Lixo zero: saiba como é viver sem produzir lixo

A norte-americana Lauren Singer e a brasileira Cristal Muniz adotaram um estilo de vida “lixo zero”. Será que este esforço individual realmente faz diferença para o meio ambiente? Elas dizem que sim – e te mostram como ajudar o planeta

Por Fernanda Beck

QUANDO LAUREN SINGER, de 24 anos, estava no terceiro ano da faculdade de ciência ambiental, nos Estados Unidos, começou a frequentar protestos contra a prática de fratura hidráulica da indústria do petróleo de seu país. O agressivo método de extração do material se dá por meio da perfuração de um poço vertical, e inclui o uso de uma mistura de água e substâncias químicas no solo para ampliar as fissuras do terreno, causando seu “fraturamento” e dissolução. A prática é nociva à natureza, com alto consumo de água, poluição do ar, poluição sonora e liberação de gases tóxicos, e por isso se transformou em tema de uma notória briga ambiental nos EUA.

Certa vez durante a aula, Lauren reparou na quantidade de plástico usada por uma colega no fim do almoço: após a refeição, sobraram um saco plástico, uma marmita, talheres e uma garrafa PET. A moça percebeu aí que usar plástico, que é um derivado do petróleo, não era uma atitude condizente com seus protestos contra a indústria petrolífera. “Entendi que eu seria uma hipócrita se fosse aos protestos e continuasse usando plástico. Comecei a procurar alternativas para que eu pudesse ter um estilo de vida que combinasse com as coisas pelas quais estava lutando”, diz. Já se passaram três anos desde que Lauren deu um passo bem além de apenas abdicar do uso de plástico e se comprometeu em parar de produzir lixo, quase completamente. “Eu nem sabia que existiam pessoas que viviam sem produzir lixo; me senti muito inspirada com a história delas.”

A mudança de hábitos veio acompanhada de um site, o TrashIsForTossers.com (Lixo é para Otários, em tradução livre), no qual Lauren passou a relatar sua nova rotina. “Todo processo de mudança leva um tempo. Se você quiser mudar de dieta, parar de fumar, ser mais organizado ou acabar com a produção de lixo, terá que encontrar um jeito de fazer isso aos poucos. Hoje, meu estilo de vida é muito fácil de ser mantido”, garante. A ativista reciclou ou doou todos os utensílios de plástico, só faz compras a granel, adquirindo os produtos em recipientes que ela leva para o mercado, não utiliza nenhum tipo de item descartável e faz em casa os próprios produtos de limpeza e beleza. O lixo orgânico vai para a composteira. “Vejo muita gente dizendo que é impossível viver com lixo zero, porém não é tão difícil. Basta dar passos pequenos e confiantes”, diz.

Lauren ainda não parou totalmente de produzir lixo, entretanto todo o resíduo que gerou em 2014 coube dentro de um pequeno pote de vidro. Para conseguir chegar a essa quantidade, ela aprendeu a ser bem organizada e a ter sempre alguns utensílios-chave à mão. “Para conseguir me manter no lixo zero morando em Nova York, precisei me tornar uma pessoa que planeja melhor seu dia antes de sair de casa”, diz.

Leia Mais: Como lidar melhor com a dor
Instalações de guerra se transformam em paredes de escalada na Alemanha

Morar em Nova York foi um dos aspectos da vida de Lauren que mais chamou a atenção da designer catarinense Cristal Muniz, também de 24 anos, na primeira vez que ela visitou o  TrashIsForTossers.com. “Achei muito legal que ela morava em Nova York e se vestia de preto. Sempre que falamos em sustentabilidade ou ações que protejam o meio ambiente, pensamos em alguém meio hippie e zen, que mora em uma fazenda. Lauren me mostrou que não é preciso seguir estereótipos assim”, explica Cristal. Quando a brasileira descobriu o blog da norte-americana, devorou todos os textos do começo ao fim. Até então, ela não conhecia esse estilo de vida e ficou imediatamente encantada. Cada página do site trazia uma novidade diferente para a designer, que se identificou com aquele comportamento e decidiu se desafiar: tentaria fazer de 2015 seu ano lixo zero. Nascia assim o blog Um Ano Sem Lixo.

“Achei importante fazer um blog no Brasil. Procurei muita informação em sites gringos, porém não encontrava nada específico para nosso país. As pessoas têm a impressão de que aqui é mais difícil adotar um estilo de vida ‘alternativo’, mas existem diversas opções, é só procurar”, diz.

Um exemplo é a escova de dentes de bambu, da qual Lauren também é adepta e que Cristal conseguiu achar para comprar no Brasil. São mais de 4,5 bilhões de escovas de dente de plástico produzidas todos os anos no mundo, e a maioria delas enche o lixo comum desse material não degradável. A escova de bambu é um substituto ecológico e biodegradável, que pode ser enterrado após o descarte, virando adubo.

Para Cristal, morar em Florianópolis facilita sua missão. “Tenho a sorte de viver em uma cidade onde posso encontrar os produtos de que preciso e onde há diversas feiras para comprar alimentos a granel. Muitos lugares no país não contam nem com coleta seletiva.”

No Brasil, são produzidas diariamente quase 250 mil toneladas de lixo. A cidade de São Paulo é a líder da imundice, descartando 19 mil toneladas de resíduos todos os dias. Do total produzido no país, pouco mais da metade é composta de lixo orgânico, um quarto é feito de papel e papelão, e o restante é uma mistura entre plástico, vidro, metais e outros materiais. De todo o resíduo, a maior parte vai para aterros sanitários, aterros controlados e lixões – todas opções que deixam muito a desejar no quesito sustentabilidade. Apenas 2% do total do lixo brasileiro vai para a compostagem ou é reciclado.

A reciclagem, sozinha, também não é uma solução viável: reduzir o volume de lixo que a humanidade gera é uma medida ainda mais urgente. Alguns itens, no entanto, não são tão facilmente substituíveis. “Papel higiênico, camisinha e remédios são produtos sem muita solução: a gente precisa usar e depois jogá-los no lixo comum”, conta Cristal. “Pelo menos no papel higiênico estou dando um jeito: vou instalar uma duchinha lá em casa e diminuir seu uso.”

Pode parecer que decisões individuais tenham pouco impacto no cenário ambiental mundial, mas as meninas discordam. “Seria impossível voltar atrás agora que sei que esse estilo de vida é viável”, diz Cristal. Em média, um norte-americano produz cerca de 2 kg de lixo por dia. “Isso significa que, em três anos vivendo sem lixo, evitei que mais de meia tonelada de porcaria fosse produzida e jogada fora. Isso é uma diferença significativa, sem dúvida”, afirma Lauren. Discutir o meio ambiente e as possibilidades de sustentabilidade sempre foram assuntos favoritos das moças, então a mudança de hábitos faz todo o sentido – para elas e para o planeta.

Elas não estão sozinhas
Outras iniciativas para a redução da produção de lixo

Zero Waste Home >> A francesa Bea Johnson vive nos Estados Unidos com sua família, em uma casa que não produz lixo desde 2008. O blog foi um dos primeiros da internet a falar sobe a vida sem lixo. Seu lema são os cinco “R’s”: Refuse, Reduce, Reuse, Recycle, and Rot: Recuse, reduza, reutilize, recicle e apodreça.

The Trashtag Project >> O norte-americano Steven Reinhold começou esse projeto após se sentir culpado por ver um recibo de compras voar pela janela do carro. A hashtag criada por ele incentiva a limpeza coletiva de locais outdoor e é usada em selfies que mostram o lixo recolhido pelas pessoas.

Original Unverpackt >> Trata-se de um mercado inaugurado em 2014 em Berlim, na Alemanha. Nele, não há nenhum tipo de embalagem: os consumidores trazem seus próprios recipientes e se servem da quantidade que quiserem dos produtos. É a chamada “pré-ciclagem”: ela elimina o surgimento de resíduos e ainda ajuda no controle do desperdício.

TerraCycle >> Empresa norte-americana que cria produtos sustentáveis a partir de vários tipos de materiais de difícil reciclabilidade que não têm um destino adequado. O famoso corredor Scott Jurek enviou mais de 1.400 embalagens de barrinhas e géis para serem reciclados pela empresa após usá-los quebrando o recorde de velocidade na Trilha do Apalache, nos EUA, e começou uma campanha incentivando outros corredores a fazerem o mesmo.

Reduza você também
Dicas de Lauren e Cristal para você impactar menos o planeta

1. Antes de tudo, olhe para seu lixo. Ver com atenção o tipo de lixo que você produz e perceber de onde vem te ajudará a ir na direção certa na hora de reduzi-lo.

2. Uma atitude fácil e significativa é ter sempre na mochila um guardanapo de pano, um copo reutilizável e talheres. Comer fora de casa gera muito lixo e dispensar os descartáveis é um passo importante na diminuição da quantidade de lixo produzido.

3. Garrafas de plástico descartáveis (em especial as de água) são nocivas ao meio ambiente e facilmente substituídas por uma garrafa só sua, que você pode levar sempre consigo e encher muitas vezes com água ao longo do dia.

4. Sempre que possível, diga não a canudos de plástico: são desnecessários e altamente poluentes.

5. Compre alimentos a granel e em feiras livres, em vez de produtos industrializados e embalados. Leve um saquinho de pano ou potinho de vidro para acondicionar os alimentos.

6. Metade do lixo que produzimos em casa é orgânico. Ter uma composteira reduz bastante esse problema. Não é difícil de fazer nem deixa cheiro ruim, basta seguir as instruções. A composteira com minhocas produz adubo para as plantas e pode ser muito interessante e divertida para quem tem crianças em casa.

7. Comprar menos comida é uma das dicas mais valiosas das duas blogueiras. Fazer um planejamento contra o desperdício ajuda a reduzir a produção de lixo, além de economizar dinheiro.

8. Três produtos básicos e pouco poluentes são bem eficientes na hora da limpeza: vinagre de álcool (desinfetante), bicarbonato de sódio (abrasivo) e sabão de coco (para limpeza geral). Para aprender como usá-los, visite o blog umanosemlixo.com.