Le twitt de France


DIA TRANQUILO: Andy Schleck e Contador poupam forças para a etapa seguinte, o contra-relógio, que definiria o campeão

Por Gustavo Ceratti
Fotos por Getty Images

DURANTE OS TREINOS PARA A COMPETIÇÃO, o norte-americano Lance Armstrong, que por sete vezes seguidas ganhou a prova, se mostrava confiante e entusiasmado. “Me sentindo com 28 anos”, disse ele dez dias antes do Tour de France (TdF), a mais famosa prova de ciclismo do mundo. No ano passado, The Boss, ou o chefe, como Lance é carinhosamente chamado, conquistou a terceira colocação na competição, atrás do luxemburguês Andy Schleck (da equipe Saxobank) e do espanhol Alberto Contador (da Astana). Este ano, Lance se sentia preparado para, em sua última participação no Tour e primeira como capitão da estreante equipe Radioshack, chegar ao fim do tour usando a tão sonhada camiseta amarela de líder da prova – apesar das dificuldades que os 38 anos lhe trariam. Antes do prólogo, etapa de abertura do Tour, que não vale pontos e que este ano consistiu em um sprint de 8,9 quilômetros no centro de Roterdã, Lance declarou: “Último treino. Tempo recorde? Não. Próximo a ele? Sim. Estou pronto.”

Lance mostrou que não estava brincando: ficou em 4º lugar, à frente de Contador. Mesmo assim, todo o entusiasmo foi por água abaixo nos dias seguintes. Na 1a etapa, a mil metros da linha de chegada, a queda de vários ciclistas que estavam à frente do pelotão principal praticamente paralisou a prova. Todos os atletas que estavam para trás da queda (a esmagadora maioria, inclusive Lance) tiveram que esperar para progredir, pois a pista ficou intransitável.

Na etapa seguinte, uma leve chuva foi suficiente para fazer dos últimos 100 quilômetros um festival de tombos: ao final de cada meta de montanha – ponto que marca o fim do trecho de ascensão e que vale pontos para os ciclistas que disputam o título de Rei das Montanhas – vinham as descidas que, com o asfalto molhado, se tornaram escorregadias e perigosas. Contador, Andy Schleck e Lance Armstrong foram para o chão, sem contar os inúmeros outros ciclistas que, inclusive, chegaram a ter que abandonar a prova. “Dia difícil, todo o corpo dolorido por causa das quedas. Era como patinar no gelo!”, definiu o espanhol, favorito a ganhar seu terceiro título na competição.

Como se isso fosse pouco, mais dificuldades ocorreram na terceira etapa. Ela somava um total de 13,2 quilômetros de trechos de paralelepípedos. Muitos atletas enfrentaram problemas e as críticas à organização da prova foram severas. Andreas Klöden, companheiro de equipe de Lance Armstrong, tuitou: “Eu espero que a organização esteja contente que a corrida de ontem tenha sido decidida pelos problemas nas bicicletas e quedas dos ciclistas. Mesmo que tenha sido um espetáculo, não deveria ter sido pela performance esportiva?”

PEGA: Andy Schleck e Alberto Contador disputam cada palmo do Col du Tourmalet, 17ª etapa do Tour de France. Na linha de chegada, apenas uma roda os separa

Os atletas sabiam que os paralelepípedos seriam decisivos. Lance Armstrong treinou especificamente para eles, vendo ali uma preciosa chance de ganhar tempo em cima de Contador, um ciclista bem mais leve, que tende a sofrer mais com a trepidação. Mas ele teve seu pneu furado num desses trechos e viu o sonho do oitavo troféu se distanciar ainda mais. “Bom, assim é a vida. Má sorte… Mas vou manter a cabeça erguida e seguir em frente.” O ciclista teve uma semana de azar como nunca teve na vida, cinco dias após, no 8o estágio, ele sofreu uma nova queda, afastou-se do pelotão, e desse momento em diante teve a certeza de que não tinha mais condições de vestir a camiseta amarela. “Não adianta lutar contra o azar, eu acho… Hoje não foi meu dia mais uma vez, não precisaria nem dizer. Estou abalado, mas vou superar e curtir minhas últimas duas semanas no Tour.”

COM O INÍCIO DAS ETAPAS DE MONTANHA, os favoritos começaram a se sobressair. Andy Schleck conquistou e logo trocou a camisa branca de competidor mais bem qualificado com até 25 anos de idade, que havia conquistado no 7º estágio, pela maillot jaune – camiseta amarela, em francês – que conquistou na 9a etapa, pela primeira vez em sua vida. “Só percebi agora que acabo de realizar um pequeno sonho. Desde quando eu era uma criança tinha isso na cabeça”, disse ele.

As polêmicas só voltaram a ocorrer no 11º estágio. Mark Renshaw, da equipe HTC-Columbia, deu cabeçadas no neozelandês Julian Dean, da equipe Garmin-Transitions, tentando favorecer o companheiro de equipe Mark Cavendish, que disputava a camisa verde de melhor sprintista. Cavendish venceu a etapa – e possivelmente teria feito o mesmo sem as cabeçadas de Renshaw, que foi desqualificado logo após a prova. “Acho que a punição de hoje foi muito severa. Nunca imaginei que um dia seria desqualificado do TdF. Estou desapontado”, afirmou o ciclista.

Enquanto isso, a briga pela primeira posição na qualificação geral estava longe de terminar. Faltando cerca de 30 quilômetros para o final da 15a etapa, Andy Schleck, seguido de perto por Contador, atacou, tentando aumentar a diferença de tempo de apenas 31 segundos que ele tinha sobre o espanhol. Mas, ao trocar de marcha, a corrente de Schleck caiu, obrigando-o a parar para recolocá-la e depois pedalar feito louco Pirineus acima, para tentar buscar o espanhol. Shleck conseguiu recuperar parte do tempo perdido, mas terminou a etapa 8 segundos atrás de Contador na classificação geral. “Perdi a camiseta amarela hoje, mas a corrida ainda não acabou, problemas acontecem”, disse. Contador foi criticado por ter ultrapassado Schleck nessa situação; muitos disseram que ele ignorou a regra não escrita do ciclismo, que dita que ninguém ultrapasse o líder quando o mesmo estiver com problemas mecânicos, se alimentando ou se aliviando (eles até têm um nome para isso: Pee Pause, ou pausa para o xixi). A última semana do TdF prometia esquentar ainda mais.

DESPEDIDA: Lance Armstrong se esforçando em seu último Tour de France

“LANCE ARMSTRONG ESTÁ NA PRIMEIRA GRANDE FUGA do dia”, tuitou o fotógrafo Graham Watson. Os fãs de ciclismos colaram o nariz na transmissão da prova. Estaria o heptacampeão tentando ganhar a etapa mais difícil do Tour 2010? Sim, estava. Lance atacou como nos velhos tempos, mas infelizmente não conseguiu vencer. Chegou na 6ª colocação, insatisfeito, mesmo tendo enchido os olhos de quem o assistia com a saudade do Armstrong de antigamente.

No mesmo dia, Schleck e Contador fizeram as pazes. “Andy Schleck e eu conversamos durante a prova e nossa amizade não irá mudar, somos bons amigos”, tuitou Contador. O luxemburguês confirmou: “Alberto pediu desculpas a mim hoje, grande da parte dele. Estamos bem novamente. Fim de papo.” Esse discurso pacificador contrastou com o comportamento deles no estágio do dia seguinte. Eles poderiam até ser amigos, mas disputavam um dos prêmios mais cobiçados do ciclismo.

Coube à dupla protagonizar o momento mais belo deste Tour. Schleck precisava tirar a vantagem de 8 segundos de Contador antes da etapa final, um contra-relógio no qual o espanhol era grande favorito. Nesse tipo de etapa, os ciclistas largam em intervalos de dois minutos e têm de percorrer um percurso – no caso, de 52 quilômetros – no seu melhor tempo, para manterem, melhorarem ou não piorarem sua classificação. Enquanto Schleck é um exímio montanhista, Contador é um grande contra-relogista.

Schleck só tinha mais dois estágios para tentar diminuir o prejuízo e escolheu o 17º, que cruzava o Col du Tourmalet. Faltando 10 quilômetros para a linha de chegada, o luxemburguês atacou, seguido de perto por Contador. Os dois travaram um grande duelo enquanto subiam a última montanha do TdF 2010, em meio a uma espessa neblina e à torcida exaltada. Schleck não conseguiu desgarrar de Contador e cruzou a linha de chegada apenas uma roda à frente do líder. “Alberto Contador, você mostrou a todos que é um grande campeão”, admitiu o ciclista.


PULA-PULA: A etapa de paralelepípedos levantou poeira e gerou críticas dos ciclistas

No dia seguinte, os competidores não arriscaram nenhum movimento. Ficou evidente que o 97º TdF seria decidido na etapa de contra-relógio. E ela foi emocionante, apesar do favoritismo de Contador. “Dia muito importante hoje”, disse o espanhol, prestes a se tornar tricampeão. Contador ampliou a vantagem que tinha sob o luxemburguês em 39 segundos – curiosamente, o mesmo tempo que o espanhol abriu sobre ele quando teve o problema com a corrente. Ou seja: se os dois tivessem chegado juntos na 15ª etapa, apenas 8 segundos os separariam no tempo total. Após quase 92 horas de prova, 21 etapas e 3.642 quilômetros percorridos, a menor diferença de tempo separando o líder do segundo colocado na história do Tour de France, juntamente com a de 1989 entre o americano Greg Lemond e o francês Laurent Fignon.

No dia 25 de julho, pela terceira vez Alberto Contador desfilou pela Champs-Élysées, em Paris, como campeão do Tour de France, todo de amarelo. Andy Schleck ficou novamente com a segunda colocação e com o título de ciclista jovem mais bem qualificado. Em terceiro lugar ficou o russo Denis Menchov, da Rabobank, dois minutos atrás do primeiro colocado. A camisa verde de melhor sprinter foi para o italiano Alessandro Petacchi, da Lampre. O rei das montanhas, que veste a camisa branca com bolas vermelhas, foi o francês Anthony Charteau, da Bbox, e a equipe vencedora, com a melhor somatória de tempo, foi a RadioShack, de Lance Armstrong.

Para o ano que vem, mesmo sem Lance Armstrong, a 98ª edição do Tour de France já promete: “Retornarei pela amarela”, garantiu o Schleck.

* Usamos as declarações feitas pelos ciclistas no Twitter como aspas, reproduzindo as mensagens exatamente como elas foram postadas

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2010)







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