O céu é deles

DA PARAÍBA AO CEARÁ: Donizete Lemos, o Bigode, a caminho do recorde mundial (Fotos: Divulgação)

Por Elisa Eisenlohr

No último dia 13 de outubro, Donizete Lemos (Bigode), Rafael Saladini, Samuel Nascimento (Samuka), Frank Brown e Marcelo Prieto (Cecéu) acordaram para entrar para a história do parapente. Eles saíram do hotel em Araruna, no agreste paraibano, e seguiram de carro rumo à já famosa rampa de voo da cidade para decolar e bater o recorde mundial de distância livre. Até aquela data, o voo mais longo de parapente havia sido o feito em 2015, também por três brasileiros e também a partir da rampa de Araruna, historicamente conhecida como a rampa de Tacima. Na ocasião, Bigode, Frank e Cecéu voaram 513 quilômetros. Agora, eles queriam ir mais longe.

Nas duas semanas anteriores, o grupo havia feito voos de treinamento e abortado algumas tentativas no meio do caminho por conta do rendimento abaixo do esperado. No dia 13, as perspectivas também não eram das melhores. “No dia anterior tinha chovido e o vento estava forte demais”, lembra Rafael. “A região estava sofrendo uma influência louca do furacão Mathew e do efeito La Niña… A gente não estava tão confiante, mas quando chegamos à rampa tudo parecia ótimo.” Além da influência do mar, que fica a apenas 80 quilômetros da decolagem e faz o clima ser uma pouco mais imprevisível, o início do voo na região também é dificultado por causa do relevo. É fácil pousar cedo demais nas chamadas gameleiras, um platô de aproximadamente 20 quilômetros de extensão que precisa ser vencido cedo demais, com pouca incidência solar para formar térmicas mais consistentes.

Rafael decola da rampa de Araruna

Bigode conta que, após a decolagem, os cinco ficaram se posicionando em relação ao vento e à montanha, adquirindo altura, para iniciar realmente o voo no momento em que a atividade térmica estivesse mais eficiente. No entanto, logo no começo, uma escolha equivocada na rota fez o grupo se separar. Pior: Cecéu precisou pousar nas Gameleiras, e Frank, um pouquinho mais pra frente. “Perdemos a liga que nos une”, diz Samuka. Essa dificuldade no trecho inicial, apesar da inegável habilidade do grupo, torna a conquista uma loteria. Frank e Cecéu eram os mais experientes do grupo. “São nossos dois mestres, os idealizadores de tudo que a gente sempre sonhou.”

Rafael comemora o recorde, 564 km após a decolagem

Apesar das baixas, Bigode, Rafael e Samuka seguiram em frente. “Durante o voo, o principal objetivo era não deixar que as metas parciais em relação ao recorde caíssem”, lembra Samuka. “Então foi preciso muita concentração e muita pilotagem, especialmente com relação às subidas em termais e às escolhas de linhas de sustentação. Tínhamos que entender rápido o que estava acontecendo com o ar em busca de velocidade para chegar mais longe.” Depois de 11 horas e 50 minutos, o trio terminou o dia pousando um pouco antes da 18h próximo à cidade de Crateús, no Ceará, perto da divisa com o estado do Maranhão. No GPS, a prova do novo recorde mundial: 564 quilômetros no ar, 51 a mais do que a marca anterior. “Atingimos o objetivo que era acordar na Paraíba e ver o pôr do sol no Ceará”, celebra Samuka.

“A experiência de voar no sertão é um convite a sair da zona de conforto e experimentar algo único. É importante ter objetivos próprios de superação. Não vale o risco se for para voar sem meta“.
Rafael Saladini

> A estratégia do grupo
Desde a virada dos anos 1990, os brasileiros têm voado alto no universo do parapente. Ao observar de forma profunda a natureza e os elementos que permitem fazer longos voos, André Fleury e Marcelo Prieto, o Cecéu, começaram a desenvolver técnicas de voo de distância que criaram novos paradigmas. Quebrar um recorde sempre foi algo muito competitivo e, até então, uma busca individual, mas os brasileiros começaram a entender que voar em conjunto, sem competir, tinha mais vantagens. A estratégia facilita o rastreio pelas térmicas e ajuda a encontrar com mais facilidade as melhores “linhas” de sustentação no ar. “Em 2003, comecei a ir para Patu, no sertão do Rio Grande do Norte. Lá André e eu passamos a desenvolver o voo em grupo. Teve um ano que levei o Rafael para ensiná-lo a voar no meu estilo e conseguirmos voar juntos. Hoje temos uma equipe com a mesma leitura do voo. É, com certeza, a que mais sabe trabalhar em conjunto no mundo.”

ESQUENTA: Cecéu, Samuka e Frank antes da decolagem

> Recorde também na asa-delta
No mesmo dia 13 de outubro, dois veteranos da asa delta, Glauco Pinto e André Wolf, quebraram dois recordes: o mundial de distância declarada (607 km) e o sul-americano de distância livre (612 km). “No ano passado foi a primeira vez que a gente voou junto aqui, mas eu já venho para cá há uns 8 anos. Aí o André ficou muito interessado em voar aqui também. Mas a gente estava mal preparado para voar junto. Foi preciso aprimorar o voo em equipe para poder voar mais rápido.” diz Glauco.

O recorde mundial de distância livre em asa delta pertence aos Estados Unidos desde os anos 1980. Mas os brasileiros acreditam que é possível quebrá-lo no Brasil também. A distância conquistada pelo grupo de parapente no mesmo dia foi de apenas 50 quilômetros a menos, sendo que a asa-delta é um equipamento com performance bem maior. “Em um dia bom, é possível fazer uma média de 70 km/h. Como no dia do recorde voamos 11 horas, é só fazer a matemática. Dá para voar 770 quilômetros e ultrapassar um pouquinho o recorde mundial atual.” calcula Wolf.







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