O Monte Parofes


(Texto e fotos: Pedro Hauck)

HÁ ALGUNS ANOS, meu amigo e parceiro de escaladas, Maximo Kausch, estava procurando um projeto de montanhismo para desenvolver. Ele já era um dos escaladores mais experientes da América do Sul, mas achava que precisava fazer algo inédito. Foi desta vontade de querer realizar algo novo que surgiu a ideia de escalar as 50 montanhas mais altas do Andes.

“50? Por que este número, Maximo?”, indaguei.

“As pessoas gostam de números redondos”, respondeu.

“E como você vai saber quais são as 50 montanhas mais altas dos Andes? Escala todas!”

“Mas cara, e como eu vou saber quais são ‘todas?’”

Nem preciso dizer que a descoberta teria que ser na prática: naquele instante, Maximo começou oficialmente seu projeto de escalar TODAS as montanhas de 6 mil metros dos Andes – a altitude máxima dos picos daquela cordilheira. Um projeto que o diferenciou e colocou seu nome no hall da fama do montanhismo mundial.

Mas o que isso tem a ver com a escalada da montanha virgem mais alta dos Andes?

Vamos do começo. Para responder a pergunta de quais são todas as montanhas mais altas dos Andes, Maximo foi simplesmente “Maximo Kausch”. Ele desenvolveu um código matemático que nem imagino como funciona – eu sou geógrafo. Depois ele conheceu Suzie Imber, uma cientista inglesa que é mais maluca do que ele. E foi ela que aprimorou este código em um computador da NASA (por ser professora de uma universidade na Europa, ela tem acesso a essas tecnologias). O resultado disso tudo: existem aproximadamente 104 montanhas acima dos 6 mil metros nos Andes. “Aproximadamente” porque definir a altitude de uma montanha pode ser mais complicado que o código que Maximo e da Suzie desenvolveram. Neste meio tempo, ele já escalou 70 delas (eu estou na 39ª), um número que não para de aumentar.

Inglesa de “pedigree”, Suzie mora num cottage (chalé) em Leicester, onde trabalha como professora e pesquisadora do ramo da física. Seu carro é um Mini, e ela toma chá ao invés de café e passa a tradicional pasta Marmite no pão. Ela só não conhece muito Beatles nem Rolling Stones, duas coisas que, além do Pink Floyd e da minha Land Rover, são as que mais gosto “Made in England”.


NA PRÁTICA: A caminho da montanha virgem

VOCÊ PODE ACHAR QUE ESSE NEGÓCIO DE ESCALAR montanhas dá dinheiro só porque eu disse que tenho um Land Rover. Mas o Conway, como chamo minha Land Rover modelo Discovery 2 e ano 2001, é um veículo bem usado, e, como qualquer outro, precisa de manutenção. É aí que entra outra personagem desta história: Jovani Blume, um gaúcho da pequena Roca Sales, no vale do rio Taquari.

Acabo de me lembrar de que no meio de toda essa história, ainda nem comecei a falar da montanha ainda virgem e mais alta dos Andes: uma montanha com 5.845 metros de altitude, sem nome e no meio do nada, quase na divisa da Província de La Rioja com Catamarca, Argentina. Sim, até agora falei tanto das montanhas de seis mil metros que não comentei que a mais alta ainda sem ascensões é uma de cinco mil. Só para esclarecer, todos os picos acima dos 6 mil nos Andes já haviam sido escalados até 2015. Alguns, como o Aconcágua, foram conquistados ainda no século XIX. Outros, como o Sierra Nevada, em dezembro de 2014.

Após Maximo ter descoberto quais eram as montanhas de 6 mil metros nos Andes e ter escalado 2/3 delas, ele começou a olhar para outros pontinhos no mapa, que era muito mais volumoso e que também haviam sido descobertos através do trabalho que realizara com Suzie. Eram montanhas de 5 mil metros. Eu vi ele perder dias olhando para aquilo, e muitos mais dias desenvolvendo um novo programa para então cruzar dados com os do “IBGE” dos países andinos e saber que montanhas eram aquelas. Ele descobriu que a maioria sequer tinham nome.

Suzie ficou encantada em saber que seu esforço tinha resultado na descoberta de centenas de montanhas ainda inescaladas, e indagou: “Quando vamos explorá-las?”

A morte de um amigo

Neste meio de tempo, muita coisa aconteceu. Este projeto começou no momento em que Maximo estava deixando de guiar expedições estrangeiras no Himalaia e começando a montar sua agência Gente De Montanha no Brasil. O primeiro funcionário da empresa foi nosso amigo Paulo Roberto Felipe Schimdt, o “Parofes”, que naquele momento havia acabado de ser diagnosticado com leucemia. Parofes era o responsável pelo atendimento de nossa agência de montanhismo.

No final de 2013, o quadro dele piorou. Além de ter sido colega de trabalho, Parofes também foi meu parceiro de montanha. Fizemos inúmeras trilhas e cumes nas Serras da Mantiqueira e do Mar. Por uma questão de tempo, nunca conseguimos ir aos Andes juntos. Ele adorava o norte chileno, os vulcões típicos daquela região exerciam um fascínio sobre ele, que quase foi morar em San Pedro de Atacama, onde recebeu um convite para trabalhar como guia de montanha. Só desistiu por conta de seu tratamento.

Pela primeira vez, pude me despedir de um amigo. Na última vez que nos vimos, o abracei e ele me disse que seria cremado, pedindo para que jogasse suas cinzas no Pico das Agulhas Negras. Eu concordei, mas disse que antes a distribuiria no cume de várias montanhas nos Andes. Quando deixei o quarto do hospital, ele reforçou:

“Só não esquece de jogar nas Agulhas Negras também, senão eu vou puxar seu pé na cama.”

Parofes faleceu em maio de 2014, e desde então venho cumprindo essa promessa.


CAI MAS LEVANTA: Progressão inusitada na neve

A expedição

Após um longo período preparando o “Conway” (minha caranga) na oficina do Jovani, Suzie e eu partimos sozinhos para cruzar o continente, entre Curitiba e os Andes. Max estava com o montanhista/empresário Gustavo Ziller e o cinegrafista Gabriel Tarso escalando o Monte Elbrus, na Rússia, e nos encontraríamos em seguida no Chile. Enquanto isso, a ideia era aclimatar para, quando nos encontrássemos, estivéssemos prontos para ticar aqueles pontinhos do mapa.

Mas não foi bem assim que aconteceu.

Quando cheguei a Fiambalá, cidade base no lado argentino do Paso San Francisco, fui informado que a fronteira estava fechada por conta do mal tempo. “Tudo bem”, pensei. Ainda teria que me aclimatar.

Passamos algumas noites nos refúgios que ficam ao lado da estrada, mas o tempo estava realmente péssimo: muito frio e um vento insuportável. Descemos para a cidade, não lembro por qual motivo, e lá tive a informação de que o Paso estava fechado desde março, quando houve uma das maiores tormentas da história, que resultou em enchentes na cidade de Copiapó e no acúmulo de metros e metros de neve na região. Isso inclusive deixou muita gente isolada nas montanhas, e resultou na morte por congelamento do montanhista indiano Malli Babu Mastan.

Consultando a previsão de tempo, vi a oportunidade de escalar uma montanha de 6 mil em um local próximo, mas com clima diferente. Foi assim que mudei o rumo da expedição, indo escalar o Nevado Famatina (6.100m), numa das ascensões mais geladas que já realizei. O Conway sentiu o frio, e até o “anti congelante” do radiador congelou, e eu perdi o líquido aditivo. Conclusão: rodei com o motor seco e queimei as juntas do cabeçote do meu carro.

Foram duas semanas de marasmo, muito churrasco e depressão na cidade de Chilecito, até achar as peças para consertar o motor. Neste meio tempo, intoxiquei a Suzie com tanta carne argentina, antes de nos unirmos a Maximo e replanejarmos a expedição. Após ter guiado tantas expedições mundo afora, Max pôde rever melhor aquele mapa cheio de pontinhos, começando pela região onde estávamos, na Província de La Rioja, e perceber a existência daquela montanha de 5.845 metros que nos chamou a atenção: “Será que é a montanha virgem mais alta dos Andes?”, questionou Suzie.

Aquela pergunta permaneceu em minha mente por muito tempo. Até que resolvi perguntar para Maximo se ele podia transformar os dados dele em uma tabela.

“Já é uma tabela, mané!”, respondeu.

“Mas então por que você não organiza esses dados em uma ordem crescente e vê se este pontinho 5.845 é maior de todos?”

E não é que era mesmo? Fiquei orgulhoso com minha inteligência matemática. Mas como saberíamos que aquela montanha sem nome ainda era virgem?

O fato era que aquela montanha era apenas um pontinho no meio de um monte e, nas semanas que se passaram, escalamos muitos deles. Alguns sem nome, outros com nomes que descobrimos ao longo da viagem. Quase todos tinham um sinal humano, o que mostrava que não éramos os primeiros – a não ser que fôssemos os primeiros não incas a chegar ao cume.

Entre uma escalada e outra, eu ligava para o Jovani para falar sobre o carro e os barulhos que ele estava fazendo. Como diz o ditado: “Cachorro que foi picado por cobra tem medo de linguiça.” Por fim, acabei motivando meu mecânico a pegar seu jipe e cruzar a Argentina para nos encontrar.

Além de Jovani, juntou-se ao projeto o repórter e fotógrafo Caio Vilela, uma das pessoas mais interessantes, viajadas e tranquilas que já conheci. Uma pessoa que foi crucial para superarmos a “sorte” com o bom tempo, já que as minhas opiniões convergiam com as do Maximo, e só o Caio para acalmar a situação.

Logo na primeira montanha que fizemos todos juntos, a Sierra de Aliste, de 5.250 metros, o carro do Jovani congelou. A válvula termostática, o radiador do óleo e os selos do motor racharam. Descemos até Copiapó guinchando o carro dele. Sem peças de reposição, tivemos que dar um jeito. No entanto, não perdemos muito tempo, pois não parava de ventar na montanha, além do frio.

Regressamos à altitude um dia antes de uma grande tormenta pintar o deserto de branco. Com o derretimento da neve, tudo virou um mar de lama, e isso acarretou em mais problemas no carro. Não conseguimos fazer muita coisa além da ascensão ao pouco conhecido vulcão Copiapó, de 6.050 metros. Após esta ascensão, Suzie e Caio tiveram que voltar para casa. Ficamos eu, Maximo, Jovani com os jipes para uma “tentativa saideira”.

No entanto, esta saideira foi bem ao estilo “Pedro e Maximo”. Em outras palavras, na mais pura roubada! Escalamos o remoto Vulcão Patos (6.250 m), que deve ter tido menos de 10 ascensões na história, e depois o Sierra Nevada (6.137 m), que foi a segunda ascensão absoluta. Também subimos uma montanha sem nome, de 5.079 metros, que batizamos de Paso Cerrado, uma homenagem à fronteira entre a Argentina e o Chile, que sempre estava fechada.

Eu já havia escalado 11 montanhas nesta expedição de quase dois meses. Quatros delas acima de 6 mil metros e sete acima de 5 mil, sendo que, destas, apenas uma tinha registro de ascensão moderna conhecida. Mas aquele pontinho no mapa com 5.845 metros em La Rioja, ainda permanecia em nossas mentes. E, portanto, claro que decidimos encará-la.


IMPERANDO NA PAISAGEM: O Monte Parofes

Com a neve e o gelo acumulado, era impossível chegar à montanha pelo sul, através da Província de La Rioja. Por isso, Max desenhou um caminho que aproveitava a aproximação do Pissis (a terceira montanha mais alta dos Andes) através da Província de Catamarca, ao norte. Eu havia estado ali em 2013 com o montanhista Waldemar Niclevicz e, naquela ocasião, tinha sido fácil percorrer os 90 km em veículo 4×4 para chegarmos à base daquela montanha. Pensei que desta vez seria igual. Mas, como tudo nesta viagem, a expectativa foi bem diferente da realidade.

Regressamos a Fiambalá, ponto inicial da viagem, e lá nos reunimos com Johnson Reynoso, um experiente jipeiro que conhece muito bem a região. Ele nos informou que, desde a tormenta que assolou aquela área em março, ninguém havia chegado à base do Pissis. A neve ainda não tinha derretido. Apesar do desânimo inicial, ainda poderíamos ser os primeiros.

Deixamos o Conway na cidade e partimos para a montanha apenas com o jipe Troller do Jovani. O começo da trilha estava boa, mas logo apareceu a neve acumulada em um vale profundo. Desviamos do primeiro e segundo obstáculos, dirigindo sobre a vertente lateral, em uma inclinação de quase 40 graus. Mas logo achamos outro vale maior e com mais neve.

Após inúmeras tentativas, construímos um caminho fora de estrada. Fazendo o carro gritar de tanta rotação no motor, quebramos uma barreira de neve e vencemos a vertente interrompida. Assim, após outros obstáculos menores, chegamos ao acampamento base do Pissis, um lugar a 4.500 metros de altitude chamado Mar del Plata, onde encontramos dois outros veículos 4×4 abandonados. Detalhe: seus donos e outros passageiros quase morreram na volta, uma odisseia à pé, abrindo caminho na neve para se salvar dos efeitos daquela tormenta.


FAZ PARTE: Carro que congela, barraca que molha…

Montamos acampamento ao lado do jipe. À noite, nevou e fez muito frio. Pela manhã, percebemos que embaixo do carro havia uma “raspadinha” de gelo verde. Devido os 35ºC graus negativos que fizera naquela madrugada, o anti congelante do carro havia congelado de novo! Ficamos muito apreensivos, com medo de que outra peça do carro pudesse ter rachado. Recolhemos a parte do aditivo em um recipiente. Decidimos continuar a escalada e cuidar do carro apenas quando voltássemos, uma estratégia que nos deixou com um frio na barriga, tendo em vista ali haviam outros dois veículos que serviam de exemplo do que poderia acontecer conosco.

Para piorar, o tempo estava péssimo naquele dia. Nublado e com muito vento contra, que carregava a neve recém-caída e metralhava nossos rostos com o gelo fino. O frio penetrava pela roupa, e as rajadas quase nos derrubavam no chão.

Deveríamos ter caminhado 15 quilômetros naquele dia, mas conseguimos percorrer apenas 8 e estabelecer um acampamento em um local aparentemente protegido do vento, a 5.200 metros. Estávamos exaustos. Como praxe, fixamos bem as barracas e coletamos gelo para derreter, fazer neve e cozinhar. Na pressa de sair de Fiambalá, acabamos calculando mal os alimentos, e descobrimos que estávamos no limite. Fizemos um jantar de gororoba e, após a refeição, quando fui repor minha energia em minha pequena barraca individual, tive a péssima surpresa de ver meu saco de dormir e todas minhas coisas soterradas pela neve em pó. Foi a visão do inferno.

Felizmente, fazia tanto frio que a neve permaneceu seca e não molhou tanto o meu saco de dormir. Acabei me instalando na barraca com o Maximo e o Jovani. Tivemos uma noite horrível, sem conseguir dormir direito. E o pior: a respiração de nós três naquele cubículo condensou durante a noite e, pela manhã, acordamos soterrados de neve, com estalactites de gelo no teto.

Comemos o pouco de comida que ainda sobrava e começamos a caminhar rumo à montanha desconhecida. Atravessamos um colo e caímos em um planalto de onde aparentemente víamos o nosso destino. No entanto, a montanha que queríamos ficava atrás. Tivemos que fazer um contorno, enfrentando ventos brancos para conseguir ver a tal montanha sem nome pela primeira vez: um enorme vulcão em forma cônica, que deveria ter uns 500 metros de desnível. Sem pronunciarmos uma palavra, nos dirigimos ao enorme “formigueiro” e começamos a subir por sua vertente nordeste.

Não sei quanto tempo durou aquela ascensão. Eu mal olhava para cima, apenas focava onde pisava para evitar que o chão escorregasse sob meus pés, já que ele era composto de material solto da erosão. Cada vez que eu olhava para cima, via a distância se reduzindo, até que vi Maximo e Jovani galgando o “topo”. Antes mesmo de chegar até eles, vi Max balançar a cabeça negativamente e me dizer que ali era um falso cume. Olhei para o horizonte e tive a pior visão que alguém poderia ter naquele local, horário e condição física. O cume verdadeiro ficava mais a oeste. Deveríamos descer até um vale e, de lá, subir outro cone vulcânico.


PREPARADO: Prestes ao ataque final

“Eu não vou. Vou ficar aqui esperando”, disse a Maximo que já estava furioso com tantas peças que aquela montanha nos pregava.

“Negativo, levanta e vamos!”, ele praticamente ordenou.

Mesmo não aguentando mais, continuei. Logo nos primeiros passos, fiquei de cara para o vento, que em cada rajada me obrigava a parar, fincar os bastões de caminhada no chão e fazer um contrapeso para não cair. Pior do que a impossibilidade de manter o ritmo e o esforço para ficar em pé, era o frio. Meu bigode estava totalmente congelado. Todos os locais onde minha pele ficava exposta se queimavam com o vento.

Novamente perdi a noção de tempo. Lembro apenas que desci do falso cume, atravessei o vale como se nele existisse um rio de águas turbulentas, onde tive que lutar contra a invisível correnteza do vento e chegar à outra margem, onde começava a subida ao cume verdadeiro. Ali, tínhamos duas opções: subir pela crista sob a rocha firme, ou pelo terreno de brita solta, mas protegido do vento. Optamos pelo pior terreno, com menos vento.

Assim, dando um passo para cima e escorregando dois para baixo, chegamos a um platô protegido por uma pedra grande, onde nos reunimos para dali, partirmos juntos até o topo da montanha.

A visão era espetacular. Por um momento, nos esquecemos das intempéries para admirar em nossa frente a quarta montanha mais alta dos Andes, o Bonete Chico. Atrás dele, o Cerro Veladero e o Baboso. Ao noroeste, o Pissis, o terceiro mais alto daquela cordilheira. Que lugar privilegiado!

No cume, jogamos parte das cinzas do Parofes, juntamos algumas pedras e fizemos um montinho imitando as “apachetas” sagradas que os povos Incas construíam pelas trilhas. No meio das pedras, deixamos um pote de café Três Corações com mensagens para os próximos exploradores, além de homenagens ao nosso falecido amigo.



EM MEMÓRIA: Homenagem e comemoração no cume

Ficamos pouco tempo lá em cima. Já eram quase 4 horas da tarde, e teríamos que regressar o penoso caminho até a barraca, que estava a 13 quilômetros dali. Fizemos por uma rota diferente, para evitar passar pelo primeiro colo, que era muito íngreme. O trajeto que foi penoso devido ao nosso cansaço. E ainda não conseguimos fazer inteiramente com a luz do dia, tendo que percorrer parte dele no escuro daquela noite de lua nova, nos perdendo e quase perdendo a esperança de chegar ao conforto de nossas barracas. Foi um penúltimo perrengue para festejar a conquista da montanha mais alta e ainda inescalada dos Andes.

“Penúltima” porque, no dia seguinte, ainda teríamos que fazer o jipe pegar, algo que só foi possível porque nosso amigo Johnson Reynoso, o experiente jipeiro que conhecia muito bem a região, apareceu no acampamento depois de seguir as nossas pegadas. Ele estava lá para resgatar os carros que haviam sido abandonados há oito meses. Se ele não tivesse ido, teríamos que retornar os 90 quilômetros de estrada 4×4 à pé. Mesmo assim, tivemos dificuldade para retirar os carros de lá. Mas com muita criatividade, acabamos conseguindo, retornando à civilização naquele mesmo dia.

Meses mais tarde, alguns montanhistas de renome na Argentina, além do explorador inglês John Biggar, confirmaram que aquela montanha não tinha nem ascensão e nem nome. Tivemos a honra de escolher um nome e não pensamos em outro que não fosse “Parofes” – uma homenagem que foi muito bem aceita por todos da região.

Parofes adorava vulcões e a paisagem árida da Puna do Atacama. Antes de morrer eu perguntei se ele tinha medo da morte. Ele me disse que tinha apenas medo de ser esquecido. Apesar de ainda não ter deixado suas cinzas em Agulha Negras, acredito que honrei a memória de meu amigo.