Programa de índio

Por Nick Davidson
Fotos por Keith Ducatel

Em setembro, o explorador inglês Ed Stafford se tornou a primeira pessoa a cruzar a pé toda a distância do rio Amazonas, da fonte à foz – uma dura jornada de mais de 6.000 quilômetros em 860 dias. Seu objetivo, além de realizar um feito inédito, foi chamar a atenção para as complexidades da Amazônia inspirando os seguidores de seu blog com uma aventura casca-grossa. Agora que está de volta à cidade de Blighty, Ed está escrevendo um livro sobre a expedição e planejando novas aventuras. Ele contou à Go Outside como foi sua jornada pela floresta tropical.

Restaram poucas aventuras inéditas a se fazer no mundo. De onde você tirou a ideia de atravessar a Amazônia a pé?

No Google. Toda a minha experiência anterior com selvas tinha sido na América Central – Belize, Guiana, Guatemala – e algumas expedições no Extremo Oriente, em Bornéu. Nunca tinha ido para a Amazônia, e queria fazer uma expedição das grandes lá. Não sou muito bom no caiaque, então pensei “Alguém já fez isso a pé?”, achando que alguém já devia ter feito. Mas ninguém tinha. Acabou sendo uma expedição muito maior do que seria com caiaques.

Você foi influenciado por expedições e exploradores históricos?

Não me inspirei nos exploradores famosos da História. Foi muito mais um caso de ver o que as pessoas estavam fazendo com suas habilidades hoje em dia e perceber que eu podia fazer o mesmo. Eu fiquei amigo de Bruce Parry, que fez um programa chamado Going Tribal, em que ele vivia com tribos nativas. Nós dois trabalhamos para a mesma empresa de expedição depois que deixamos o serviço militar britânico. Ele seguiu para Papua-Nova Guiné, onde realizou uma expedição incrível que virou um filme chamado Cannibals and Crampons, no qual ele se encontra com canibais de Nova Guiné e escala uma montanha virgem. Ele foi minha inspiração para acreditar que dá para usar o que aprendi no exército e liderar expedições conservacionistas para criar algo grande e excitante para valer.

Você se deparou com cobras venenosas, foi perseguido por nativos com facões e jogaram um balde de cimento em você. Qual foi o momento mais difícil?

O mais difícil da expedição foi a sua duração. Dia após dia, caminhar em terrenos lamacentos, vestir roupas molhadas pela manhã, carregar o peso da mochila e continuar em frente.

Mas você passou por algumas roubadas emocionantes.

O momento mais perigoso foi sem dúvida ser detido sob a mira de flechas. Estávamos usando os rádios de alta frequência para anunciar nossa chegada e pedir permissão para atravessar uma área muito fechada de ameríndios. Eles disseram, “Não, se um homem branco passar por aqui, nós vamos matá-lo”. Então planejamos atravessar até uma ilha de banco de areia no meio do rio para evitar essa comunidade. Quando chegamos ao final da ilha e estávamos prestes a inflar o bote para remar de volta para a margem, Cho disse “Olhe atrás de você, Ed”. Tinha cinco canoas rústicas cheias de índios Ashaninka. Metades deles estavam de pé, em uma impressionante demonstração de agressividade, apontando seus arcos para nós. Alguns tinham espingardas também, e todas as mulheres seguravam facões. Eles aportaram e correram na nossa direção. Como tínhamos recebido aquela ameaça de morte alguns dias antes, achei que estavam vindo para nos matar. Fomos super-amistosos e ficamos sorrindo do jeito menos ameaçador e agressivo possível. Felizmente, eles não eram da comunidade que tinha me ameaçado de morte. Essa foi a única vez que acreditei de verdade que estávamos prestes a morrer. Acho que se fôssemos agressores, eles estavam prontos para a briga. O olhar das mulheres em especial era do tipo que só estava esperando a permissão para atacar. Foi um momento bem delicado.

Essa era a recepção de boas vindas usual?

Pode parecer muito dramático do ponto de vista da civilização ocidental, mas eles passaram por muita violência na vida deles. Viram gerações inteiras de homens serem massacrados pelo Sendero Luminoso nos anos 1980 e 1990. Por isso não foi tão inacreditável quanto parece. Essa gente vive em um lugar onde viram e sofreram muitas mortes e lutas.

Do que você mais sentiu falta?

Família e amigos. No começo, meu espanhol não era dos melhores, e me senti muito isolado. Se fosse algum tipo de jornada militar, sempre haveria gente igual a mim para conversar. Num grupo, uns servem de conforto para os outros, e passar por algo assim com companhia é muito mais fácil. Então o isolamento, ter que lidar com tudo por conta própria, acabou sendo bem desgastante. Mas com o tempo meu espanhol foi melhorando e acabei caminhando com Cho, que é um peruano que trabalha na floresta. Ao longo da expedição, e conforme meu espanhol melhorava, acabamos nos tornando bons amigos.

Em que sentido a expedição foi recompensadora para você?

Sempre que dizem que algo é impossível, é muito recompensador ter lá no fundo a certeza que você pode fazê-lo e provar que todo mundo estava errado. Chegar ao oceano no final da caminhada e conseguir toda essa atenção da mídia – deixar o público tão animado com a expedição e, portanto, interessado pela Amazônia, com todas as escolas acompanhando – foi muito recompensador. Já seria muito satisfatório só completar a expedição, mas essa resposta incrível deixou tudo ainda melhor.

Qual foi o equipamento sem o qual você não teria conseguido de jeito nenhum?

Os botes infláveis foram fenomenais. Sem eles, acho que a expedição teria sido praticamente impossível. Há tantos afluentes que às vezes tínhamos que encher os botes umas seis ou sete vezes por dia.

Você está planejando mais alguma aventura?

Já tenho uma planejada para setembro do ano que vem, mas estou mantendo ela em segredo, meu chapa. Essas coisas não passam de ideias, não é? Se eu anunciá-las, então qualquer sujeito pode ir lá e tentar. Então estou sendo bem discreto.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2010)







Acompanhe o Rocky Mountain Games Pedra Grande 2024 ao vivo