Rumo ao topo da rocha

Por Fernanda Beck

EU ESTAVA UM POUCO TENSA quando entrei no táxi para ir entrevistar o escalador paulistano Felipe Ho, de 15 anos. Não tenho muito contato com adolescentes e fiquei em dúvida se a conversa fluiria direito e se ele se expressaria bem em um bate-papo comigo. Não nego que me deu certo receio de que ele fosse um adolescente típico, daqueles difíceis de engajar em uma entrevista. Qual não foi minha (feliz) surpresa ao perceber que eu estava enganada: Felipe é simpático, fala com desenvoltura e, o mais importante, tem se firmado como um prodígio da escalada que está surpreendendo a cena desse esporte no Brasil.


FORÇA: Felipe desbravando a rocha na via Juízo Final, em São Bento do Sapucaí (SP). (Foto: Alexandre Cardoso).

A paixão pela rocha surgiu meio sem querer na vida do garoto, de forma bem despretensiosa e informal, nas aulas de educação física do colégio Magno, em São Paulo, quando ele tinha 6 anos. Depois Felipe passou a escalar na academia 90 Graus, ginásio indoor da capital paulista que reúne quem curte o esporte. Sua mãe, Yen – que cuida com afinco e carinho da carreira do filho –, tinha amigos em comum com o dono, e Felipinho ganhou uma “bolsa-escalada”. A partir daí, começaram os treinos mais sérios, seguidos de conquistas impressionantes para alguém tão novo.

A rotina de Felipe, que concilia estudos e horas de treino duro, é velha conhecida de jovens atletas: ele acorda cedo, vai para a escola, volta para casa, almoça e depois dedica suas tardes à escalada. Nos dias de “folga” do esporte, pratica vôlei e musculação para fortalecer o corpo e evitar lesões. Como ainda não tem um treinador oficial, Felipe conta com os amigos mais experientes da modalidade para lhe dizer o que está bom e o que ainda pode melhorar. São também os amigos que lhe dão carona até São Bento do Sapucaí, cidade a 172 km da capital e que é o centro da escalada no interior do estado. Lá ele passa a maioria de seus finais de semana.

O ano de 2014 foi especialmente positivo para o escalador: Felipe ganhou o campeonato brasileiro juvenil de escalada em dificuldade em São Paulo, em outubro, e ficou com o segundo lugar na categoria pro, mesmo competindo com escaladores bem mais velhos (de 20 a 39 anos). O ano de 2015 também parece promissor: já em janeiro, ele encadenou seu primeiro v13, no boulder The Power of Minduim (via de graduação extremamente difícil aberta pelo norte-americano Daniel Woods), em São Bento do Sapucaí (veja outras conquistas no quadro ao lado). “Tentei essa via todos os dias em que estive lá, mas não dava certo. Na minha última tentativa, consegui mandar ela inteira”, conta.


GAROTO PRODÍGIO: Felipe encara a Super Paust, em Corupá (SC) (Foto: Arquivo
pessoal).

Depois de quase dez anos no esporte, Felipinho ama tanto seu esporte que acredita que quase não existe lado ruim na escalada. E que a única coisa que o incomoda – a dor que às vezes sente nos músculos e na pele – é útil e pode funcionar como um termômetro, apontando problemas e fraquezas. Às vezes, principalmente quando faz calor, sente preguiça de ir treinar, como todo mundo, mas acaba indo do mesmo jeito. “Não tenho nada para fazer em casa, então vou para a 90 graus!”, diz, totalmente à vontade no ginásio que chama de sua “segunda casa”.

Durante a entrevista, Felipinho surpreende ao afirmar que uma das maiores vantagens de se escalar é a frustração. Conta que se frustra muito escalando, principalmente quando se dedica a um projeto, como tentar uma nova via, que acaba não rolando. “Mas mesmo quando você não alcança seu objetivo, sempre evolui um pouco. A cada via escalada, mesmo quando não se chega ao topo, aprende-se algo”, diz. Melhor que isso, só mesmo vencer os desafios a que se propõe e curtir a sensação de missão cumprida.

O menino-prodígio é humilde em relação a seu sucesso e desempenho expressivo. E garante que só se destaca porque começou cedo. Diz que seu ponto fraco é ser excessivamente persistente – o que muitas vezes se transforma em seu maior trunfo. “Frequentemente sou turrão demais, entro em um projeto até me arrebentar, não sou racional”, admite. Mas a insistência acaba compensando em certas horas, como quando Felipinho finalmente conseguiu mandar a The Power of Minduim. Então ser cabeça-dura funciona? “Às vezes sim!”, ri.

Conquistas de pedra

Alguns sucessos na carreira de Felipinho

Apesar da pouca idade, Felipe Ho já acumula alguns títulos de peso em sua carreira na escalada. No ano passado, por exemplo, ele consagrou-se campeão brasileiro na modalidade dificuldade juvenil (14 a 17 anos) e vice na pró – competindo com atletas de 20 a 39 anos de idade. Conquistar o campeonato juvenil não é novidade: ele já havia ficado com o título em 2013, 2012 e 2010.

Além dos campeonatos, Felipinho já encadenou vias que metem medo em muito marmanjo. Entre suas conquistas estão algumas das vias consideradas mais difíceis de São Bento do Sapucaí (SP), como o Arqueiro Zen (v11) e a Salinas (v12) – na escalada, a dificuldade das vias é medida de acordo com uma variedade de fatores, entre eles a inclinação da subida, o tamanho das agarras e a extensão e dificuldade dos movimentos, entre outros; para se ter uma ideia, o maior grau de dificuldade já encontrado na graduação de boulders é o v16.

No começo de 2015, o atleta conseguiu um feito inédito e encadenou a The Power of Minduim (v13). Ele foi o quarto escalador a repetir a linha e tornou-se o mais jovem brasileiro de que se tem notícia a mandar um boulder dessa graduação.


CONSAGRAÇÃO: Felipe escala durante o campeonato brasileiro de dificuldade, em São Paulo (Foto: Arquivo pessoal).

Palavra de honra

Feras da escalada explicam o talento do jovem escalador.

“O Felipe tem um talento nato e, além disso, mostra uma paixão sem tamanho pela evolução. E desde cedo mostra-se extremamente disciplinado. Ele tem um preparo mental muito bom: administra bem o nervosismo nos campeonatos e apresentou um enorme avanço em sua relação com o medo de estar na rocha.”

Janine Cardoso, atleta nove vezes campeã brasileira de escalada esportiva em dificuldade.

“A dedicação do Felipe, somada à experiência (são quase dez anos escalando), são pontos-chave para seu sucesso. Ele tem força e resistência muito acima da média, por isso vence trechos de alta dificuldade e logo se recupera. Sua memória muscular também impressiona: quando Felipe encontra um movimento até então impossível, basta ele executá-lo uma ou duas vezes, que eles ficam parecendo até fáceis.”

Lucas Trotta (Garrinha), escalador há oito anos.

“O Felipe é o primeiro escalador realmente promissor após vários anos sem a aparição de novos talentos de peso no Brasil. Sua disciplina e comprometimento com a escalada e os treinos intensos fazem com que o Felipe Camargo tenha alguém para encostar em seu nível. Isso trará competições mais emocionantes para o Brasil. Ele cultiva objetivos claros, como competir no mundial juvenil ainda neste ano, além de um preparo mental excelente.”

André Berezoski (Belê), tetracampeão brasileiro de escalada.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside 116, de março de 2015.)