Brasil abaixo de zero

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VETERANA:Jaque Mourão vai para sua segunda Olímpiada de Inverno com muito mais experiência do que em 2006
(Foto: Ivan Fuenzalita)

Por Fernanda Franco

ELA NASCEU EM 1992, MESMO ANO EM QUE O BRASIL participou pela primeira vez dos Jogos Olímpicos de Inverno. Hoje, com apenas 17 anos, a brasileira Maya Harrison detém o melhor resultado da história do país no esqui alpino, e será uma das mais novas atletas a competir nos Jogos Olímpicos de Vancouver, no Canadá, que começam dia 12 desse mês.

Toda essa habilidade na neve não foi desenvolvida em temporadas de férias de inverno fora do país. Natural de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Maya foi adotada por franceses ainda bem pequena, e hoje vive na Suíça. Começou no esqui aos 3 anos, pois era uma das únicas opções de lazer na região. Aos 10, já ocupava o pódio nas competições.

Mesmo sem falar português, ela é a atual campeã brasileira, vice-líder do ranking sulamericano e, no ano passado, foi a mais jovem participante da etapa da Copa do Mundo de Val d’Isere, na França, quando competiu diretamente com feras do esqui como a norte-americana Lindsey Vonn e a francesa Tessa Worley – duas favoritas às medalhas olímpicas, segundo a brasileira.

Orgulhosa por representar o Brasil, Maya fala da importância de participar dos jogos, mas sem sofrer grande pressão, graças à pouca idade. “Estou empolgada e ao mesmo tempo assustada. Sou jovem e sei que tenho muito para aprender. O que conta é ganhar experiência, mas ficaria muito feliz se conseguisse terminar entre as trinta melhores na primeira prova, assim me classificaria para a etapa seguinte”, conta ela, que competirá no slalom gigante e slalom especial.

Quem tem história e desempenho parecidos com o de Maya é Jhonatan Longhi. Ele nasceu em Americana, no interior de São Paulo, e foi adotado aos 3 anos por uma família italiana que o levou, junto com sua irmã de sangue Carina, para a região de Piemonte.

Aos 22 anos, Jhonatan também é campeão brasileiro. Ele detém as melhores marcas do Brasil no esqui alpino e está próximo dos índices de atletas europeus já bem mais velhos. Nos Jogos de Inverno, suas provas também serão o slalom gigante e o slalom especial. Mesmo sem conhecer seu país de origem, Jhonatan faz questão de se vestir nos campeonatos em que participa com roupas que lembrem o Brasil, e sempre tenta se comunicar em português.


NA FRENTE: A 9ª colocação de Isabel Clark na última Olímpiada de Inverno é a melhor do Brasil em jogos de inverno
(Foto: Ivan Fuenzalita)

JÁ EM OUTRA MODALIDADE DO ESQUI, o cross-country, outros dois brasileiros estão prontos para desfilar as cores verde-amarelo entre os gringos: Leandro Ribella e Jaqueline Mourão, que seguem rotinas diferentes no Brasil e no Canadá, respectivamente.

Casada com um canadense, ex-atleta olímpico da modalidade, Jaque vive no país sede das Olímpiadas e é a única da delegação que já participou de uma Olimpíada de Inverno – em 2006, ela obteve a 67a colocação em Turim, na Itália.

Dedicando-se integralmente ao novo esporte desde que se aposentou oficialmente do mountain bike, em 2008, a mineira não para de evoluir no esqui cross-country. Além de ter participado de várias competições internacionais em 2009, foi campeã da Marcha Blanca (a prova mais importante da modalidade na América do Sul), é líder do ranking no continente, e conseguiu se classificar pela primeira vez para uma etapa da Copa do Mundo da modalidade, quando competiu na Noruega com as melhores do mundo

Única atleta a representar a América Latina nessa modalidade em Vancouver, Jaque se considera bem mais preparada do que em 2006. “Já esquiei na pista em que vai acontecer a Olimpíada, tenho mais experiência em provas internacionais e tecnicamente evoluí bastante. Quero melhorar meu confronto direto com as tops, esquiar bem e não cometer erros nas descidas”, planeja ela. Para Jaque, as adversárias diretas serão as competidoras de países como Romênia e Turquia, já que as grandes favoritas no cross-country feminino vêm da Suécia (Charlotte Kalla), Noruega (Marit Bjorgen), Polônia (Justyna Kowalcxyk) e Rússia (Irina Khazova). Apesar de ter acabado de voltar de uma suspensão de dois anos por doping, Irina já ganhou uma etapa da Copa do Mundo esse ano em Davos, na Suíça.

Leandro Ribela fará sua estréia em Olimpíada. Morando em São Paulo, longe da neve, ele privilegia os treinamentos físicos. “O cross-country é um esporte de endurance que exige muito da parte cardiovascular. Então não só eu, mas todos atletas pedalam e correm muito durante o verão, e trabalham a parte específica do esqui durante o inverno. Além disso, usam bastante o rollerski, um esqui com rodinhas para andar no asfalto, para manter a técnica”.

Nos últimos quatro anos o paulista também passou um bom tempo na neve para poder aprimorar a técnica e o desempenho específico em cima dos esquis. “Foi essa combinação que permitiu que eu alcançasse esses resultados”, celebra Leandro. Ele deve competir diretamente com países que se classificaram com o índice B olímpico, como Argentina, Peru, Portugal e Bósnia, além de outros sem muita tradição no esqui.

Leandro acredita que os campeões serão decididos nos detalhes. “Cada atleta tem seu ponto forte. Os noruegueses e suecos, por exemplo, se destacam pela técnica impecável e eficiência dos movimentos, poupando energia. Já os russos e alemães geralmente se destacam pela força e forma física. Mas todos eles têm um ótimo preparo físico e uma ótima técnica –afinal, nesse nível de competição não há espaço para muitas deficiências”, diz.


PÁTRIA AMADA: Mesmo sem dominar o português, Jhonatan Longhi sempre participa das competições com roupas que lembram o Brasil
(Foto: Divulgação)

MAS A BRASILEIRA QUE PROMETE os melhores resultados em Vancouver é Isabel Clark. Além de um memorável 9º lugar em Turim nos últimos Jogos de Inverno, e de atualmente ser a 15ª no ranking mundial de snowboard cross, ela também foi convidada recentemente a participar do X Games – uma honra reservada apenas às melhores do mundo.

Mesmo assim, a carioca tenta aliviar a pressão. “Estou tranquila para Vancouver, pois treinei bastante e estou com uma bagagem forte. Procuro não pensar em medalhas, o que não ajuda na performance. O resultado vai ser consequência de tudo isso.”

Todas as ganhadoras de medalhas em 2006 – Tanja Frieden, da Suíça, a norte-americana Lindsey Jacobellis e Dominique Maltais, do Canadá – estarão entre as 25 competidoras nessa edição dos Jogos. Mas, para Isabel, todas são favoritas, inclusive ela mesma.

Stefano Arnhold, presidente da Confederação Brasileira de Desportos na Neve, concorda com Isabel. “Pela natureza da prova de snowboard cross, acredito que as melhores chances de resultados estão com a Isabel. Mas nosso objetivo sempre é que cada geração supere a anterior, e estamos conseguindo isso a cada edição dos Jogos. Nossas modalidades estão em franca evolução. Não temos objetivo de medalha a curto prazo. Um dia ela pode vir em função do trabalho que está sendo feito.”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2010)







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