Corra que o calor vem aí

Por Osvaldo Stella Martins

O PEQUENO TUVALU É UM PAÍS formado por nove ilhas entre a Austrália e o Havaí. Quando o assunto lá é aquecimento global, a discussão ruma para onde os moradores das ilhas irão viver e não para o que eles deveriam fazer para impedir um desastre ambiental. Isto porque Tuvalu, o quarto menor país reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), pode ser o primeiro a desaparecer com o aumento do nível do mar – um fato que vai obrigar os 12.000 tuvaluanos a deixarem sua terra natal, impedidos de obter água potável e de continuar cultivando a terra.. Ou seja, uma preocupação que para os EUA é pura ficção científica, para os moradores de Tuvalu já é realidade.

Já para os norte-americanos, a maior preocupação hoje é como continuar queimando petróleo sem pensar no amanhã. Analisando a história recente e o estrago que os Estados Unidos fizeram no Iraque para matar a sede de petróleo, é fácil sacar o porquê do esforço deles para barrar o Protocolo de Kyoto, uma iniciativa global capitaneada pela ONU para limitar as emissões de gases de efeito estufa no mundo.

Foi para tentar conjugar interesses tão distintos que os principais estudiosos e articuladores da mudança climática se encontraram na 13a Convenção Anual do Clima. Representantes de mais de 180 países, observadores de ONGs e toda a imprensa mundial migraram, desta vez para a ilha de Bali, na Indonésia, para discutir, juntos, os novos rumos do Protocolo. O objetivo era traçar um caminho no qual países desenvolvidos –responsáveis históricos pelo aquecimento global – ajudem países em desenvolvimento a pôr em prática um modelo de desenvolvimento viável para alcançar bem-estar social e material para a maior parte da população. Se os países em desenvolvimento seguirem o mesmo caminho dos desenvolvidos, a casa cai – não dá para todos os habitantes do planeta dirigirem carros de oito cilindros. Ou todo mundo anda de carro 1.0 ou muita gente andará a pé para manter os V-8 nas estradas.

A escolha de Bali como país anfitrião é mais do que apropriada. Junto com o Brasil, a Indonésia divide o título de principal desmatador do mundo: nós e o país asiático somos responsáveis por mais de 50% da destruição de florestas do planeta. E nós brasileiros nem podemos dizer que somos pobres, mas limpinhos, pois dividimos o pódio da poluição com países ricos como Estados Unidos, China e Rússia.

É muito estranho o Brasil estar junto dos países desenvolvidos neste quesito. A produção de gases de efeito estufa está ligada, principalmente, à queima de petróleo e derivados para gerar energia elétrica e abastecer o sistema de transporte do planeta. Grandes consumidores de energia e de combustível, os Estados Unidos são os maiores emissores de gases tóxicos do mundo, com quase 1/4 do total. Só que nossos vizinhos do andar de cima destroem o planeta, mas dirigem carrões em estradas perfeitamente asfaltadas, conectados aos seus iPods de última geração. Dá até para entender porque eles não admitem mudar seus padrões de consumo para estarem de acordo com os objetivos do Protocolo.

Já o Brasil é um dos maiores poluidores do mundo sem que a população leve vantagem alguma com isso. A grande maioria dos brasileiros vive na miséria enquanto a destruição da floresta beneficia um punhado de coronéis. E nem dá para tentarmos vender o nosso não-desmatamento no mercado do carbono – quem iria entregar milhares de dólares na mão de um Jader Barbalho e confiar que ele iria realmente contribuir com a redução do desmatamento?

Se a temperatura lá fora não estivesse subindo tão rapidamente, poderíamos até dizer que o Protocolo e a Convenção funcionam bem. Mas como as decisões são tomadas por unanimidade (ou seja, os mais de 180 países precisam concordar para que qualquer sugestão seja aprovada), o andamento das negociações é lento, deixando o Protocolo em descompasso com a velocidade que o problema exige. Além disso, as metas estabelecidas até agora por Kyoto são gentis demais. Se todas forem cumpridas, as emissões dos países ricos serão reduzidas em somente 5% — uma mixaria se levarmos em conta a redução de 50% que o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) diz ser necessária para evitar uma catástrofe ambiental.

Assim, talvez a maior contribuição do Protocolo e da Convenção tenha sido despertar um sentimento de urgência em relação ao aquecimento global. As soluções devem partir de ações nacionais e mundiais, mas a responsabilidade pela mudança é de cada um de nós. Mas não se assustem: processos de adaptação são inerentes à natureza animal. Chega um momento em que ou a espécie dá um salto evolutivo ou se extingue. Muitas conseguiram sobreviver. Nós também podemos.

Osvaldo Stella Martins é ciclista, engenheiro mecânico e doutor em ecologia. Fundador da ONG Iniciativa Verde, ele cruzou de bike a rodovia Transamazônica, pedalou de Porto Alegre (RS) ao Ushuaia (Argentina) e planeja a próxima viagem enquanto fica preso em congestionamentos.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2008)







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