Para baixo e avante

Tricampeão brasileiro de mountain bike downhill, o mineiro Bernardo Cruz tenta agora a sorte na Europa encarando as mais duras competições da modalidade

Por Leandro Bittar



MANDANDO VER: Bernardo em competição em Barbacena (MG)
(FOTO: Fabio Piva/ Red Bull Content Pool)

CHEGAR AO TOPO é apenas um detalhe para o ciclista Bernardo Cruz. Atual tricampeão brasileiro de mountain bike downhill e um dos maiores feras da modalidade que já surgiram no país, o mineiro de Ouro Preto prefere inverter as metáforas e persegue o sucesso ladeira abaixo, o mais rápido possível. São segundos preciosos, percorridos a até 80 km/h, que lhe exigem potência nas pernas, técnica de pilotagem e um misto de calma e coragem para desbravar os obstáculos off-road pelo trajeto mais curto e ligeiro.

Acostumado com os pódios no Brasil, Bernardo, piloto da equipe GT Bikes, está na Europa, em busca do que ele define como “muita coisa”: experiência, bagagem, diversão e bons resultados. Aos 23 anos, ele aceitou o desafio de ser mais um no meio do pelotão de jovens talentos para aprender e evoluir ao lado dos melhores do mundo. “Ainda sou um piloto novo no circuito mundial. Tenho pouco tempo de experiência em Copas do Mundo e estou competindo com atletas que correm lá há anos. Bons resultados serão consequências de treinos e dedicação plena”, diz.

A paixão pelo downhill foi ganhando espaço aos poucos na vida do garoto serelepe de Minas Gerais. “Quando eu era moleque, tentei jogar bola, mas não deu certo. Meus esportes prediletos eram os radicais, como o skate.” Entre uma manobra e outra no halfpipe, a bicicleta de um amigo o hipnotizava. “Eu pirava naquela bike diferente, em cada detalhezinho. Ele começou a me emprestar a magrela, e eu ficava saltando umas rampinhas. Depois eu consegui comprar uma, bem inferior. Foi suado. Por isso dou muito valor a tudo o que possuo hoje.” Seu acervo atual de bikes top não é mais modesto como antigamente: é dono de uma bicicleta de downhill, uma de cross-country, uma de all mountain e outra de ciclismo de estrada, além de uma motocicleta. “Amo tudo em duas rodas, pois me proporciona adrenalina, montanhas e natureza”, afirma.

Mesmo empolgado com seu futuro promissor, Bernardo tem consciência de que a modalidade que pratica ainda é mais uma curiosidade do que uma paixão popular brasileira. Para fazer o downhill conquistar mais fãs e adeptos, ele terá de trabalhar em dobro – e não se assusta com tantos desafios. “Há muito o que crescer ainda. Por não ser um esporte olímpico, o downhill não é tão valorizado como as outras vertentes do ciclismo. Mas está crescendo, é possível perceber isso nas competições. Muitas crianças estão começando, e a categoria feminina também se expande. A elite está cada vez mais concorrida e a tendência daqui para frente é só melhorar”, diz ele, que conta com o patrocínio de marcas importantes, como a Red Bull, a GT e a Shimano.


SEM MEDO: O piloto em ação em Minas Gerais durante o mês de março; abaixo, retrato do mineiro
(FOTO: Fabio Piva/ Red Bull Content Pool)


(FOTO: Marcelo Maragni/ Red Bull Content Pool)

AO PRIMEIRO OLHAR, O MOUNTAIN BIKE DOWNHILL parece um esporte menos exaustivo do que os demais sobre duas rodas, por se desenrolar apenas em descidas (o atleta não precisa ir pedalando até o topo do morro, geralmente é levado até lá por um veículo). Contudo, para se manter na elite, Bernardo realiza um amplo trabalho físico e psicológico focado em melhorar o desempenho. “Preciso estar 100% para poder dar meu máximo em uma prova e fazer as descidas como planejado. O mental é tão importante quanto o físico. É preciso exercitá-lo também e estar sempre em forma”, diz. Na modalidade, os músculos dos braços, pernas, abdômen e costas são muito exigidos. É preciso ter força tanto para puxar a bike nos pulos como para dominar a bike em alta velocidade e fazê-la ir pelo caminho que se quer. “Mesmo sendo um esporte só de descida, as pernas precisam pedalar, e muito”, explica.

Fã do australiano Mick Hanna, também conhecido como Sik Mik, pela forma “doentia” com que encara as descidas mais difíceis do mundo, o brasileiro sabe que pratica um esporte perigoso com alto índice de quedas e que, mesmo protegido com um capacete fechado e outros aparatos, as consequências de um acidente podem ser graves. Mesmo assim, ele não perde a esportiva. “Só cai quem anda [risos].” Ele já teve várias quedas, e uma delas foi bem feia. Em 2010, durante um pulo, Bernardo não viu que seu pneu tinha saído do aro. Quando a bike pousou, caiu de lado no chão e sentiu-se imediatamente enjoado. Levaram-no diretamente para o hospital e, depois de todos os exames, descobriram que um de seus rins havia estourado. Não teve jeito, foi preciso removê-lo. “Hoje eu vivo bem, isso não afeta em nada minha vida. No ano seguinte, fui campeão brasileiro pela primeira vez”, conta.

Alguns tombos mais e dois títulos nacionais consecutivos depois, Bernardo está competindo na Europa, onde já visitou Escócia, Áustria, Alemanha, França, Itália. Só isso já seria uma experiência nova, não fosse um toque aventureiro a mais: ele vive em um motorhome. O veículo é de outro ciclista, o português Emanuel Pombo, com quem o brasileiro compartilha um calendário que inclui competições em quase todos os finais de semana de junho e julho. “É muita correria, de um evento você já vai para o outro, todos de alto nível. Sinto falta da minha família, da namorada, dos meus cachorros, claro. Mas estou correndo atrás de um sonho.” Um sonho este que, diante do talento do garoto, parece estar mais perto do que se imagina.

> O melhor “whipeiro” do mundo

O brasileiro Bernardo Cruz pode se orgulhar de ser bicampeão mundial de downhill, pelo menos em uma manobra específica. Apesar de não ser um evento oficial, o Whip Off Worlds é uma competição festiva criada para ver quem melhor faz uma manobra chamada whip, que consiste em jogar a roda traseira de lado o máximo possível. A disputa é parte do Crankworx, um grande festival de bike realizado em Whistler, no Canadá. “Adoro andar na pista de lá, conhecida como Crabapple Hits. É uma emoção que não tem como descrever, com todo mundo gritando e indo ao delírio. Ser campeão, então, não tem preço. O Whip é brasileiro!”, vibra o mineiro. As palavras de Bernardo encaixam-se perfeitamente com as imagens alucinantes do evento, em que o público comemora cada manobra com pulos e assovios – assista a seguir o vídeo sobre a edição de 2013:

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(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2014)







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