Hidrelétrico


HIDRODINÂMICA DE FOCA: Juntas ultraflexíveis, nadadeiras 46 e uma envergadura 7,5 centímetros maior do que a sua altura. Este é Michael Phelps

Por Christopher Solomon
Foto por Eric Ogden

AQUAMAN SE EMPENHA para lidar com o lanche duplo de frango. Isto porque, em terra firme, Aquaman – também conhecido como Michael Phelps – se auto-intitula “o cara mais desajeitado do mundo”. É final de outono e há uma semana Phelps escorregou ao sair de um carro em Ann Arbor, estado norte-americano do Michigan, segurando-se e quebrando o escafóide. Ganhou um pino no punho, alguns dias de abstinência e um gesso que torna complicado um dos seus passatempos favoritos: perseguir as oito ou dez mil calorias diárias necessárias para abastecer a mais brilhante máquina atlética do mundo.

A primeira idéia que vem à cabeça de um norte-americano ao ver este gesso é um terror patriótico. Quatro anos após ganhar oito medalhas olímpicas (seis de ouro e duas de bronze), uma conta que deixou para trás 177 países nos Jogos de Atenas, a expectativa é de que o super-herói americano duplique esse resultado em Pequim, em agosto. Atualmente, as chances são de ele competir em, pelo menos, oito provas: 100 e 200 borboleta, 200 livre, 200 e 400 medley, revezamento 4 x 100 e 4 x 200 livre e revezamento 4 x 100 medley.

Ele tem nadado tão bem atualmente que tem gente que diz que ele competirá em uma nona (100 costas) e possivelmente uma décima (200 costas) prova. A Speedo, um de seus sete principais patrocinadores, mais uma vez acena com um milhãozinho para Phelps, se ele conseguir alcançar o recorde de sete medalhas de ouro de Mark Spitz. Mas, e no caso de bater o recorde? E se ele ganhar dez ouros? Phelps não se abala e responde: “Quero nadar as provas nas quais posso dar o melhor.”

Um segundo pensamento ao ver o gesso é: Oh! Seu dono não tem três metros de altura e nem é feito de granito. Com um boné do time de baseball Detroit Tigers virado 160 graus e jeans de marca cobrindo seus sapatos Ugg, o rapaz de 22 anos poderia ser um aluno magrelo qualquer, vagando pelo campus. Isso te faz pensar, rapidamente, que se você tivesse treinado um pouco mais, poderia ter chegado mais longe em sua carreira de atleta. Talvez tivesse até chegado às Olimpíadas.

Mas não, você apenas está vendo o Aquaman fora do seu elemento. Após o almoço eu paro ao lado dos seus 1,92 metros (eu tenho 1,87) e noto que suas pernas são razoavelmente mais curtas do que as minhas. Seu tronco, no entanto, é enorme, afunilando-se numa cintura quase feminina. Ele tem a constituição hidrodinâmica de uma foca: juntas ultraflexíveis, nadadeiras tamanho 46 e uma envergadura de pterodáctilo 7,5 centímetros maior do que sua altura. Por dentro, Phelps é ainda mais esquisito.

Genadijus Sokolovas, diretor de fisiologia da federação norte-americana de natação (a USA Swimming), pesquisou a contagem de lactato de Phelps em 2003, logo após a quebra do recorde mundial. Sokolovas espetou uns 5 mil nadadores de alto nível e nenhum dos testes jamais resultou numa contagem menor do que 10 milimoles por litro de sangue após um esforço da mesma grandeza. O resultado do Phelps foi 5,6. Esta contagem tão baixa é significativa: seus músculos se recuperam muito rapidamente entre treinos e provas, o que, em parte, justifica por que ele consegue nadar tantas provas num curto espaço de tempo.

Mas os dons naturais só vão até aí. A maior razão da melhora contínua de Phelps é seu técnico de longa data, Bob Bowman. Phelps começou a trabalhar com Bownan aos onze anos, na cidade de Baltimore (EUA). Há três ele se mudou para Ann Arbor, quando Bowman se tornou o técnico de natação do time masculino da Universidade de Michigan. O perfeccionista Bowman agora observa a vida aquática de Phelps da janela do seu escritório, em cima do complexo de piscinas da universidade, o Canham Natatorium, onde um inclemente relógio faz a contagem regressiva para o início dos Jogos: 288 dias, 16 horas, 31 minutos, 45 segundos, 44… 43…

Bowmann tem em Phelps um pupilo que compartilha sua busca à perfeição subaquática. Depois do campeonato mundial de 2003, quando o norte-americano Ian Crocker venceu Phelps nos 100 metros borboleta, impedindo-o de ganhar sua sexta medalha de ouro – e de quebrar seu sexto recorde mundial – Phelps colou uma foto de Crocker na parede, ao lado da sua cama. Por quase um ano, seu rival era a primeira coisa que ele via pela manhã. Phelps ganhou de Crocker em Atenas por 0,4 segundos. “Odeio perder”, explica.

Bowman sabe como é importante atiçar essa competitividade, especialmente num atleta que raramente perde. Enquanto o resto do mundo rotulava Phelps como “o melhor de todos os tempos”, e apesar de ter sido preso por dirigir alcoolizado, Bowman convencia seu aluno de que ainda havia o que melhorar. Aquaman podia ser o colecionador de oito medalhas, mas seu desempenho na parede (transição) era definitivamente mediana. Ele não conseguia se empurrar e dar mais do que quatro ou cinco das importantes, mas exaustivas, “pernadas de borboleta” numa só prova. Então, a dupla decidiu melhorá-las, uma idéia não muito diferente de um Tiger Woods decidindo melhorar seu swing, mesmo sendo o melhor golfista do planeta.

Começaram na academia. Bowman acrescentou uma rotina de treino de força com uma a duas horas de duração, três vezes por semana. O nadador ganhou 6 quilos de músculos e zero de gordura. (Durante nosso almoço foi difícil de acreditar nisso. Quando o lanche de Phelps chegou, ele prontamente aplicou uma dose de creme de leite azedo antes de começar. “Eu não sou o cara mais saudável”, confessou, “mas consigo o que preciso”.) Para o treinamento em terra firme, trabalharam exercícios pliométricos (exercícios de saltos que melhoram a impulsão) e bicicleta ergométrica. (Bowman há muito havia banido a corrida – muito risco para o desajeitado). E trabalharam sem parar nas pernadas de borboleta. Três anos mais tarde, Phelps tornou-se um dos melhores nadadores de transição do mundo, capaz de lançar-se até a marca dos 15 metros debaixo d’água em quase todas as viradas.

O novo Phelps estreou na primavera do Hemisfério Norte de 2007, no campeonato mundial em Melbourne. Ganhou sete medalhas de ouro na Oceania – e teria ganhado uma oitava no revezamento 4 x 400 medley se um dos companheiros de equipe não tivesse sido desqualificado. Ele também estabeleceu cinco recordes mundiais. E num esporte em que a vitória é medida em centésimos de segundo, Aquaman venceu um segundo colocado por mais de três segundos. O domínio ecumênico de Phelps é ainda mais surpreendente quando se tem em mente que ele compete com especialistas que focam em apenas um ou dois estilos.

O sucesso significa que a expectativa pré-olímpica pelo show de Michael Phelps apenas se intensifica. Comerciais na ESPN foram rodados. Matérias de capa. Câmeras fuçam seu dia-a-dia para um potencial reality show para a televisão. A rede de TV NBC tenta convencer o Comitê Olímpico Internacional a mudar a agenda dos eventos de natação, para que as provas de Phelps possam ser transmitidas ao vivo durante o horário nobre aos lares norte-americanos.

Apesar da crescente pressão, a vida de Phelps – pelo menos por agora – é inacreditavelmente tranqüila: após nadar ou malhar por até cinco horas diárias, o cara simplesmente relaxa. “Sou a pessoa mais tranqüila fora d’água”, diz. Ele joga o game Halo 3. Ele come. Ele passeia com Herman, seu filhote bobão de buldogue inglês. Ele assiste a programas esportivos na TV. E come mais um pouco. “Sua maior vantagem”, diz Bowman, “é a sua capacidade de relaxar e focar, mesmo sob o estresse da competição. E quanto maior a pressão e a expectativa, melhor é o seu desempenho”.

Ajuda o fato de Phelps insistir em estabelecer suas próprias expectativas, mesmo que sejam tão altas quanto as da mídia. “Nadadores são alguns dos mais importantes atletas na história dos Estados Unidos,” diz, “mas o público norte-americano não vê isto.” Prova número um: os cinco recordes mundiais de Phelps em Melbourne foram amplamente ignorados por um público norte-americano vidrado em March Madness (campeonato universitário de basquete). Phelps quer mudar este cenário, e sabe que o catalisador desta mudança é seu próprio desempenho.

Em seu criado-mudo Phelps tem uma lista de todas as provas das quais quer participar na China, assim como os tempos que tem como objetivo. A caminho do carro, depois do almoço, cutuquei-o um pouco mais, numa última tentativa de fazê-lo revelar, pelo menos, quantas provas – e quais – estão na lista. Mas Aquaman simplesmente sorri, enrola. Diz que apenas ele e Bowman sabem o que está escrito. Nem mesmo sua mãe botou os olhos naquele pedaço de papel.

O jornalista Christopher Solomon não tem um maiô da Speedo, mas acha que poderia bater Phelps numa corrida a pé.

Seja como Mike


Você nunca vai nadar mais rápido do que Michael Phelps. Mas pode aprender com ele.

1. MANTENHA PERTO SEUS OBJETIVOS.

“Tenho que vê-los todos os dias, querendo ou não,” fala a respeito dos objetivos de tempos que mantêm sobre o criado-mudo. “Eles são um lembrete constante quando eu desligo o despertador”.


2. FAÇA AMIZADE COM A SALA DE MUSCULAÇÃO.

“Eu faço perna, puxadas, levanto peso, faço barra, agachamento. Minha técnica de musculação praticamente me destrói cada vez que a vejo.”

3. CONTINUE, SEMPRE MAIS INTELIGENTEMENTE.

“Uma vez um amigo me disse: ‘você pode cometer um milhão de erros, mas nunca repetir um’. Eu tento viver desta maneira dentro e fora da piscina. Em 2004 eu não esperava ser preso por dirigir alcoolizado. Mas aconteceu. Como resultado, tornei-me uma pessoa melhor.”


4. ENCONTRE SEU RITMO.

“Qualquer que seja a música que esteja tocando quando eu sair do carro, é ela que ficará na minha cabeça durante o treino. Então, que seja uma boa.”

5. NUNCA ESTEJA SATISFEITO

“Sempre me critico. Sempre penso o que posso mudar para melhorar.”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2008)







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