrenome de peso: Jackson. Filhos de Eric Jackson, o lendário domador de correntezas, os dois têm abocanhado diversos títulos mundiais em freestyle, provando que herdaram todo o talento do pai

Por Maria Clara Vergueiro


TRINCADOS: Dane, Eric e Emily no Tennessee
(Foto: Corey Rich/ Aurora Images)

IMAGINE POR UNS INSTANTES que você mal começou a andar e seu pai, um supercampeão do caiaque, te leva para todos os tipos de corredeiras para mostrar os prazeres de se enfrentar experiências aquáticas extremas. Sua casa fica a metros de um rio caudaloso, com o qual você passa a desenvolver uma profunda conexão. Alguns anos depois, seus pais se mudam com a família para um trailer. Assim todos podem viajar com mais conforto para visitar as correntezas mais cabulosas de seu país, os Estados Unidos. Quais seriam suas chances de se tornar um exímio domador das águas? Muitas. Pensando assim, até que os irmãos Emily, 21, e Dane Jackson, 18, são bem “normais”. Filhos do lendário Eric Jackson, 47, um dos maiores canoístas de todos os tempos e dono da famosa marca de caiaques que leva seu sobrenome, a dupla tem vencido campeonatos mundiais com talento impressionante.

A família Jackson, composta ainda pela matriarca Kristine, tem base fixa em Rock Island, no estado do Tennessee, mas adotou um estilo de vida itinerante e passa mais da metade do ano viajando pelo país em um motorhome para participar de eventos e promover clínicas em que transmitem todo o conhecimento que têm do esporte. A decisão de se tornar um clã on the road foi tomada em conjunto para que Eric – dono de quatro títulos mundiais em freestyle (1993, 2001, 2005 e 2007) – não precisasse se afastar dos filhos e da mulher quando fosse competir ou treinar. “A principal razão para termos adotado um estilo de vida nômade, com as crianças estudando em casa, é que queríamos estar juntos 24 horas por dia, sete dias da semana”, conta Eric, que também é pai de um menino de 3 anos.

Emily e Dane aproveitam a escolha da família para fazer o que mais gostam, aprimorando o talento herdado. Como resultado, veio logo o reconhecimento dos irmãos nas diversas disciplinas do freestyle, como os slalom e o squirt. No slalom, o caiaque tem um percurso demarcado, enquanto no squirt ele é menor para que o atleta execute manobras e piruetas nas marolas formadas pelo rio, mergulhando quase que todo o caiaque nas águas brancas.

Em qualquer uma das disciplinas, Emily e Dane já são professores. Somando vitórias, os dois jovens contabilizaram cinco medalhas de ouro conquistadas no Mundial de Freestyle, na Alemanha, no último mês de junho. Quatro delas são mérito de Dane, que primeira vez na história do esporte garantiu vitórias em três modalidades diferentes num mesmo evento. O feito rendeu a ambos as indicações de atletas do mês, nas categorias masculino e feminino, pelo Comitê Olímpico dos EUA. “Não esperava ser tão bem-sucedido. Só posso dizer que me diverti muito até chegar aqui”, disse Dane ao receber o prêmio. A irmã foi eleita a segunda atleta de destaque, atrás apenas da jogadora de basquete Mercedes Russell.

Segundo Eric, campeonatos não são um fim em si, mas uma consequência da paixão da família pelas águas. “Todos nós gostamos de competir porque permite testar limites e estabelecer um foco que vai além da diversão. Isso nos ajuda a ser pessoas melhores”, diz Eric, que pode se orgulhar da postura dos filhos também fora das competições. Emily, por exemplo, é engajada em causas humanitárias. Aos 15 anos, doou os US$ 5 mil que ganhou como premiação em dois campeonatos para programas assistenciais em Uganda, na África – metade do valor foi usado para a contratação de um médico e a outra, para a reforma de uma escola. “Com atos pequenos como esse, sinto que promovo mudanças. Pode não ser nada grandioso, mas devagar e sempre vou ajudando essas pessoas a ter uma vida melhor”, conta a moça. Recentemente ela e a mãe participaram de uma espécie de triathlon (16 quilômetros de caiaque, 116 quilômetros de bike e uma maratona) como meio de levantar fundos para o tratamento de Jason Craig, melhor amigo de Dane e campeão mundial júnior de freestyle, que teve sérios danos na medula após um acidente de caiaque.


EM CASA: Emily remando em Rock Island, onde vive com a família seis meses por ano
(Foto: Corey Rich/ Aurora Images)



REALIZADOS: Dane entre as rochas do rio Alaska
(Foto: Corey Rich/ Aurora Images)

Dane já se acostumou a ser mais novo que os adversários nas competições e não se intimida. “Durante anos, meu maior desafio era ser campeão do mundo. Agora que cheguei lá, o objetivo é vencer os próximos mundiais”, conta ele, que é descrito pelo pai como mais “relaxado” e “atirado” que a irmã. Para Emily, os campeonatos representam a união de tudo o que ela mais gosta. “Eu amo cada aspecto do caiaque. Amo estar na água mais do que qualquer outra coisa, e competir é um bônus imenso”, diz a moça.
Juntos, os Jacksons já percorreram os 49 estados dos Estados Unidos e desceram rios do mundo inteiro, da Espanha à Costa Rica, do Canadá à Africa do Sul. Se os filhos são “do mundo”, Eric os acompanha de perto e não pretende, tão cedo, ficar longe dos rebentos. “Eu sempre tento levá-los para remar em lugares em que estive antes. Ainda quero estar com eles na Nova Zelândia, Chile, Equador e Japão”, planeja o campeão. Pela velocidade com que Emily e Dane conquistam campeonatos, o mundo daqui a pouco ficará pequeno para tanto talento.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2011)








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