Receita médica: mato

Terá enfim chegado a hora de os médicos prescreverem terapia outdoor?

Por Frederick Reimers

QUANDO STACY BARE voltou de seu período com o exército norte-americano no Iraque, em 2006, ele teve que lutar contra uma série de problemas: alcoolismo, vício em cocaína e pensamentos suicidas, para citar apenas alguns. Foi só em 2010, quando um colega veterano o levou para escalar rochas em Boulder, no Colorado, que as coisas começaram a mudar. “Se eu não tivesse me envolvido com a escalada, provavelmente seria mais uma estatística triste”, conta Stacy. “O foco que esse esporte me deu fez com que eu conseguisse superar diversos problemas.”

A ideia de uma cura pela natureza não é novidade. Há anos que organizações como a Outward Bound levam veteranos de guerra para expedições ao ar livre, e todos nós conhecemos os benefícios psicológicos de uma simples caminhada no mato. Porém Stacy queria ir além. Ele acreditava que se houvesse suficientes estudos científicos relacionando a terapia de aventura com tratamentos farmacêuticos, os médicos começariam a prescrevê-la como uma alternativa mais barata e segura. A recreação outdoor prescrita por médicos, explica Stacy, de 38 anos, atualmente diretor de uma organização chamada Sierra Club Outdoors, resultaria em menos dependência de medicamentos e menor custos com tratamentos de saúde. Ele também espera que isso possa dar início a uma nova era na qual “você poderá usar a grana reservada para prescrições médicas em planos de saúde para cobrir o preço de guias e equipamentos outdoor”.

Em 2013, Stacy firmou uma parceria com o psicólogo Dacher Keltner, da Universidade da Califórnia, para fundar o Great Outdoor Lab, uma organização de produção de pesquisas e outros conteúdos com o objetivo de comprovar os benefícios para a saúde de se estar em espaços abertos, perto da natureza. Stacy espera que os estudos estabeleçam a natureza como uma opção de terapia viável para tratar uma série de males, de depressão e transtornos de estresse pós-traumático a lesões cerebrais e demência. Mais importante, ele quer consolidar essa credibilidade junto à comunidade médica e as companhias de seguro.

Dacher foi uma escolha natural para ajudar a liderar esse esforço. Durante dois anos, ele estudou as respostas psicológicas e fisiológicas à natureza expondo voluntários a fotos, filmes e, em alguns casos, a um bosque de eucaliptos no campus da universidade. O psicólogo e seus colegas descobriram que esses estímulos reduzem os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, assim como citoquinas inflamatórias (a inflamação é uma rota comum para a depressão, doenças cardíacas e diabetes). “A maioria das pessoas tem a sensação de estar mais forte e saudável depois de um tempo ao ar livre”, explica Dacher. “Estamos só começando a juntar mais evidências científicas sobre o assunto.”

IMERSÃO: Passar tempo no meio do mato pode ser mais benéfico para a sua saúde física e mental do que uma prescrição médica (Foto: Reprodução David Styles)

Em 2014, Stacy convenceu Dacher a levar seus estudos para o campo, organizando viagens de canoagem de dois dias com grupos de jovens e de veteranos de guerra do Sierra Club. Stacy escolheu a canoagem porque é uma experiência outdoor imersiva que não requer um alto nível de preparo físico. “É importante para o estudo isolar os efeitos da aventura ao ar livre dos efeitos da atividade física”, explica Stacy. “Nossa pesquisa precisa seguir o mesmo padrão que os utilizados pelas companhias farmacêuticas.”

Esse estudo de três anos, atualmente sob processo de revisão por vários periódicos acadêmicos, corroborou os achados laboratoriais de Dacher e mostrou que os veteranos experimentaram uma redução de 35% em seus transtornos de estresse pós-traumático logo em sua primeira viagem de canoagem, de dois dias de duração. “Existem problemas de saúde que podem ser resolvidos simplesmente com um rolê na natureza, sem necessidade de remédios”, diz Dacher. Stacy conta a história de um veterano que começou a praticar canoagem regularmente e em pouco tempo reduziu o valor gasto pelo governo com seus medicamentos de US$ 25.000 por ano para US$ 5.000.

Dacher e Stacy já estão colaborando com outros pesquisadores, entre eles Nooshin Razani, da Universidade da Califórnia, no Benioff Children’s Hospital Oakland.

“O que estamos aprendendo é encorajador”, diz Tyler Norris, vice-presidente de parcerias de um seguro de saúde norte-americano. “Se pudéssemos empacotar o outdoor e chamá-lo de produto farmacêutico, ele já estaria sendo bastante vendido.” Tyler frisa, porém, que vários outros estudos precisam reproduzir resultados semelhantes antes de a terapia ao ar livre ser considerada no mesmo nível da acupuntura e de grupos de apoio, por ex. “As companhias de seguro adoram gerenciar riscos e reduzir custos”, explica Stephen Lockhart, diretor de medicina da Sutter Health, empresa do ramo de hospitais da Califórnia. “Se uma aventura outdoor for vista como uma maneira de se fazer isso, elas irão adotá-la.” Stephen prevê mecanismos como descontos na mensalidade do seguro se você passar certo tempo ao ar livre.

Stacy tem certeza que o sistema de saúde de muitos países irá entender a questão e ampliar sua visão sobre o tema. “Ninguém questiona usar licenças médicas para visitar um terapeuta. Se você fica mais saudável e mais produtivo ao tirar um dia para curtir a praia, isso faz sentido. O Xanax não é visto como uma extravagância, então passar um tempo no outdoor também não deveria.”







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