Mais rápido. Mais forte. Sem sair do sofá

O biólogo molecular Ron Evans descobriu como transformar ratinhos sedentários em superatletas apenas mexendo em alguns genes. Sua “pílula do exercício” tem causado polêmica e preocupação no meio médico. Mas não deixa de ser uma boa notícia para as barrigas de chope do mundo todo

Por Michael Behar

NO INÍCIO DOS ANOS 1960, quando o arquiteto norte-americano Louis Kahn criou o estranho projeto do Salk Institute – uma coleção de torres de concreto enfileiradas em uma colina de frente para o oceano Pacífico, em La Jolla, na Califórnia –, ele posicionou os edifícios para que todos os andares recebessem a brisa marinha. Mas, quando desço quatro lances de escada para entrar no laboratório subterrâneo, a doce maresia de repente fica azeda. Ali, os pesquisadores do Salk estão conduzindo experimentos de ponta em genética, biologia, neurociência e fisiologia. No epicentro desse trabalho futurístico, estão 6.000 roedores, abarrotados em gaiolas de plástico do tamanho de caixas de sapato, cuja produção coletiva de fezes cria um cheiro insuportável.


POR FORA BELA VIOLA: Nos laboratórios do Salk Institute, na Califórnia,
centenas de ratinhos participam de uma estranha pesquisa sobre perfomance
e endurance

Apesar do mau cheiro, as instalações são bem organizadas. Após vestir um jaleco azul-claro, máscara cirúrgica, touca e protetores para calçados, atravesso uma série de salas esterilizadas separadas por grandes portas. Um corredor branco leva a vários laboratórios menores, onde alguns ratinhos estão recebendo injeções para melhorar a performance atlética, para depois serem forçados a correr em pequenas esteiras. Outros tiveram partes de seus DNA reprogramadas para se tornarem melhores corredores. Há ratos gorduchos alimentados com uma dieta rica em gorduras e outros esbeltos se virando com refeições pobres em carboidratos. Debruçado sobre uma mesa de metal, um técnico examina um bando de cobaias estridentes, selecionando e separando os maiores garanhões para reprodução e banindo os machos agressivos para uma espécie de solitária. Ratos são sacrificados e seus músculos examinados. Coletam-se amostras de seu sangue e inspecionam-se corações, rins e fígados.

Esse pequeno mundo bizarro é o esforço multimilionário de Ron Evans, um biólogo molecular e desenvolvimentista de 61 anos que está tentando desvendar o código humano responsável pelas características de endurance. Com a ajuda de uma equipe de 35 cientistas, Ron tem um objetivo ambicioso: desenvolver a primeira droga de melhoria de desempenho, que pode ampliar radicalmente a resistência dos seres humanos.

O projeto da “pílula do exercício” começou em 2007, quando Ron fez uma descoberta surpreendente. Enquanto investigava a obesidade, ele topou por acaso com um gatilho genético que transformou seus ratos de laboratório em superatletas. Em agosto de 2008, Ron publicou sua pesquisa na Cell, um periódico científico de prestígio, alegando que em alguns casos seus camundongos turbinados podiam correr uma distância 90% maior que os roedores normais. Só para se ter uma ideia do que isso significa, já é extraordinário quando a performance de um atleta humano melhora meros 3%.

No agora famoso artigo na Cell, Evans e seus co-autores – uma equipe multinacional de colaboradores de institutos de pesquisa na Califórnia, Massachusetts e Coreia do Sul – anunciaram, confiantes, que haviam descoberto uma maneira “de melhorar a adaptação ao treinamento ou até mesmo aumentar o condicionamento, sem exercícios”. Fisiologistas que passaram suas carreiras inteiras estudando a sofisticada mecânica do exercício ficaram céticos, classificando de ridícula a ideia de transformar a ginástica diária em pílula. Mas isso não impediu que os principais veículos de comunicação dos EUA anunciassem o avanço como “o sonho dos surfistas de sofá”. Numa entrevista ao programa Nova scienceNow, Ron disse que “o benefício do exercício e o da droga são praticamente os mesmos”, prevendo que os atletas seriam os primeiros a adotá-la.

O grupo de Ron Evans está na dianteira, mas existem outros de olho no assunto. Equipes independentes ao redor do mundo estão desenvolvendo compostos derivados da natureza ou sintetizados em laboratório que obtiveram um aumento mensurável do condicionamento físico geral em experimentos preliminares com animais – e em testes em seres humanos.

É óbvio que sempre haverá obstáculos a ser superados. Um deles é convencer as empresas de biotecnologia a financiar os caros estudos necessários para se criar uma droga capaz de ser comercializada. Outro são as agências nacionais de fiscalização de alimentos e medicamentos, como a norte-americana FDA (Foodand Drug Administration), que se recusa a aprovar um novo tratamento criado “somente” para ajudar as pessoas a correr distâncias maiores (os cientistas precisam mostrar que a droga pode curar uma doença). Ainda assim, Ron acredita que caminhamos em direção a um inevitável dia em que a pílula irá suplementar, e em muitos casos substituir, os exercícios.

OUVI FALAR PELA PRIMEIRA VEZ DE RON em um noticiário da rede de TV norte-americana NBC, logo depois de encarar com dificuldade 40 minutos de esteira na academia. Quando o apresentador mencionou uma tal “pílula do exercício”, minha curiosidade explodiu. Liguei para Ron Evans, que me assegurou que sua pesquisa era legítima e me convidou a visitar seu laboratório, onde eu poderia ver seus ratões de perto.

Agora, durante uma explicação introdutória de duas horas no quinto andar da Salk, Ron, um senhor bronzeado e esbelto do sul da Califórnia, faz o possível para simplificar a ciência para mim. Quando o assunto é genética e farmacologia – temas sobre os quais escrevo há mais de uma década – eu normalmente aprendo rápido, mas hoje não está rolando. Ouvi-lo discorrer sobre as complexidades da transferência de nutrientes celulares está fazendo meu cérebro ferver.


DR. PERFORMANCE: Com a ajuda de 35 cientistas,
Ron está tentando criar uma droga de melhoria de desempenho

Ron usa cavanhaque e óculos, jeans, camisa azul e tênis preto de estilo retrô. Nos vidros das janelas escreveu elaboradas equações que quase escondem a vista para o mar. Títulos e prêmios acadêmicos abarrotam as paredes. Em uma prateleira, há três bonecos com cabeças gigantes bamboleantes – um de Ron ao lado de James Watson e Francis Crick, os lendários cientistas que em 1962 dividiram um Prêmio Nobel com Maurice Wilkins pelo mapeamento da estrutura do DNA.

Há um ioiô de aço na sua mesa e uma garrafa de tequila José Cuervo pela metade em uma mesinha de centro. Pergunto a respeito da bebida, mas Ron, excelente tenista e nadador, prefere falar dos quadris de Lance Armstrong. Para ser um atleta de resistência como Lance, explica ele, os músculos das pernas precisam de um monte de fibras de contração lenta. “A energia é armazenada na forma química de ATP, o trifosfato de adenosina”, esclarece. “As mitocôndrias, as usinas de força das células, decompõem o açúcar e a gordura para sintetizar o ATP.” Todo atleta de resistência sabe o que acontece: quando o estoque de ATP se esgota, você já era.

O exercício cria mais fibras de contração lenta e alimenta um processo conhecido como “biogênese mitocondrial”. Em termos simples, treine duro e suas mitocôndrias se multiplicarão como micróbios. Mais mitocôndrias significam mais ATP. Entre os fisiologistas, o consenso sempre foi de que a única maneira de aumentar a contagem de mitocôndrias era por meio de atividade física intensa e prolongada.

“Endurance é uma questão de síntese de ATP em tempo real, e se acreditava que o exercício era a única maneira de fazer o sistema funcionar melhor”, conta Ron, que aceitou esse conceito até 1998. Foi nessa época que ele começou a explorar o papel da genética na obesidade, centrando esforços em um gatilho genético chamado receptor ativado por proliferador de peroxissomos delta, ou PPAR-delta, uma proteína conhecida por regular o metabolismo e a queima de gordura. Quando seu corpo precisa de combustível, a PPAR-delta pode influenciar a decisão entre usar glicose (açúcar) ou lipídios (gorduras).

No descanso, a PPAR-delta fica dormente. Durante o exercício, no entanto, ela desperta para dar suporte a uma reação metabólica que produz fibras musculares com características de contração lenta, que se alimentam de gordura corporal. Mas o exercício vigoroso não é uma opção quando se está morbidamente obeso. Então Ron pensou: “E se a gente exercitasse o gene e não o músculo?”. Basta ativar a PPAR-delta, ponderou, e fibras de contração lenta surgiriam como grama crescendo em um jardim recém-regado.

Eu seu primeiro experimento, Ron codificou o gene da PPAR-delta para que ele se ativasse somente em células adiposas (de gordura), onde acreditava que teria o maior impacto sobre a perda de peso. “Nós reprogramamos a PPAR-delta nos camundongos para que ficasse ligada o tempo todo, como um interruptor de luz”, explica. “O que aconteceu foi um milagre. Os animais emagreceram e ficaram resistentes ao ganho de peso, mesmo com uma dieta rica em gorduras.” As células adiposas dos ratinhos se tornaram mais oxidativas, de modo similar ao que acontece quando se assopra carvão em brasa e ele pega fogo. As células podiam, literalmente, vaporizar o excesso de gordura.

Apesar dos resultados impressionantes, Ron não estava satisfeito. Em 2004, ele descobriu como alterar o PPAR-delta para que fosse acionado em células musculares. Se o músculo se tornasse oxidativo, ele cultivaria o crescimento de fibras de contração lenta ricas em mitocôndrias, essenciais para a resistência. “Conseguimos criar camundongos maratonistas, animais que se tornaram corredores de longa distância sem nunca terem se exercitado”, conta. “Provamos que a resistência pode ser programada geneticamente por meio desse interruptor específico. E ele pode ser passado adiante como um traço genético.”


SARADO: Um dos vários ratinhos corredores do Salk Institute, nos EUA

ENQUANTO CONVERSAMOS, Ron fica sentado de pernas cruzadas em uma poltrona, brincando com varinhas de papel que parecem palitinhos japoneses gigantes. “Os seres humanos e as hienas malhadas são predadores de resistência. Eles derrotam suas presas deixando-as exaustas”, explica, divagando sobre as fibras musculares de contração rápida em primatas. Eu o conduzo de volta ao tópico. “Por isso queríamos encontrar uma droga que ativasse a PPAR-delta por meio de uma injeção ou pílula, pois a engenharia genética é impossível.”

Nessa altura Evans pula de sua poltrona e começa a caminhar em frente a uma grande lousa branca. Ele apanha uma caneta vermelha e desenha uma caixa. Dentro dela, escreve “GW1516”. “Este é um composto da Glaxo”, explica, referindo-se à grande empresa farmacêutica GlaxoSmithKline, que havia criado o GW1516 há mais de uma década, disponibilizando-o publicamente mais tarde para pesquisadores de biotecnologia. “Eles estavam desenvolvendo esse composto para acionar o gatilho da PPAR-delta, pois tinham observado que em primatas obesos ele havia triplicado os níveis de HDL, o colesterol bom.” As cobaias da Glaxo vinham recebendo o GW1516 em doses intermitentes – o bastante para subir o nível de HDL, mas não mais que isso.

O GW1516 estava disponível comercialmente, então Ron encomendou um lote e deu para seus ratinhos, todos os dias durante cinco semanas, uma dose muito superior às fornecidas em qualquer experimento anterior. “O efeito foi enorme”, celebra ele. Os ratos preguiçosos podiam correr, no máximo, cerca de 1 quilômetro. O mesmo valia para ratos que recebiam o GW1516, mas não treinavam. Os ratos que não recebiam o GW1516, mas eventualmente corriam dez minutos em esteiras, bateram a marca de 1,75 quilômetro. Mas os ratos que contavam com o treino e o GW1516 corriam com facilidade 3,7 quilômetros. A droga havia dobrado o efeito do treinamento normal. Diferentemente do que aconteceu com os ratos com a PPAR-delta geneticamente modificada, o GW1516 não teve qualquer impacto sobre animais sedentários. O exercício, aparentemente, era uma parte essencial da equação, embora Ron não soubesse a razão.

Ele apresentou os resultados à Cell em 2007, mas os editores recusaram-se a publicar seu artigo. “Tínhamos concluído tudo em relação à droga funcionando com o exercício. Os revisores da Cell disseram: ‘Se o que vocês estão dizendo está correto, o verdadeiro avanço seria substituir o exercício completamente’. Eles queriam que a coisa fosse levada a um próximo nível: descobrir uma droga que pudesse melhorar a performance sem qualquer exercício. Isso ninguém tinha feito antes.”

Ron persistiu, buscando outra substância para ativar a PPAR-delta. O vencedor foi um composto químico chamado AICAR, conhecido desde os anos 1980 e usado em testes clínicos para o tratamento de reperfusão isquêmica, uma rara complicação de cirurgias de ponte de safena. “Sabíamos que o AICAR poderia estimular um metabolismo mais oxidativo”, conta Ron. “Havia relatos de que ele tinha sido administrado em pessoas, causando uma atividade muscular que podia ser mensurada. Mas esses estudos se baseavam em injeções isoladas. Eles não estavam administrando o composto uma vez por dia durante 30 dias. Quando fizemos isso, os resultados foram maravilhosos.”

Mais uma vez, era um composto experimental facilmente disponível para cientistas – mas que ninguém tinha pensado em testar em altas doses. Os ratinhos que não tinham feito exercício e receberam o AICAR podiam correr por 23% mais tempo e 44% mais longe que os ratinhos sedentários que não receberam a droga. Isso não é dobrar a resistência como observado com o GW1516, mas os ratos com AICAR não tinham treinado nada. Eles tinham ficado em excelente forma física sem levantar uma patinha.

ASSIM QUE A NOVIDADE SE ESPALHOU, Ron achou que os atletas humanos não perderiam um segundo e já sairiam atrás do composto. Antes de publicar seu artigo na Cell, Evans avisou a Agência Mundial Anti-Doping (a WADA), que determina a políticas de testes de drogas adotados por todos os esportes olímpicos e de muitos não-olímpicos. A WADA pediu que ele criasse um teste para detectar essas drogas na urina e no sangue e incluiu os dois compostos em sua lista de substâncias proibidas. Não demorou muito para a droga chegar aos noticiários: a Agência Francesa Anti-Doping disse que o AICAR tinha sido usado por ciclistas no Tour de France de 2009, embora não tenha revelado nomes.

Enquanto isso, em fóruns na internet dedicados a suplementos, como o rxmuscle.com, o burburinho cresceu rápido. “Mal posso esperar. Quero um pouco desse GW1516!”, dizia uma postagem. Outro usuário escreveu: “O AICAR já está disponível no mercado paralelo”. Também há uma central de informações online, a aicar.co.uk, que oferece dados sobre o AICAR e chama o composto de uma “nova era das dietas e do fitness, os mais novos amigos dos atletas”.

Outros estudos mostraram que uma saudável abundância de mitocôndrias pode mitigar o envelhecimento e facilitar a perda de peso, fatores que provavelmente ampliarão os usos do AICAR e do GW1516 para muito além dos atletas de endurance ultradedicados. E, como lembra Ron, “esses compostos são muito fáceis de fazer e de se obter”. Ele me mostra um site onde qualquer instituto de pesquisa licenciado pode comprar o GW1516. O AICAR também está disponível por meio de fornecedores de biotecnologia. “Digite ‘purchase AICAR’ em uma ferramenta de busca”, sugere Ron. Não demorei a encontrar AICAR à venda, embora não seja nada barato: US$ 1.000 por dez gramas – cerca de 20 vezes o preço de mercado da cocaína.

Embora seja fácil de comprar, isso não significa que o AICAR é seguro. “O grande problema são os efeitos colaterais”, explica Laurie Goodyear, professora da Faculdade de Medicina de Harvard e pesquisadora-sênior no Joslin Diabetes Center. “Os atletas experimentam um grande aumento no nível de ácido lático. Também há mutações moleculares no coração que podem levar à morte súbita. É possível que sejam desenvolvidas drogas para aumentar a resistência, mas não acho que o AICAR possa melhorar a performance em seres humanos.” Em 2008, Laurie escreveu um artigo para o periódico de medicina The New England Journal of Medicine que examinava as alegações de Ron. Seu último conselho: “Não fique muito confortável em seu sofá ainda”. Além disso, os ratinhos de Ron eram surfistas de sofá que nunca tinham feito exercício. “Se você é um atleta muito bem treinado que já possui níveis elevados de mitocôndrias, é possível que obtenha algum benefício, mas não acho que seria grande coisa”, explica Laurie.

Mark Davis, diretor do Laboratório de Bioquímica do Exercício na Universidade da Carolina do Sul, acredita que, em atletas de elite, os níveis de mitocôndrias atingem um limite em algum momento, em parte devido ao fato de que “uma quantidade excessiva delas pode ser tóxica para as células”.


NA DISPUTA: O professor Johan Auwerx, da Suiça, está na cola de Ron para
desenvolver uma droga semelhante

ISSO NÃO DISSUADIU RON, mas ele está ciente de que a FDA não vai aprovar qualquer droga a não ser que tenha uma aplicação específica contra alguma doença. Por isso sua equipe está focando seus recursos na identificação de usos terapêuticos legítimos para o AICAR e o GW1516. Ele tem mantido conversas com firmas de biotecnologia a respeito de financiamento para testes clínicos “voltados para lidar com a fragilidade humana, como pessoas em cadeiras de rodas ou pacientes em repouso absoluto”. Também há potencial para o tratamento de diabetes, colesterol alto, obesidade, distúrbios metabólicos e distrofia muscular.

Ron admite que essas substâncias podem render muito dinheiro. “Se aprovadas, elas podem ser receitadas por médicos para qualquer coisa que você quiser”, diz. “Pouquíssimas pessoas no mundo fazem os 40 minutos mínimos de exercício recomendados por dia. Por isso, quando me perguntam quem ia querer uma droga que confere alguns dos benefícios do exercício sem que se precise mexer um músculo, respondo: a maior parte da população do planeta”.

Esse é o tipo de mercado que empresas farmacológicas adoram – e é a razão por que Ron não é o único sonhando com riquezas sem fim. “Estamos fazendo com o resveratrol o mesmo que Ron Evans fez com o AICAR”, anuncia Johan Auwerx, um professor de metabolismo de energia da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, na Suíça. O resveratrol é um potente antioxidante encontrado na casca de uvas pretas. Em ratos que receberam doses colossais – algo como se um ser humano tivesse tomado 50 mil garrafas de vinho por dia –, o envelhecimento e o nível de açúcar no sangue foram reduzidos, e proliferaram-se as mitocôndrias. “Nossos camundongos correram mais longe quando demos resveratrol para eles”, conta Johan, que está agora tentando identificar compostos naturais ainda mais potentes que possam ser tomados como suplementos, sem necessidade de prescrição médica.

Ron é um dos poucos cientistas com foco na questão do endurance sob o ponto de vista dos genes – e isso, segundo ele, lhe dá vantagens. “Muita gente estuda performance ou estuda hormônios”, diz. “Só que o que controla tudo é o genoma. É o coração do sistema, e é o que estou interessado em mudar.” Mas antes ele precisa testar hordas de ratos para examinar todos os efeitos colaterais possíveis, injetando doses variadas de AICAR em intervalos diferentes para determinar o melhor programa de tratamento e demonstrar que seus compostos podem fazer mais que apenas conceder uma resistência superlativa a ratos. Há também, claro, o problema da leve discrepância entre a fisiologia dos roedores e dos seres humanos: a lista de protótipos de drogas milagrosas que funcionaram espetacularmente em ratos e falharam catastroficamente em humanos é longa e sórdida.

NO LABORATÓRIO SUBTERRÂNEO do Salk Institute, meu guia – um pós-doutorando chamado Vihang Narkar – levanta outra questão. Os atletas dependem tanto da resistência mental quanto da física para superar a dor, um fenômeno que pode complicar a avaliação da potência do AICAR ou do GW1516 em pessoas. Nossa tendência a perseverar ou sucumbir está intrinsecamente ligada ao nosso cérebro e músculos. Já os ratos, segundo Vihang, só param quando seus corpos gastam a última gota de ATP.

Enquanto conversava com Vihang, esqueci dos ratos “selvagens” que deixamos na esteira que ele tinha preparado mais cedo para demonstrar uma sessão típica de treinamento. Nenhum tinha tomado o superssuco e pareciam idênticos – dois roedores gordinhos e peludos, sem características indicando força física. Eles correram ininterruptamente por 20 minutos sem reclamar. Então Vihang aumenta a velocidade da esteira para 18 metros por minuto, e os ratos começam a correr. Ele acelera mais, chegando a 22 metros por minuto, e o rato mais perto de mim assume a ponta – um atleta nato, com certeza –, enquanto o mais lento se esgoela. De repente, o rato rápido dispara pelo fim da esteira, despenca mais de um metro até o chão e sai correndo feito louco na direção da porta, até que Vihang o apanha com agilidade.

Insisto que Vihang pegou por engano um rato com AICAR para a demonstração. Mas ele diz que não. “Alguns camundongos selvagens são naturalmente grandes corredores”, explica. Que bom que ele admite a existência do dom físico natural. Reconhecer esse fato me parece bem apropriado no caso de Vihang, cujo trabalho de pesquisa pode ajudar, num futuro próximo, qualquer preguiçoso com uma barriga de chope a alcançar o pelotão da frente.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2011)







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