Continue em forma

ARQUIVOS GO OUTSIDE
(Reportagem publicada na revista de julho de 2009)

Para atletas multiesportivos como você, o truque não é simplesmente estar em forma. É continuar em forma. Veja como

Por Marc Peruzzi

Não existem atalhos
VOCÊ É UM ATLETA OUTDOOR. Comece a treinar como tal. Chega de yoga da moda, seções de quatro minutos ou dietas sem carboidratos. Chega de perseguir tendências que endeusam a novidade do mês, ao mesmo tempo em que menosprezam as novidades do mês anterior. Os tempos mudaram e seus exercícios também. Esportes como corrida em trilha, esqui nórdico e surf solicitam altos níveis de resistência, força e agilidade durante o ano inteiro – preparo que as rotinas prontas de academia e as dietas da moda simplesmente não conseguem oferecer.

É aí que nossa série de quatro reportagens sobre os Pilares da Preparação Física entra em cena. Durante os próximos oito meses (as reportagens são bimestrais), vamos te guiar através dos maus hábitos, mitos e desinformações que permeiam grande parte da comunidade saudável, e substituí-los por verdades essenciais para o atleta que há em você. Nossos especialistas em fitness criarão séries de exercícios, explicarão a ciência e prestarão consultoria em cada capítulo da série. O objetivo não é criar um programa único que transforme qualquer um num fenômeno ágil e afiado dos multiesportes (esse programa não existe), mas sim oferecer conhecimento suficiente para que você consiga chegar lá por si só.

Começaremos neste mês pelo Pilar um: como obter e manter preparo físico, permanecendo forte e sem lesões o ano inteiro – para o esqui do inverno e para a mountain bike do verão, passando pelo montanhismo ou qualquer que seja o seu vício. Daí, vamos seguir para o preparo aeróbico, força e agilidade.

Este não é um plano de periodização (apesar de que explicamos neste mês o que é isso e sugerimos que você siga um), mas, em vez disso, quatro “pacotes” de conselhos sem data marcada, que irão se aplicar a qualquer um, desde os guerreiros de fim de semana até os aspirantes a profissional. Você não irá se manter no pico durante o ano inteiro – se você tentasse, iria explodir –, mas conforme evoluirmos nesta série de reportagens, você ganhará um melhor entendimento do seu potencial de preparo físico e de como atingi-lo.

Não há atalhos. Então, esta série não é um plano milagroso de duas semanas e abdominais de tanquinho. Mas já que você não vive como a maioria das pessoas, também não deve treinar como elas.


(Foto: Sthepen Frink/ Cobis/ Latinstock)

CONHEÇA OS ESPECIALISTAS
Curtis Cramblett >> Treinador da USA Cycling (equipe oficial de bike norte-americana), fisioterapeuta e técnico certificado em força e condicionamento da Revolutions in Fitness, em San Jose, Califórnia. Curtis trabalha com a equipe profissional Garmin-Chipotle e é expert em identificar e tratar disfunções músculo-esqueléticas.

Neal Henderson >> Diretor de ciência do esporte do Boulder Center for Sports Medicine, fisiologista do exercício e triatleta de elite aposentado, Neil treina ciclistas e esquiadores nórdicos, e cria programas de treinamento para atletas profissionais, guerreiros de fim de semana e CEOs obsessivos-compulsivos.

Chad Butts >>
Fisiologista do exercício, chefe do Cadence Cycling and Multisport Centers de Nova York. Chad é também competidor de ciclismo de estrada Categoria 1 e técnico de ciclismo.

Passo 1: ajuste sua máquina
Antes de construir sua base, tenha certeza de que todas as peças estão funcionando

Tudo está conectado. Quando você senta, seus flexores do quadril tentam puxar os joelhos para o peito, fazendo com que as costas se curvem para a frente. Quando as panturrilhas estão tensas, o estresse passa para os pés ou joelhos. Se os quadríceps não se movem com fluidez, eles travam o quadril, que por sua vez puxa a banda iliotibial – o tendão da lateral da coxa – e, no fim, você vai ter dor no joelho. Para compensar, sua outra perna vai trabalhar mais e as torções, nós e dores irão se propagar, mandando o estresse para a lombar, pescoço, e até pro dedinho do pé.

“Pense no corpo como uma corrente interconectada”, diz Curtis. “Cada elo transfere o estresss ao longo da corrente. Quando o pé encosta no chão quando você está correndo, o tornozelo recebe um impacto equivalente a pelo menos três vezes o seu peso corporal. Se você não conseguir absorver e transferir a energia, seu tornozelo será esmigalhado”.

Por isso, antes de começar seu treino de base, você tem que se sincronizar. E pode precisar de ajuda para tanto. “Se você é muito recreacional, então provavelmente tudo bem começar sem visitar o fisoterapeuta, desde que não sinta dor”, diz Curtis. “Mas se está treinando no máximo ou até mesmo no nível submáximo em busca do seu objetivo, então um check-up ajudar a evitar uma lesão que pode te custar muito tempo e dinheiro”. Esta reportagem não substitui esse exame personalizado, mas já que a maioria de nós trabalha em escritórios e vê televisão demais, temos algo em comum. Aqui, Curtis oferece algumas dicas de como eliminar os elos fracos da sua corrente. Faça isto pelo menos três vezes por semana.

O problema: sua mesa de trabalho grudou seus glúteos e travou seus quadris.
A solução: Alongamento dinâmico e massagem dos tecidos moles. “Se no começo você conseguir marcar hora com um massagista ou fisioterapeuta, faça isso”, diz Curtis. Depois compre um daqueles cilindros de espuma (tipo espaguete de piscina, só que mais grossos e firmes) e use o seu peso corporal para rolar em cima desse cilindro e soltar o quadril, banda iliotibial, quadríceps e glúteos. Pode ser feito sem aquecimento.

O problema: panturrilhas tensas causam dormência nos pés e formigamento quando você está usando sapatilha de bike, além de tendinite de Aquiles em corredores. “Se a panturrilha está tensa, o tornozelo não flexiona o suficiente e o pé recebe mais impacto”, diz Curtis.
A solução: invista numa maravilha simples conhecida como “the stick”. É um rolo de plástico, em vez de madeira, que como massageador para panturrilha, é insuperável. US$ 50; (somente importado; thestick.com

O problema: escrivaninhas e bicicletas forçam a coluna de maneira antinatural. “Você perde sua extensão lombar e acaba segurando a cabeça com o pescoço, em vez de segurar com o corpo”, diz Curtis.
A solução: role a coluna para trás e para a frente sobre uma bola de exercícios. Use as pernas para conduzir o movimento.

O problema: Escrivaninhas, carros e sofás encurtam e tensionam seus posteriores da coxa.
A solução: Aquelas bolinhas de apertar que são usadas para exercitar os antebraços fazem maravilhas nos posteriores de coxa. Sentado, coloque uma bolinha sob esses músculos e faça uma automassagem com o peso do corpo.

TESTE DE CAMPO: LIMIAR DE LACTATO
Programe um monitor cardíaco para gravar as informações a cada um minuto, daí aqueça e corre ou pedale por 30 minutos em seu ritmo máximo sustentável (se for pedalar, encontre um trecho sem descidas). Você precisa manter um ritmo constante: se estiver com altos e baixos, pare o teste e recomece outro dia. Quando terminar, tire a média dos últimos 20 minutos do teste. Essa frequência cardíaca é uma medida aproximada do seu limiar de lactato – o limite superior para uma performance aeróbica sustentada. Com exercícios inteligentes e estruturados que foquem esse número, você vai conseguir ir mais rápido e mais longe sem atingir a frequência cardíaca do limiar de lactato.


(Foto: Artiga Photo/ Corbis/ Latinstock)

Passo 2: conheça seus limites
Construção de base exige planejamento. Antes de começar a procurar desculpas, saiba disto: você vai treinar mais pesado este ano

Você conhece a expressão “O que não te mata te fortalece?” Em se tratando de treinamento, é 100% verdadeira. Um exemplo: há alguns anos, passei 11 dias pedalando pelos Alpes franceses com alguns amigos. Nenhuma das pedaladas durava menos do que três horas e meia. Eu nunca tinha pedalado tão forte. Mas no meu primeiro treino em minha cidade depois que voltei dessas férias, mal consegui pedalar. Eu disse a mim mesmo que estava com overtraining (condição em que o excesso de exercício pode causar uma série de lesões e sintomas) e encostei minha bike.

Menos de uma semana depois, saí com um grupo local para ver se conseguia acompanhar. O pelotão era, em sua maioria, de profissionais e outros ciclistas de categoria, e normalmente eu teria que dar o meu máximo só para grudar no fundão. Mas naquela pedalada eu fui o cara que puxava o pelotão, o que me fez pensar: será que eu estava mesmo com overtraining?

“Overreached, ou com excesso de treinamento, é um termo melhor”, diz Allen Lim, treinador e fisiologista da equipe profissional Garmin-Chipotle. “Overtraining significa que você está totalmente ferrado. Overreached é uma coisa pela qual você batalha, porque se você bota um cara com overreaching para descansar, ele volta ainda mais forte”.

Infelizmente, muitos de nós vivemos com medo do overtraining e deixamos de forçar os limites ao máximo. O overtraining é um caso sério que afeta uma pequena percentagem de atletas – Allen conheceu apenas uns poucos que se encaixariam nessa descrição em 12 anos como técnico profissional. “Mesmo se você estiver treinando duas vezes por dia durante três semanas, não está correndo risco sério de ter overtraining”, informa o doutor Steven J. Keteyian, corredor de fundo e diretor do programa de Cardiologia Preventiva no Hospital Henry Ford, em Detroit (EUA). “Descanse um fim de semana ou uma semana e você ficará bem”.

O que tirar dessa informação: quando for a hora certa, treine mais forte, e depois descanse. “A parte mais difícil de ser um atleta é forçar-se a descansar”, diz Neal. Mas coordenar sobrecarga, recuperação, picos e objetivos é complicado. Para fazê-lo, você precisa entrar num programa de periodização.

Passo 3: periodizar
Para tirar o máximo do seu corpo, coloque-se num programa feito sob medida para você

Você provavelmente já ouviu falar em periodização antes. Um plano típico de periodização envolve um mês (mais ou menos) para um treino fácil de resistência (que é chamado de fundação ou período base), seguido por algumas semanas de adaptação a um trabalho mais estruturado (período de construção), e depois umas semanas de treinamento de alta intensidade (período de desempenho), seguido da recuperação.

Mas esse é um plano para pessoas que focam apenas um esporte e, provavelmente, um pico por ano. Imagine que você queira fazer uma prova de corrida de montanha no segundo semeste. Se você passou os últimos dois meses surfando, e de repente tenha frequentado aulas de spinning duas vezes por semana e caminhado na montanha nos finais de semana, por que gastar tempo construindo uma base que você já tem? “O pessoal que se fixa na ideia de treinamento de base joga fora os ganhos que já teve”, diz Neal. “Tudo bem fazer um pouco de treino de intensidade durante o período de base”, completa.

Os planos de periodização funcionam melhor quando são feitos sob medida. Isto começa com o estabelecimento do limiar de lactato (LL), o ponto no qual o metabolismo do corpo muda de aeróbio para anaeróbio. Este número te diz exatamente com qual intensidade você deve treinar. Testes de laboratório são mais exatos, mas é possível estimar esse valor (veja “Teste de Campo”).

Passo 4: vá em frente
Agora que você já sabe seu LL, faça bom uso dele com um plano de periodização como este à esquerda, usando a planilha abaixo para o Período de Manutenção 1. Após quatro semanas, vá para Sobrecarga 1 e assim por diante. Para um preparo físico geral, alterne entre treinos de corrida e bicicleta. Descanse na segunda e na quinta.

TERÇA >> Vá na velocidade máxima que conseguir sustentar por dez minutos de uma corrida de 30, ou pedale por 30 minutos a 95% do seu LL.
QUARTA >> Uma hora de treino de força e técnica (abaixo).
SEXTA >> Treine a 80 % do LL por 20 minutos (corrida) ou 60 minutos (bike). Treinos de técnica por 30 minutos.
SÁBADO >> Corra 90 minutos ou pedale 3 horas.
DOMINGO >> Trabalho de forca por 30 minutos, depois 1 hora de corrida ou 2 horas de bike.

CONSTRUIR. ESTRESSAR. DESCANSAR. REPETIR
O plano a seguir é um esboço de periodização de seis meses para atletas multiesportivos. Após a fase final, simplesmente recomece, ajustando os picos para os eventos mais importantes.

Período

Duração
Objetivos
Orientações

Manutenção 1

Quatro semanas com 6 horas (corrida) a 10 horas (bike) de treino por semana

Manter o preparo físico básico enquanto afina força e técnica para um trabalho mais duro

Intensidade e volume moderados, mais alongamento e trabalho de força. Quebre os treinos de resistência com treinos de ritmo e intervalados no meio da semana.

Sobrecarga 1

Quatro semanas de volume e intensidade variados, com uma redução acentuada no volume na semana 4.

Overreached e descanso para ficar perto de seu preparo máximo

Na semana 1, aumente o volume (tempo) e intensidade em 40% em relação a Manutenção 1. Na semana 2, diminua o volume em aproximadamente 20% e faça o mesmo na semana 3, ao mesmo tempo que aumenta a intensidade. O volume da semana 4 deve ser metade do volume da semana 3.

Manutenção 2

Quatro semanas com um pouco mais de intensidade do que na Manutenção 1

Recuperação ativa que te permita continuar a fazer exercícios em alto nível sem se acabar

Lembre-se de trabalhar a técnica e fazer massagem e alongamento dinâmico entre os dias de treino forte.

Transição/Descanso

Uma semana com poucas horas de treino leve de resistência

Descanse para maximizar os benefícios dos últimos três meses

Alongue, entre na banheira, coma, beba. Tire o atraso da leitura e tarefas domésticas. Aprecie sua cara-metade.

Sobrecarga 2

Três semanas na maior intensidade e volume possível

Use seu novo preparo físico e gana revitalizada para treinar mais forte do que nunca

Compita o quanto quiser. Dê o cano no trabalho para fazer treinos longos e duros. Termine os treinos de resistência em ritmo de LL. Ignore sua cara-metade por sua conta e risco.

Manutenção 3

Três semanas com 8 a 10 horas de treino por semana

Volte aos níveis da Manutenção 2 para que possa recuperar-se e preparar-se para o pico

Foque na qualidade em vez de quantidade – misture intervalos, subidas e tiros.

Descanso para o pico

Uma semana com umas poucas horas de exercício

Recuperação é o seu maior objetivo

Pedaladas fáceis, trote, alongamento e descanso. Prepare o seu metabolismo nos dias que antecedem a competição fazendo com intervalos e tiros curtos.


(Foto: Bob Thomas/ Corbis/ Latinstock)

Força básica
Faça duas ou três dessas sessões por semana para manter massa muscular durante o treinamento de resistência

Agachamento unilateral >> Faça séries de leg press na academia, agache com uma perna no ar e uma bola de exercício entre suas costas e a parede, ou suba num banco, usando-o como degrau. Faça uma série até a exaustão com cada perna. Conforme for ficando mais forte, segure pesinhos nas mãos.

Puxada com posteriores de coxa >> Use uma bola de exercícios para equilibrar os posteriores de coxa com os quadríceps. Coloque os calcanhares na bola, com as costas no chão. Faça uma ponte e puxe a bola para baixo do seu corpo, depois empurre a bola de volta e desça os quadris. Esta é uma repetição. Faça 10 a 12. À medida que for se fortalecendo, faça com uma perna de cada vez.

Prancha >> Prancha simples (de frente para o chão, com os antebraços, mãos e pontas dos pés apoiados, sustente o corpo reto e paralelo ao chão) e prancha lateral (de lado para o chão, com somente um dos antebraços e a lateral do pé apoiado no chão) são ótimas formas para se trabalhar os pequenos músculos estabilizadores da sua base. Faça 30 a 60 segundos cada. Você pode tornar o exercício mais desafiador colocando os pés sobre uma bola de exercícios.

Remada sentada >> Remadas com cabo (nos aparelhos da academia ou com um elástico) ajudam os ombros e a parte superior da coluna a manter uma posição mais ereta e aberta. Faça uma série de 12 a 15 repetições.

Pontes na bola de exercícios >> Seus abdominais podem sobrepujar sua lombar. Gaste tanto tempo fortalecendo esses estabilizadores da lombar quanto gasta no seu tanquinho. Com uma bola de exercícios sob os ombros, levante-se fazendo uma ponte simples e levante uma perna, depois abaixe e levante a outra perna. Isso firma os músculos dos glúteos e posteriores de coxa. Faça oito a dez repetições com cada perna. Não foi tão difícil? Então feche os olhos.

Técnica básica
Já que você ainda não está treinando duro, use este período de base para dar um polimento à sua técnica

>PEDAL
Exercício: pedalar com uma perna. Deixe uma perna de lado e pedale por 30 a 60 segundos com a outra. Repita do outro lado.
Benefícios: Melhora a velocidade e a cadência da perna sem romper fibras musculares.

Exercício: Desmontar rodando. Passe seu pé mais forte sobre a roda traseira e entre o outro pé e o quadro. Salte da bike em movimento.
Benefícios: Este movimento, essencial na mountain bike, pode salvar segundos numa competição.

>CORRIDA
Exercício: Joelho alto. Sem se deslocar, puxe os joelhos para cima, até a altura do peito.
Benefícios: Melhora a amplitude de movimento e o giro de perna, sem o estresse do tiro.

Exercício: Saltinhos. Leve o “joelho alto” ao pé da letra e saltite numa corrida lenta. Você deve sentir-se bem ridículo fazendo isso.
Benefícios: Aumenta a passada e fortalece os músculos sem o desgaste dos quilômetros.

Exercícios: Chutes nos glúteos. No lugar ou correndo lentamente, chute seus próprios glúteos com os calcanhares. Os joelhos devem apontar para baixo.
Benefícios: Incorpora os posteriores da coxa à passada e melhora a velocidade.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2009)







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