Muito além dos Big Five

Texto e fotos por Mario Mele*

Eu estava no meio de um safári na África do Sul, em algum ponto da estrada que corta os 283 mil m2 da imensa e incrível Samara Private Game Reserve, quando o nosso guia apontou dois rinocerontes que pastavam tranquilamente a cerca de 50 metros.

Pelo tamanho desigual de cada um, ficou claro que se tratavam de mãe e filho. Em vez de medo, estar cara a cara com a nova geração de uma das espécies mais ameaçadas de extinção, curtindo naturalmente seu hábitat, chegou a dar um otimismo. A luz daquele fim de tarde ainda conferia um tom alaranjado à pele enlameada dos rinocerontes; os raios de sol passavam por entre os galhos tortos e espinhosos da vegetação semiárida antes de refletir em uma lagoa, onde um bando de aves pescava e tomava banho. Um cenário que me fez sentir dentro de um documentário de Lawrence Wahba.

“Endêmica mesmo é a sensação de se estar na África do Sul”, eu pensei quase no mesmo instante em que um dos integrantes da nossa expedição disse com convicção: “Os encantos deste país vão muito além dos ‘Big Five’”.

Ele tem razão. Nem de longe a África do Sul se resume a avistar seus “cinco grandes mamíferos selvagens” (leão, elefante, búfalo, leopardo e rinoceronte). Primeiro porque a impressão que dá é a de que a fauna desse país tem um número ilimitado de espécies. Mesmo que a maioria dos turistas brasileiros ainda desembarque na terra de Mandela em busca dos safáris, a África do Sul, por si só, já deveria ser um dos itens de qualquer lifelist digna. Além de ser uma porta de entrada para o“continente raiz da humanidade”, lá você tem a chance de realizar desejos e sonhos, alguns longe do ambiente selvagem.

Qualquer pessoa que preza o mínimo pelas novas vivências vai entender: o sul-africano é um povo extremamente receptivo, interessante e cheio de personalidades raras; há hospedagens inovadoras e surpreendentes que podem te levar a um novo patamar de conforto e interação com o meio ambiente. Sem contar as oportunidades para você ir além dos seus limites (e não estamos falando apenas em dirigir do lado direito). Claro que, além de linda, a paisagem sul-africana permite conexões inesquecíveis com o mundo selvagem (e isso também inclui esportes). Portanto tome nota do que vem a seguir para editar sua lista de desejos – e vá logo para lá.

Praça de alimentação do Arts on Main, em Joanesburgo

1. Socialize em inglês

Aprenda algumas palavras em africâner e em xhosa e tome um drinque com os locais

Basta dizer “hello” para você travar uma longa conversa na África do Sul. É admirável a predisposição comunicativa do seu povo. Reserve pelo menos um dia inteiro para conhecer Joanesburgo, a maior cidade da África do Sul, que também é o principal centro comercial e cultural do país. Nada, no entanto, que se compare a São Paulo em matéria de tamanho e densidade demográfica. Ainda assim, é uma bela oportunidade de se deparar com novos estilos.

Vá ao Arts on Main, em Maboneng, um espaço que abre aos domingos e que mistura uma variedade gastronômica a preços populares com uma feira de artes, roupas e outros produtos locais. A pé, cruzando alguns quarteirões do mesmo bairro, siga para o Living Room para se jogar em uma balada “roof top” que rola durante a tarde inteira até o começo da noite, ao som de DJs locais. Nas mesas, há desde casais até grupo de amigas curtindo uma despedida de solteiro. No balcão são servidos os drinques, e é lá mesmo que você terá grandes chances de conhecer alguém que te ensine algumas palavras em africâner ou, quem sabe, a pronunciar os “cliques” da exótica língua xhosa (cosa).

Parque Nacional Tsitsikamma

2. Faça um safári por conta própria

O ideal é você chegar a Graaff-Reinet via Porto Elizabeth (200 km de distância). Porto Elizabeth está a 900 km de Joanesburgo (1h40 de avião), na província do Cabo Oriental. Já Graaff-Reinet, a quarta cidade mais antiga da África do Sul, colonizada por holandeses, respira história através dos seus museus, restaurados e abertos à visitação, e de uma igreja protestante originalmente construída em 1800.

Agende um tour histórico de três horas com a Karoo Connections (US$ 40). São nos arredores da cidade, mais precisamente no Parque Nacional Camdeboo (US$ 4 a entrada), que você vai querer estar. Pelas estradas pavimentadas do Camdeboo, você verá antílopes africanos como o órix e o hartebeest, além de zebras, girafas e uma infinidade de aves, até chegar ao Valley of Desolation, um mirante natural com vista para imponentes formações rochosas e para as planícies do deserto do Grande Karoo.

Em Graaff-Reinet, fique no Drostdy Hotel (diárias a partir de US$ 100), uma vila de luxuosos e estilosos chalés com infraestrutura de spa e academia. Você vai se sentir tão renovado no dia seguinte que desejará voltar ao Camdeboo correndo – não é brincadeira. Se for esticar um dia em Graaff- Reinet, não deixe de visitar o Obesa Cacti Nursery, um labirinto de cactos projetado e até hoje sob os cuidados de Johan, um sul-africano que odeia Donald Trump com todas as forças.

Rinocerontes vistos durante safári na reserva particular Samara

3. E por que não ir atrás de alguns Big Five?

A emoção de compartilhar o mesmo hábitat de uma família de leões, de uma manada de rinocerontes ou de elefantes é uma experiência inesquecível. Antes de torcer o nariz para as reservas particulares em defesa dos Parques Nacionais, saiba que elas costumam oferecer serviços bem mais exclusivos, com safáris em Land Rovers abertas e com poucos passageiros, para te deixar o mais próximo possível desses animais.

A exemplo do Samara Game Reserve, que cerca uma área de 70 mil hectares que mescla montanhas com uma extensa área plana do Karoo, a menos de 100 km de Graaff-Reinet. Ali são certos os encontros com antílopes de todos os tipos, chacais, zebras, girafas e rinocerontes (o “Big Five” de 40 milhões de anos). Uma família de elefantes, uma de leões e outra de guepardos também moram livremente no Samara, e a probabilidade de pelo menos alguma ser vista é grande.

Girafa na reserva particular Samara

A reserva conta com hospedagens cinco estrelas distintas, sendo que uma é a ampla c onstrução térrea com suítes luxuosas e piscina privativa (Manor House; diárias a partir de US$ 300), enquanto a outra consiste em chalés privativos com varanda e ducha externa quente, com vista privilegiada para o Karoo (Karoo Lodge; a partir de US$ 270).

Em ambas, você pode receber visitas de babuínos, javalis e até de elefantes, que se aproximam para tomar água nos lagos próximos à propriedade. O Samara Game Reserve aceita que você leve sua bike para fazer os 40 km de safári no pedal, dando suporte com jipe e guia.

4. Fique em uma casa na árvore

(cinco estrelas, claro!)

Na África do Sul, hospedagens cinco estrelas singulares não são exclusivas dos “safáris lodge”. O país também sabe valorizar os quase 2.800 km de litoral, com praias, cliffs e florestas tropicais. Não há maneira melhor de aproveitar esse combo do que se hospedando no Tsala Treetop Lodge, uma luxuosa casa na árvore que provavelmente é mais espaçosa que seu apartamento.

Localizado na entrada de Plettenberg Bay, o Tsala combina a decoração africana (com texturas ricas e acessórios artesanais), com a sofisticação do mundo ocidental – ambientes carpetados, sala de estar e lodge envidraçados, decks suspensos sobre a copa das árvores e piscina exclusiva são alguns dos agrados (a partir de US$ 320).

O entorno de Plettenberg é um prato cheio aos devotos da vida ao ar livre, com atividades que variam de uma leve caminhada pelo Parque Nacional Tsitsikamma até um salto de paraquedas sobre a floresta Knysna e à própria baía, passando por remo, canionismo, surf, esportes a vela e stand-up paddle.

5. Desafie-se ao extremo

A ponte mais alta da África do Sul, que passa sobre o vale do rio Bloukrans, bem na divisa entre as províncias Eastern e Western Cape, dispõe de uma das diversões mais insanas do mundo: o bungee jump – item louvável na lista de desejos por levar a sério quesitos como “desafio” e “superação”. Por mais que se entenda que o medo seja só um bloqueio mental, sabemos que a queda livre não é para qualquer pessoa.

A operadora da brincadeira garante que, em 20 anos de funcionamento, todos os que saltaram com a corda amarrada no tornozelo dessa ponte de 216 metros de altura retornaram sãos e salvos para contar a experiência. Portanto se há uma dica para você se sentir seguro é confiar 100% no equipamento (US$ 90; faceadrenalin.com).

6. Faça uma road trip

(e curta muito cada parada)

Se existe um país perfeito para você “se perder” pela estrada, ele se chama África do Sul. Todos os itens citados nesta reportagem estão na borda ou a no máximo duas horas da Rota Jardim (Garden Route). Parta de Porto Elizabeth. A estrada é extremamente segura, com trânsito tranquilo. A aventura de dirigir do lado direito logo se transforma em prazer. Acomodações do tipo bed & breakfast são comuns em todos os 750 km da rota (que chega a Cape Town), com preços a partir de R$ 150 a diária (wheretostay.co.za). Você pode reservar uma cabana à beira-mar dentro do Parque Nacional Tsitsikamma (a partir de US$ 90) para ficar totalmente imerso na natureza.

Quando enjoar da vista que marca o encontro ente os oceanos Atlântico e Índico, dirija por dez minutos para abraçar a imensa senhora Outeniqua Yellowood, uma árvore sul-africana endêmica de 36 metros de altura e 1.000 anos de idade. Ou então siga para Jeffreys Bay (100 km de distância do Tsitsikamma), que sedia uma etapa do circuito mundial de surf e que conta com diversos picos mais amigáveis, como o reef break Kitchen Window, que quebra perfeito quando o vento sudoeste está ligado no modo “leve”. gardenroute.co.za

Garden Route ou a Rota Jardim

*Reportagem publicada na edição nº 151 da Revista Go Outside, maio de 2018.







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