Por Nick Heil
EM FEVEREIRO DESTE ANO, o ícone do mountain bike norte-americano Ned Overend, de 59 anos, venceu o campeonato nacional de fat bikes, em Utah. O evento, que celebra as bicicletas de pneus bem largos em um percurso duro de 30 km, não é exatamente um Tour de France, mas também está longe de ser um passeio tranquilo no parque. Ned competiu contra muitos profissionais mais jovens do que ele, incluindo o conterrâneo Travis Brown, de 46 anos, um campeão de mountain bike aposentado que continua em plena forma.
É tentador definir Ned como uma aberração genética, uma exceção rara que descredita qualquer comparação com o resto de nós, reles mortais. O cara dominou todos os esportes nos quais competiu desde o começo dos anos 1990, desde mountain bike cross-country até triathlon off-road. Porém, mesmo entre os geneticamente sortudos (como muitos atletas pró), Ned é único a atuar de maneira tão longeva e de forma ainda tão competitiva. E é exatamente essa a razão pela qual ele aparece no livro Fast After 50 (Rápido Após os 50, ainda sem lançamento no Brasil), de Joe Friel, uma das várias obras do gênero que vêm surgindo recentemente, dedicadas a esportistas de cabelos grisalhos que ainda mandam muito bem depois dos 50 anos.
Nos últimos meses, passei algumas semanas mergulhado em Fast After 50 e outros livros sobre o tema, incluindo Older, Faster, Stronger (Mais Velho, Mais rápido, Mais Forte), de Margaret Webb, Second Wind (algo como Segunda Chance, em tradução livre), de Lee Bergquist, e Spring Chicken, de Bil Gifford. Não foi à toa: eu estava com a arma dos 50 anos apontada para minha cabeça, a pouco menos de um ano de atingir a sombria marca de meio século de vida. Deveria me preparar para me render à bocha e ao gamão, ou ainda haveria esperança para a minha vida apaixonada por pedalar, esquiar, escalar e outras atividades ao ar livre?
Os livros foram informativos e até inspiradores, relatando casos sobre muitos atletas que continuavam excelentes em seus esportes mesmo após certa idade. Porém a obra de Joe Friel, 71 anos, é a única que se dedica a sugerir uma estratégia real para a situação. Há alguns anos, Joe – autor da clássica série Training Bible e respeitado técnico especializado em endurance –, notou que sua própria performance na bike estava decaindo. Seu grupo de treino, com atletas jovens e velhos, começou a deixá-lo para trás em subidas, algo raro no passado. Determinado a ver se a ciência oferecia alguma solução, Joe passou a ler as pesquisas existentes sobre o assunto, que nem eram muitas, mas continham dados esclarecedores. Haveria jeitos de vencer o tempo, o pior dos inimigos?
A resposta é boa e ruim ao mesmo tempo. Boa porque, sim, é possível lutar contra a queda na performance que pode vir com os anos. Mesmo não dando para voltar no tempo, você pode desacelerar seu declínio físico e manter um bom desempenho, mesmo com a idade avançada. E ruim porque envelhecer é mesmo inexorável, e uma luta bem-sucedida contra esse processo requer foco e trabalho.
Em seu livro, Joe fala sobre a ciência por trás das técnicas para minimizar os efeitos do envelhecimento sobre o corpo aos 50, 60, 70 e até mais. Os principais fatores trabalhando contra você são sua capacidade aeróbica, que vai diminuindo, a porcentagem de gordura corporal, que vai aumentando, além dos músculos encolhendo e da mobilidade cada vez menor – os quatro cavaleiros do apocalipse do condicionamento físico, em uma deterioração que acelera com o passar da idade.
Mas voltando ao que interessa, ou seja, a parte boa: Joe argumenta que as mais potentes forças que influenciam a velhice estão relacionadas ao comportamento e estilo de vida que levamos. “Temos dados concretos para acreditar que a principal razão que leva atletas mais velhos ao declínio é a falta de cuidado com o corpo, enquanto a natureza tem um papel menor nisso”, diz. “Quando envelhecemos, nossa rotina de exercícios (o cuidado) parece ter grande influência sobre como nossa carga genética (natureza) se manifesta na vida real.”
A pesquisa de Joe sugere que a porcentagem do cuidado com o corpo, nesse caso, represente entre 60% e 70% do processo de envelhecimento. Façamos uma pausa para pensar sobre esses dados. Se você considerar o que Joe está dizendo, e você deveria, pois poucas pessoas passaram mais tempo dedicadas ao estudo desse assunto do que ele, isso significa que cerca de 60% a 70% do seu poder atlético depois dos 50 está nas suas próprias mãos. Não é a melhor notícia que você ouviu hoje?
MAS COMO VOCÊ PODE CONTINUAR TÃO BOM quanto sempre foi? Como liberar o Ned Overend que existe dentro de você? Joe acredita que a chave para essa resposta é a intensidade – ou seja, você precisa manter a frequência cardíaca próxima de sua capacidade máxima sempre, mesmo com o passar dos anos. No entanto, a intensidade é uma das primeiras coisas a sumir dos treinos, e talvez até das provas, quando você chega à meia-idade. Isso acontece porque muitos atletas maduros escolhem treinos de longa distância em vez de curtos e intensos, não por não conseguirem mais forçar seus limites, mas porque esse tipo de esforço parece menos exaustivo. Porém, meu caro, os treinos intervalados a que você está acostumado não devem parar jamais. Pelo contrário: tornam-se mais importantes conforme você envelhece.
“Treinar com ênfase em intervalos de alta intensidade tem sido meu método favorito para me preparar para provas durante toda a minha carreira”, diz Ned Overend em Fast After 50. “Aprendi que, reduzindo o volume, sinto-me mais descansado para sessões de alta intensidade, e me sentindo mais descansado eu posso me esforçar mais no treino seguinte.”
Joe baseia seus argumentos em um estudo clássico feito nos anos 70, liderado por Michael Pollock, do Instituto de Pesquisa Aeróbica de Dallas, no Texas (EUA), que acompanhou 24 corredores máster entre 42 e 59 anos. Durante a análise, que durou dez anos, 13 dos corredores deixaram de competir, mas continuaram a correr distância longas em ritmo lento, como treino. Os outros 11 continuaram a correr em alta intensidade. Ambos os grupos seguiram correndo aproximadamente a mesma distância toda semana, porém os corredores de alta intensidade viram seus VO2 máximos sofrerem uma queda de 1,6%, enquanto o grupo de longas distâncias a ritmos mais lentos viu seu VO2 máximo sofrer uma queda de impressionantes 12%. Outras pesquisas também apontam resultados semelhantes. “Volume e intensidade são importantes para manter a boa forma quando envelhecemos”, diz Joe. “Entretanto, intensidade é mais importante.”
“Intensidade” é um temo genérico para descrever um tipo de estresse que estimula reações fisiológicas adaptativas do corpo diante de determinado esforço forte. A ideia de usar a exposição ao estresse como forma de expandir a performance atlética também aparece no livro Spring Chicken (Novato, em tradução livre), de Bill Gifford, que apresenta o engenheiro químico californiano Todd Becker, apelidado de “o maior nerd do mundo”.
Todd tem um blog de saúde e boa forma chamado Getting Stronger e é um fã declarado da hormese – um termo de origem grega que descreve o processo de adaptação ao estresse. Todd é obstinado em relação a mergulhos em água gelada, treinos em jejum, levantamento de peso, sprints e outras maneiras de “incomodar” o corpo para que o organismo se acostume a reagir positivamente ao estresse. Bill diz que esse comportamento é como uma vacina: injete pequenas doses de vírus no corpo, que ele providenciará os anticorpos para se proteger.
De acordo com essa teoria, submeter o corpo a doses controladas de estresse, seguidas por um período bem administrado de recuperação, deixa-o mais forte ao longo do processo. Também conhecida como periodização, essa é a arte e ciência por trás da maioria dos treinamentos esportivos. Trata-se de um tema recorrente em todos os livros que li durante minha pesquisa, que ecoam um refrão comum em relação ao corpo: “Use-o ou perca-o”, porém com um pequeno ajuste – não apenas use seu corpo, force seus limites.
SE TODA ESSA INSISTÊNCIA PARA SE ESFORÇAR com mais intensidade e expor seu corpo a momentos intensos de estresse está te assustando, ainda mais devido aos casos recentes de danos cardíacos e morte súbita entre atletas de endurance, saiba que esse medo é compreensível, mas provavelmente sem sentido e irracional. Todo mundo deveria checar a saúde antes de começar um programa de treinamento, não importa a idade. Mas a noção de que se exercitar em alta intensidade é perigoso tornou-se exagerada.
A segunda metade do livro de Joe é sobre o passo-a-passo para te ajudar a desenvolver seu próprio programa de treino. Vale notar que ele escreve principalmente para atletas experientes, que buscam recordes pessoais mesmo quando já são avós (ou pelo menos esperam não ficar tão distantes dos recordes que já tiveram um dia). Ou seja, não é um livro para principiantes, apesar de oferecer dicas que certamente serão úteis para qualquer um.
Quem já é fã da série Training Bible de Joe certamente reconhecerá sua estratégia: defina um objetivo, como uma competição ou algo que dependa de performance, e construa um plano de treinamento periodizado, para chegar ao ápice no momento certo. Esse é o jeito de se manter sempre rápido, e Joe oferece grande ajuda para definir os detalhes específicos para um treino que funcione para você. Encontrar o ponto ideal entre esforço em excesso e esforço de menos é um trabalho individual, porém altamente recompensador. Manter a intensidade é um ponto central, e envolve muito mais do que ficar subindo a mesma ladeira. Minhas pesquisam sugerem alguns caminhos:
> LEVANTE PESO
“Quando você treina com cargas pesadas por várias semanas, desenvolve músculos jovens”, diz Joe. “Levantar peso aumenta a produção dos hormônios que constroem músculos, como o hormônio do crescimento e a testosterona.”
> COMA MAIS PROTEÍNA
“Pesquisas recentes apontam que precisamos de mais proteína conforme envelhecemos”, escreve Joe. Quanto mais? Isso depende de um leque de fatores, que Joe descreve em seu livro. A maior lição é espalhar o consumo de proteína ao longo do dia, porque o corpo só consegue processar uma certa quantidade do nutriente por refeição.
> DURMA MAIS (E MELHOR)
“O sono é definitivamente a chave para melhorar a performance com a idade”, escreve Joe. Quanto? “Se você está usando um despertador para acordar, não tem dormido o suficiente.”
> RECUPERE-SE DESCANSANDO (MESMO)
Recuperação ativa envolve uma atividade leve, como um pedal curto ou uma corrida tranquila. Já a recuperação passiva significa não fazer quase nada, e Joe sugere incorporar recuperações passivas depois de provas ou treinos puxados conforme envelhecemos. A recuperação ativa ainda pode ter seu papel, porém tirar um ou dois dias de folga completa pode ser ainda mais benéfico. É possível incrementar a recuperação passiva com itens como meias de compressão, imersão em água gelada e massagens.
> SEJA CONSERVADOR
Treinar pesado a partir da meia-idade pode ser arriscado, e qualquer um que já sentiu as costas dando um estalo durante um treino entende o que quero dizer. Com a idade, as lesões demoram mais para sarar, e o período parado pode ser difícil. “Moderação e consistência são o segredo do sucesso e da longevidade”, diz Joe.