Botando fogo na bomba


SONHO: Chris observa o Kilimanjaro em cima de seu quadriciclo off-road
(Foto: Divulgação)

Por Piti Vieira

NA MAIOR PARTE DO TEMPO olhando para o chão, com uma almofada de apoio no peito – que também servia de guidão – e um banco especial segurando suas pernas diretamente abaixo de seu torso, Chris Waddell girava com as mãos os pedais de seu veículo de quatro rodas, que se movia como uma Land Rover lunar sobre rochas e cascalho. Apesar da intensidade do esforço por causa da altitude e da posição antinatural do pescoço necessária para olhar para cima, ele fazia contato com os olhos e conversava com a equipe enquanto manobrava pela pedregosa e muitas vezes arriscada rota de 46 quilômetros ao topo da montanha mais alta da África, de 5.895 metros.

Chris chamou seu veículo de “Bomba”, que ele diz ser uma gíria Suaíli (uma das línguas oficiais da Tanzânia) para “a mais legal”. Pesando 21 quilos (35 quilos a menos que seu modelo antecessor), o quadriciclo, que passa por todos os tipos de terreno, é alimentado somente pela energia do braço de quem o guia – na subida ao cume do Kilimanjaro foram aproximadamente 528.000 rotações ao longo de cinco dias ¬–, tem freios a disco, tração traseira e 21 marchas. O esquiador teve que passar por valetas (escavadas para desviar a água) de 60 centímetros de profundidade e até 50 centímetros de largura. Em tempo: Bomba não possui amortecedores.

Chris viajou para a Tanzânia duas vezes antes da escalada desse ano. Em junho de 2008, para explorar o terreno com o guia de montanha Dave Penney (um atleta experiente, que já correu até o topo do Kilimanjaro em 20 horas), e em novembro do mesmo ano para testar a nova encarnação de seu veículo na parte inferior da montanha. O objetivo dele, que treinou por quase dois anos para a empreitada, era “levar luz para a comunidade de portadores de necessidades físicas e mostrar ao mundo a importância de ver a pessoa, não a cadeira de rodas”.

E foi o que ele fez no dia 30 de setembro, quando se tornou o primeiro paraplégico no pico do Kilimanjaro, mesmo sem ter atingido sua meta de fazê-lo sem ajuda. Um dia antes do ataque ao cume, Chris chegou a um obstáculo que não poderia superar sozinho. A 5.577 metros de altitude, um muro de pedras grandes, tipo boulder, impossibilitou que ele e Bomba prosseguissem, e o esquiador teve que usar a assistência para passar por cima das pedras e continuar sua jornada. Em 2005 e 2007, Bern Goosen, um tetraplégico da África do Sul, chegou ao topo do Kilimanjaro em sua cadeira de rodas, mas foi levado parte do caminho. Em 2008, Darol Kubacz, do Arizona (EUA), chegou a até 5.608 metros da mesma montanha.

No dia seguinte à parede de pedras, a progressão foi lenta: Chris precisou de meia hora para percorrer 50 metros. Cansado, com frio e lutando para recuperar o fôlego devido à altitude elevada, ele enviou uma mensagem de texto para sua equipe dizendo que eles haviam chegado ao topo e que todo mundo estava tentando pegar no sono. Em seu blog (one-revolution.com/blog), ele havia escrito alguns dias antes que estava “mais do que um pouco nervoso” para começar a sua escalada e que sua meta diária era chegar ao acampamento antes que o sol se pusesse. “A subida é apenas uma parte dessa viagem incrível. Queremos ajudar as pessoas com deficiência em todo o mundo a serem vistas por quem elas são e também mostrar-lhes o que podem fazer.”

Foi uma expedição cara, que custou mais de meio milhão de dólares. A equipe que acompanhou e assessorou Chris era composta por 55 carregadores, uma equipe de filmagem de quatro pessoas (será lançado um filme sobre a escalada) e dois amigos da faculdade – um ortopedista e um empresário do ramo da biotecnologia. O grupo levou rodas extras, pneus e componentes para o Bomba, alguns pares de tábuas de madeira para colocar sobre as valetas de água e um guincho acoplado na frente do quadriciclo para reboca-lo em aclives superiores a 40 graus. Sem isso a tração não seria suficiente.


CONQUISTA: O atleta no topo da momtanha
(Foto: Divulgação)

PRESTE ATENÇÃO

A subida ao topo do Kilimanjaro começou no dia 24 de setembro, mas a jornada de Chris Waddell teve início em 1988 quando ele quebrou a coluna em um acidente de esqui. Paralisado da cintura para baixo, Chris ainda estava determinado a continuar com o esporte. Dois anos após o acidente, ele foi nomeado para a equipe de esqui de cadeirantes norte-americana. Passou onze anos representando seu país e conquistou doze medalhas ao longo de quatro Jogos Paraolímpicos.

Aposentado do esqui, Chris iniciou então um programa de MBA no Westminster College, em Salt Lake City (UTah, EUA), sua cidade natal, começou a escrever um livro de memórias e a trabalhar vendendo arte ocidental contemporânea. Isso durou um tempo. Ele gostava das vendas, mas queria fazer uma diferença social. “Depois que me aposentei, comecei a questionar minha identidade. Quem eu era? Eu não sabia se seria tão apaixonado sobre algo quanto eu era com as competições.”

Criou então a fundação One Revolution (one-revolution.com) para ajudar outras pessoas que necessitam de cadeiras de rodas. E começou a gastar seu tempo livre tentando trazer consciência para aqueles que são portadores de necessidades físicas. “Há várias maneiras com que você pode efetuar uma mudança. Escalei essa montanha e fiz esse filme, porque o mundo não vê a mim e outras pessoas como eu”, escreveu ele no site kickstarter.com. “Eles não veem nosso potencial, somente nossas limitações. Subi ao topo da montanha mais alta da África para metaforicamente gritar: Preste atenção em mim. Preste atenção em nós!”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2009)







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