Netflix, vômito e rivalidades: 5 histórias malucas do Tour de France até agora

Por Frederick Dreier

Foto: MARCO BERTORELLO / AFP via Getty Images / Outside USA.

O Tour de France está a todo vapor e, até agora, a corrida já gerou uma série de acontecimentos peculiares — incluindo episódios envolvendo cocô e vômito.

Os ciclistas que competem no Tour de France de 2025 chegaram à cidade de Toulouse na última quarta-feira, 16 de julho, e alguns deles, sem dúvida, refletiram sobre o punhado de situações envolventes — e completamente insanas — que marcaram as 11 primeiras etapas do evento.

Ao longo desta edição do Tour, já tivemos rivalidades amargas, vômitos, blogs e todo tipo de drama e controvérsia. Sim — o pacote básico da maior prova do ciclismo profissional.

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Para os fãs de ciclismo que não acompanharam cada curva e reviravolta da corrida, selecionamos cinco histórias que marcaram a primeira metade do evento para você se atualizar.

Netflix se despede

Em junho, a Netflix lançou os oito episódios da terceira temporada de sua série documental Tour de France: No Coração do Pelotão. Junto com o anúncio da nova temporada, veio a revelação de que essa seria a última.

A série estreou em 2022 como uma versão centrada no ciclismo do enorme sucesso da plataforma, Fórmula 1: Dirigir para Viver. Assim como a série da F1, Unchained (nome da série do Tour de France em inglês) levou os espectadores aos bastidores da corrida, mostrando que os ciclistas — muitas vezes vistos como figuras robóticas — também sentem tristeza, ciúmes e outras emoções humanas. Sim — ela trouxe personalidade a um esporte que, por mais de um século, produziu heróis estoicos e sem sal.

Lá em 2022, escrevi que Unchained tinha um potencial real de conquistar milhões de novos fãs de ciclismo, justamente por conseguir traduzir um esporte confuso e cheio de nuances em seus elementos mais básicos.

Não posso afirmar se a série de fato alcançou esse objetivo. Mas posso dizer que ela precisou caminhar numa corda bamba narrativa que, no fim, me fez desistir de assistir.

O Tour é um evento internacional, com fãs espalhados por todo o mundo, mas Unchained foi filmada e editada pela produtora francesa QuadBox, e roteirizada para a Netflix França. Por isso, a série dava muita atenção às equipes francesas, aos ciclistas franceses e a tudo relacionado ao ciclismo francês.

A questão é a seguinte: os melhores ciclistas do Tour hoje vêm da Eslovênia, Reino Unido, Dinamarca e Bélgica. Os americanos também se saem bem. Já os franceses viraram coadjuvantes na própria corrida. Nenhum francês vence o Tour desde 1984 — e essa seca deve continuar por décadas.

E embora os grandes nomes internacionais do Tour falem inglês, a maioria dos ciclistas franceses fala apenas francês.

Assistir a Unchained, portanto, era mergulhar nos dramas mesquinhos e irrelevantes do ciclismo francês — e absorver essas informações nada essenciais por meio de legendas. Na minha humilde opinião, essa não era a receita ideal para conquistar o grande público.

Quedas e cocô: o blog de Michael Woods chama atenção

O herói canadense do Tour de France, Michael Woods, tem publicado diariamente textos em seu blog durante o Tour de France 2025, tanto em seu site pessoal quanto no site da Velo, nossa publicação parceira.

Woods é um escritor muito talentoso, e seus relatos lançam luz sobre momentos importantes da corrida. Em 8 de julho, ele escreveu sobre as quedas que ocorreram e a segurança dos ciclistas. Engavetamentos acontecem todos os dias no Tour, e na véspera da prova, a organizadora ASO repreendeu os atletas por assumirem riscos que resultaram em acidentes.

Com bastante lucidez, Woods apontou que a ASO (Amaury Sport Organization) e a UCI (Union Cycliste Internationale), entidade máxima do ciclismo, são responsáveis por estabelecer as regras que impactam diretamente a segurança. Se essas organizações realmente se preocupassem com os acidentes, diz Woods, elas deveriam alterar os regulamentos para tentar reduzi-los.

“A ASO dizer aos ciclistas ‘vocês precisam correr menos riscos’ é como a NBA dizer ao Steph Curry ‘você precisa arremessar menos de três’. Isso não muda nada.”, escreveu Woods.

O texto gerou uma enxurrada de análises e artigos em sites especializados em ciclismo, e consolidou Woods como, talvez, a voz mais lúcida dentro do pelotão.

Poucos dias depois, Woods publicou outro blog sobre uma situação, digamos, mais delicada. Durante a 10ª etapa, ele sofreu uma emergência gastrointestinal no meio da corrida. Depois de tentar resistir às cólicas estomacais, precisou parar no acostamento, correr até o trailer de um turista e… aliviar-se.

“Ao pobre, muito gentil e completamente atônito homem que abriu a porta do trailer para mim: quero primeiro agradecer, mas também pedir desculpas — do fundo do coração — pelo estado em que deixei seu banheiro”, escreveu Woods.

Mesmo com a parada forçada para evacuar, ele conseguiu terminar a etapa.

Rivalidade declarada entre os favoritos do Tour

A classificação atual do Tour tem o irlandês Ben Healy em primeiro lugar, seguido pelo campeão defensor Tadej Pogacar em segundo, o belga Remco Evenepoel em terceiro, e o dinamarquês Jonas Vingegaard em quarto.

Mas quem está acompanhando a corrida sabe que a disputa real pela camisa amarela é entre os velhos rivais Pogacar e Vingegaard. Nos últimos cinco Tours, Pogacar venceu três (2020, 2021, 2024) e Vingegaard venceu dois (2022, 2023). Sempre que a estrada começa a subir, os dois disparam do pelotão e partem para o ataque entre si.

A equipe de Vingegaard, a holandesa Visma-Lease a Bike, adotou uma estratégia curiosamente agressiva neste ano. Normalmente, as grandes equipes preferem poupar energia na primeira semana, que costuma ter etapas planas, e deixam para forçar o ritmo nas montanhas das semanas seguintes. Mas não a Visma — o time acelerou sem parar nas etapas planas e onduladas, lançou ataques constantes com ciclistas escapando do pelotão, e forçou Pogacar e sua equipe UAE Team Emirates a gastar energia desde cedo.

Essa tática de atacar cedo e com frequência deixou o pelotão esgotado e gerou muitas críticas de comentaristas, incluindo ex-vencedores do Tour. Também provocou reações fortes de Pogacar, que classificou o estilo da Visma como “irritante”.

Em um esporte notório por seu ar sisudo e suas entrevistas sem sal, isso equivale a ofender o visual, o cônjuge e o gosto musical do rival — tudo ao mesmo tempo.

Cinco vômitos em 160 quilômetros

Os fãs de ciclismo ficaram intrigados nos primeiros minutos da 9ª etapa do Tour, quando os companheiros de equipe Mathieu van der Poel e Jonas Rickaert, da equipe Alpecin-Deceuninck, aceleraram logo na largada e dispararam na frente do pelotão.

Van der Poel é um dos ciclistas mais fortes do grupo, mas uma fuga de longa distância parecia fadada ao fracasso, já que o percurso era praticamente plano. Em dias assim, o pelotão costuma controlar facilmente o ritmo e neutralizar qualquer escapada antes da linha de chegada.

Mesmo assim, os dois seguiram firmes e pedalando forte por cerca de 160 quilômetros. Em determinado momento, parecia que van der Poel conseguiria manter-se à frente do grupo. Mas, infelizmente, ele foi alcançado e ultrapassado a poucos metros da chegada.

Após a etapa, Rickaert contou aos repórteres como foi pedalar a 400 watts por quatro horas seguidas — o esforço necessário para acompanhar van der Poel.

“Meu estômago não aguentou. Vomitei cinco vezes”, disse Rickaert à emissora belga Sporza.

Sem tripas, sem glória.

Um líder irlandês em uma equipe norte-americana

Como mencionei antes, o atual líder do Tour é o irlandês Ben Healy, que corre por uma equipe americana, a EF Education-EasyPost. É a primeira vez desde 1987 que um irlandês lidera o Tour — e a primeira vez que um irlandês em uma equipe dos EUA segura a camisa amarela.

Healy conquistou a liderança na 10ª etapa ao atacar em uma fuga num percurso com colinas curtas e médias, e conseguiu segurar o avanço final de Pogacar.

No papel, Healy não tem o histórico necessário para vencer o Tour. Ele se destaca em subidas curtas e íngremes, mas nunca brilhou nas montanhas monstruosas dos Alpes ou dos Pirineus ao lado de Pogacar ou Vingegaard — os dois melhores escaladores do ciclismo atual.

Mas, veja bem, isso é o Tour. E, de tempos em tempos, vemos ciclistas considerados medianos superarem todos os limites e lutarem pela camisa amarela.

Agora a grande pergunta é: por quanto tempo Healy conseguirá manter a liderança antes que Pogacar retome o posto? A 12ª etapa, nesta quinta-feira, inclui duas montanhas gigantes nos Pirineus. Se Healy conseguirá ou não reunir forças para ir além do que se espera dele — é uma história que pretendo acompanhar de perto.

*Frederick Dreier escreve para a Outside USA.