De igual para igual

Homens e mulheres são iguais na hora de escalar? Do alto da rocha, Lucie Hrozová diz que não

A tcheca Lucie Hrozová faz a primeira ascensão de uma das vias de escalada mista mais difíceis do mundo e bota lenha na fogueira: em um esporte que exige tanta força física, dá para as mulheres competirem em pé de igualdade com os homens?

Por Mario Mele

A TCHECA LUCIE HROZOVÁ COMEÇOU o ano de 2016 na pegada. Em janeiro, ela foi a melhor entre as 11 mulheres que competiram no Ouray Ice Fest, no Colorado (EUA), evento que reúne os melhores escaladores de gelo da atualidade. E, de quebra, conquistou o terceiro lugar na categoria overall (entre homens e mulheres). Aos 27 anos, Lucie é bem conhecida na escalada mista (estilo que mistura gelo e rocha), além de ter ganhado 14 medalhas em copas do mundo de escalada em gelo. Mesmo assim, ela prefere aproveitar o inverno fora do ginásio e, após o Ouray, viajou para um setor de escalada em Vail (no Colorado) conhecido como The Fang Amphitheater. Foi lá, naquele mesmo mês, que a moça confirmou a boa fase também ao ar livre, realizando a primeira ascensão da via Saphira, uma das escaladas mistas mais difíceis do mundo.

Essa linha foi visualizada há dois anos por Standa Vrba, outro escalador tcheco. Mas Standa jamais conseguiu completar todos os movimentos em sequência até o topo da via. Dentro do enorme “anfiteatro natural”, a Saphira sobe por um trecho negativo de altíssimo grau de exigência física e técnica, até atingir respeitáveis 55 metros de altura. Para mandar a escalada do começo ao fim, Lucie treinou duro durante nove meses, utilizando piquetas específicas para gelo e rocha.

GELO E ROCHA: Lucia grudada na Saphira
GELO E ROCHA: Lucie grudada na Saphira

O nome da via é inspirado no dragão fêmea do filme Eragon. A escaladora se identificou porque, apesar de ser forte, a Saphira da ficção é inteligente, criativa e persistente. “Acho que força bruta não é suficiente para essa escalada”, explica. Lucie sugeriu grau de dificuldade M15- por achar essa via mais difícil do que a Ironman (M14+), na Suíça, que escalou em 2013. No entanto, como de costume na escalada, a rota ainda aguarda uma segunda ascensão para ter sua graduação confirmada ou corrigida.
Enquanto nada disso acontece, conversamos com a tcheca para tentar entender como uma mulher está levando vantagem sobre os homens em um esporte orientado, em grande parte, pelo vigor físico.

“Será difícil as mulheres superarem os homens nos rankings de escalada. Acredito que apenas em vias específicas, que exigem um pouco mais de elasticidade, por exemplo, algumas mulheres podem se dar melhor do que eles.”

“Escalar tem a ver mais com paixão do que com amor. Eu amo as pessoas, os animais, minha família… Prefiro dizer que escalada é uma paixão que me traz felicidade.

Não quero ficar pensando que ter escalado a Saphira foi algo grandioso. Na verdade, voltei do Colorado mais feliz por ter compartilhado momentos com pessoas incríveis, tentando fazer o meu melhor.”

“Ganhei medalhas em copas do mundo e realizei algumas primeiras ascensões femininas em escaladas em gelo e mistas, como nas vias Ironman, Low G Man e Bafomet. Mas há uma diferença entre competir e trabalhar em projetos ao ar livre, a começar pela velocidade: em competições, as vias geralmente são curtas, e você precisa ser rápido. Ultimamente tenho preferido escalar na natureza.”

“Não tenho nenhum segredo de treinamento. Quando sinto que preciso ficar mais forte, vou para a academia. Também faço ioga há 20 anos. Comecei a praticar com minha mãe, que tinha sofrido um grave acidente de parapente, e a ioga, que não era tão popular naquela época, ajudou-a na reabilitação.”

“Gosto de todo tipo de escalada, apesar de me dedicar mais à escalada mista. Também escalo um pouco em alta montanha – mais por diversão, porém já fiz rotas clássicas, como a Nordwand, no Eiger, na Suíça. Escalada esportiva só pratico no verão, mas é um estilo bem diferente para mim: se eu quiser mandar vias de graduação 10b (tabela brasileira), por exemplo, o nível máximo que já escalei nessa modalidade, tenho que seguir um treino sistemático. Daqui a 15 ou 20 anos, vejo-me praticando escalada em rocha com a minha família.

Sei que posso evoluir. Competições de escalada em gelo ainda são muito estressantes para mim, porque você pode facilmente escorregar e cair em cima de algum dos equipamentos, que são pontiagudos. Por isso é difícil eu me manter calma nesses eventos.”

Ascensão feminina

Três escaladoras que têm elevado o nível do esporte pelo mundo

> Mina Markovič
A eslovena de 28 anos compete desde 2001 e é uma das maiores colecionadoras de títulos no esporte. Mina, atual campeã da Copa do Mundo de Escalada na categoria “dificuldade”, é também bicampeã mundial overall, ao unificar os títulos de boulder e dificuldade.

> Akiyo Noguchi
Nome famoso nos principais campeonatos, Akiyo é tetracampeã da Copa do Mundo de Escalada em Boulder – marca igualada à da austríaca Anna Stöhr no ano passado. Mas a japonesa também tem projetos relevantes na rocha, como a ascensão do boulder Aguni (v12), em seu país natal.

> Jordana Agapito
A escaladora goiana, adepta do estilo de vida saudável, é bem mais forte do que a maioria dos homens em seu esporte. Em 2015, aos 27 anos, ela virou notícia ao se tornar a primeira brasileira a mandar um boulder de graduação v12 (Kalunga, localizado em Cocalzinho, em Goiás). Isso porque ela escala há apenas três anos.







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