Tudo em família

Aos 21 anos, Marco Grael, filho de Torben, mostra que herdou o talento do clã e já é visto como uma das grandes promessas olímpicas brasileiras. No Mitsubishi Sailing Cup, os dois velejaram juntos, provando que têm afinidade dentro e fora da água

Por Mario Mele


SANGUE BOM: Torben, Andrea e o filho, Marco, em Ilhabela
(Foto: Cleiby Trevisan)

O MITSUBISHI/GOL, UM MODERNO VELEIRO de 40 pés (12,2 metros) chefiado por Marco Grael, está atracado no píer do Yacht Club de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. Enquanto o comandante é entrevistado por um canal de televisão, a tripulação faz os últimos acertos. O tático da embarcação, responsável por definir o rumo a ser tomado no mar, inspeciona, todo sério, os cabos do veleiro. Um fotógrafo tenta tirar uma foto da cena, ao que Marco intervém: “Agora não, por favor, ele está concentrado, né, pai?”. O tático em questão é ninguém menos que Torben Grael, maior medalhista olímpico brasileiro, um dos grandes nomes da vela no país e, agora, conhecido também como “o pai do Marco”. Mostrando que herdou o talento do clã Grael, o jovem comandante de apenas 21 anos começa a se sobressair como uma das grandes promessas do esporte no país.

Faltam poucos minutos para a largada do terceiro e penúltimo dia da regata Mitsubishi Sailing Cup, que reuniu, no início de junho, os melhores velejadores da América do Sul. Em sua segunda edição, o evento é dividido em três etapas (passará ainda por Búzios e Rio) e duas categorias (a HPE 25, um veleiro de 7,5 metros de comprimento, e a Soto 40, ou S40, um dos barcos a vela mais rápidos da atualidade). Ambos os modelos foram concebidos pelo argentino Soto Acebal, que, pensando em leveza e agilidade, utilizou fibra de carbono e epóxi na construção.
No Soto 40 dos Grael, outras sete pessoas integram a tripulação. Entre elas, Andrea Grael, mãe de Marco, esposa de Torben e velejadora experiente. A vela é inclusive a razão de o casal existir: Andrea e Torben se conheceram durante uma regata há quase 30 anos. Além de Marco, a filha Martine também já mostra que veio para marcar presença no esporte – a garota de 20 anos não estava em Ilhabela, pois competia na Inglaterra, após ganhar uma medalha de bronze na Semana Olímpica de Vela de Medemblik, na Holanda.

Desde muito pequeno vendo os pais velejarem juntos, Marco seguiu naturalmente o mesmo caminho da família e, hoje, possui três títulos brasileiros – dois na classe 49er e um na Optmist, conquistado quando tinha 13 anos. Quando Marco nasceu, Torben já era uma referência na vela, com duas medalhas olímpicas – ganharia mais três nos anos seguintes. “Além de pai, ele é um ídolo”, diz Marco. E o peso de ter um astro do esporte sempre tão perto? “Não tem lado negativo nessa história. Hoje isso é até uma vantagem, pois meus resultados ganham uma ótima divulgação”, garante. Ao lado do iatista André Fonseca, Marco terminou 2010 como campeão sul-americano. E se dedica com intensidade aos treinos para disputar os Jogos de 2012.

NA SAILING CUP DE ILHABELA, excepcionalmente, os Grael não foram bem, devido principalmente às mudanças bruscas no tempo. Uma frente fria trouxe fortes rajadas de vento ao canal de São Sebastião e balançou demais o mar. E o Mitsubishi/Gol terminou o evento em quinto lugar na classificação geral.

“Hoje foi um dia estranho”, disse Torben meia hora depois de sair das águas raivosas. “Quando há muita corrente, você tem que escolher um caminho para, pelo menos, se proteger. Acabamos nos dando mal.” Para Torben, o alto rendimento de um veleiro numa competição depende do bom trabalho de cada tripulante a bordo e, por isso, o comandante tem que saber jogar rápido quando percebe que algo não vai bem. O curioso é que, na Mitsubishi Sailing Cup, ele está escalado hierarquicamente abaixo do filho. “Fico sempre atento aos conselhos do meu pai”, conta Marco. “A vela é um esporte que envolve muita experiência, e eu estou em processo de evolução. Por isso me considero o timoneiro desse veleiro.” Ao ouvir isso do filho, Torben imediatamente o corrige: “Você é o comandante também”.

Por mais que estivesse tudo em família, qualquer atleta tão jovem se sentiria acanhado em delegar funções a um bicampeão olímpico, hexacampeão mundial e vencedor de 45 campeonatos brasileiros em oito classes diferentes. Marco está apenas começando. Este ano, a briga dele é por uma vaga olímpica na classe 49er, com André Fonseca. Como a irmã, Marco mira os eventos classificatórios. “Quero ter um bom resultado em Londres no ano que vem, mas não posso negar que meu objetivo principal é estar 100% para 2016.”
Na Mitsubishi Sailing Cup, Torben o nomeou comandante visando justamente acelerar o desenvolvimento do filho. “Minha função a bordo como tático também não é fácil”, explica Torben. “Tenho que decidir sobre o posicionamento do barco em relação ao vento e aos adversários. Mas, este ano, a responsabilidade do Marco aumentou.”


O BARQUINHO VAI…: O Mitsubishi/Gol dos Grael
(Foto: Cleiby Trevisan)

Torben, por sua vez, teve a oportunidade de aprender com seus tios, Axel e Eric, atletas olímpicos e tricampeões mundiais, e atualmente repassa sua experiência aos filhos. A mãe tem sido fundamental na formação da nova geração de velejadores Grael. Durante os seis anos em que moraram entre Nova Zelândia, Itália e Espanha, Andrea congelou sua carreira de veterinária para acompanhar o marido nos compromissos e não abalar a estrutura familiar. Hoje, ela se enche de alegria ao falar dos filhos.

“Cada um a sua maneira, a Martine e o Marco sempre foram apaixonados pelo esporte”, disse, antes de comentar um episódio inesquecível. Aos 4 anos, Martine não parava de insistir em velejar. Até que Andrea colocou a menina e Marco num barco e se distanciou para ver o que acontecia. “Enquanto ele timoneava, Martine fazia a escora do barco”, conta. No entanto, a pequena se desequilibrou e caiu na água. Ficou boiando, de colete salva-vidas e com os olhos arregalados. Com receio de que o susto afastasse a filha dos veleiros, Andrea jogou Marco, então com 6 anos, no mar e disse, sem mostrar desespero: “Aproveita para nadar com sua irmã, a água está uma delícia”. A tática deu certo. As duas crianças passaram a brincar tranquilamente. “Martine ficou tão na boa que percebi que ela realmente levava jeito para a coisa”.

No meio do bate-papo, as boas lembranças invadem os pensamentos da família Grael. Todos trocam olhares emocionados, em um misto de felicidade e saudade. Naquele instante, os momentos juntos dentro e fora do mar se tornam muito mais importantes do que um péssimo dia de regata.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2011)







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