Gritos da floresta

O vasto acervo de áudios da natureza compilado por Bernie Krause revela uma triste verdade: sons selvagens estão desaparecendo rapidamente

Por Leath Tonino

O ECOLOGISTA NORTE-AMERICANO Bernie Krause, de 77 anos, ganhou fama ao se especializar em “paisagens sonoras”. Ao longo de sua carreira, ele já gravou onças na Amazônia, gelo se movimentando na Antártida, insetos no Zimbábue, tempestades em Bornéu e orcas no Pacífico. Bernie começou a estudar os sons da natureza aos 30 anos, antes de fazer doutorado em artes criativas – depois de duas décadas de sucesso como músico e produtor musical. Desde então, ele já viajou até as áreas mais remotas do mundo para captar uma coleção de sons que começou como um inventário de sinfonias complexas e únicas de cada ecossistema, mas acabou se tornando um jeito de documentar a biodiversidade – e, mais recentemente, a perda dela.

BARULHO VERDINHO: Há quase 50 anos o norte-americano Bernie Krause grava os ruídos da natureza (Foto: Ian Allen)
BARULHO VERDINHO: Há quase 50 anos o norte-americano Bernie Krause grava os ruídos da natureza (Foto: Ian Allen)

O arquivo de Bernie tem mais de 5.000 horas do que ele chama de gravações de hábitat inteiros. Para obtê-las, o estudioso monta um microfone protegido do vento em um tripé conectado a um gravador manual, e aí grava todos os sons ao redor. Mais da metade dos 3.700 hábitats representados no arquivo – desde o Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, até a Austrália e seu próprio quintal, em Glen Ellen, na Califórnia – está atualmente silenciosa, ou os sons que a compõem estão diminuiu drasticamente por causa de atividades humanas como mineração, desmatamento, caça, desenvolvimento urbano, tráfego aéreo, guerras e mudanças climáticas.

A Outside norte-americana conversou com Bernie logo após o lançamento de seu novo livro, Voices of the Wild: Animal Songs, Human Din, and the Call to Save Natural Soundscapes (Vozes Selvagens: Canções Animais, Barulho Humano, e a chamada para salvar paisagens sonoras, em tradução livre). No papo, ele falou sobre como a análise dos sons da natureza possibilita que examinemos mudanças que não somos capazes de notar de outra forma – e se essas paisagens podem estar próximas do ponto de desaparecerem para sempre.

OUTSIDE: O que é ecologia da paisagem sonora?
BERNIE KRAUSE: A maioria dos nossos escritos e pensamentos sobre o mundo natural é visual. Se é bonito, ou visualmente espetacular, então acabamos nos concentrando nisso. Temos a linguagem descritiva para esse tipo de reflexão. Mas possuímos poucas palavras para descrever em detalhes os sons que ouvimos quando andamos no meio da floresta. A ecologia da paisagem sonora é, de certa forma, uma resposta a essa falha. Trata-se do estudo do som que vem da paisagem – urbana, rural ou selvagem. Eu me concentro em lugares remotos e ainda não dominados pelo ser humano. Chamo isso de “biofonia”: todos os organismos que produzem sons em um ambiente determinado, soando juntos. Em um ambiente há também sons naturais que vêm das árvores, dos rios e do vento. Chamo os sons não biológicos de “geofonia”.

Em seu novo livro, você diz que as biofonias nos dão “inúmeros prismas pelos quais podemos perceber nossa relação com o mundo das criaturas não-humanas”.
É muito importante que comecemos a explorar esses prismas e o que eles têm a nos ensinar – e logo. A paisagem sonora natural é muito frágil e está desaparecendo rapidamente.

Que sons são os primeiros a desaparecer?
Geralmente os que fazem parte do que eu chamo de “segmentação”. Em um hábitat saudável, insetos, anfíbios, répteis, pássaros e mamíferos formam nichos acústicos, territórios sônicos estabelecidos para que suas vozes possam ser ouvidas sem interrupção de outras. Esses segmentos são críticos para sua sobrevivência. A coesão entre os segmentos começa a ruir em hábitats estressados, mesmo que apenas levemente. Por exemplo, existem madeireiras que acreditam que o impacto ambiental causado pelo desmatamento seletivo é quase inexistente, basta tirar uma árvore aqui e ali. Mas, se prestamos atenção aos sons dos organismos vivos que habitam um determinado ambiente, outra versão vem à tona. Se você consegue fazer uma gravação de referência antes do desmatamento seletivo e outra depois, percebe claramente as mudanças.

Você acha que a paisagem sonora pode se recuperar?
A paisagem sonora está sempre em um estado de fluxo. É por isso que você nunca vai ouvir o mesmo tipo de gravação mais que uma vez. Estou começando a acreditar que não importa o que nós, humanos, façamos, algo na natureza aparecerá para se ajustar às novidades e sobreviver. Mas provavelmente não seremos nós a ouvir de novo esses sons.

Que impacto a seca teve na biofonia perto da sua casa, na Califórnia?
Não houve absolutamente nenhum canto de pássaros nestes últimos verão e primavera no Vale da Lua, em Sonoma. Havia pássaros, escutei alguns chamados, mas nenhum canto.







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