Casinha de família

SUCESSO: Nicki e Randy pulam da casinha, quase pronta (Foto: Donna Werner)

Pai e filha constroem uma tiny house para passar mais tempo juntos, aprender um com o outro e ter uma morada móvel e sustentável

Por Fernanda Beck

Quando Nicki Bailey, de 26 anos, atendeu ao telefonema de seu pai, Randy, no final de 2014, ouviu uma ideia que, na hora, pareceu meio esdrúxula: ele havia comprado um trailer e queria a ajuda da filha para transformar a parte de cima do reboque em um navio pirata. “Sempre gostamos muito de festas de Halloween, e meu pai pensou no navio como nosso grande projeto para a data. Mas sugeri construirmos algo mais útil”, diz a educadora norte-americana. Foi assim que a família decidiu tentar a sorte construindo sua própria tiny house, tipo de casa de proporções tamanho mini que se tornaram parte de um movimento de “menos é mais” que já rola nos EUA há algum tempo.

OBRA: O interior de Paulie, durante as etapas finais do processo de construção (Foto: Nicki Bailey)
OBRA: O interior de Paulie, durante as etapas finais do processo de construção (Foto: Nicki Bailey)

Nicki viveu em São Paulo por dois anos, trabalhando para a organização Outward Bound Brasil, quando recebeu o telefonema do pai e se mudou de volta para seu país para tirar a casa do papel. “Pensei muito na hora de decidir o que fazer, pois adorava morar no Brasil. Porém não queria perder a oportunidade de construir algo tão legal com meu pai e aprender muito do que ele sabe.” Randy, de 55 anos, é carpinteiro, trabalha em construções há quase 40 anos e adorou a ideia de construir a casinha com a filha. Durante a infância e a adolescência, Nicki chegou a acompanhar o pai em algumas obras, mas nunca aprendeu realmente o ofício. “Acho que agora ela desenvolveu habilidades importantes para construir casas e vai levar isso consigo para a vida toda” diz Randy, todo orgulhoso.

PRONTO PARA RODAR: A casa itinerante, e a picape que a transporta (Foto: Nicki Bailey)
PRONTO PARA RODAR: A casa itinerante, e a picape que a transporta (Foto: Nicki Bailey)

Na contramão de casas maiores, com cômodos espaçosos e material caro, o Tiny House Movement propõe moradias compactas, muitas vezes portáteis, com poucos elementos e recursos sustentáveis. Essas construções funcionam mais como um refúgio para uma vida ao ar livre do que como um lugar no qual você se isola do mundo. Além disso, há também a vantagem financeira de morar em uma casa bem mais barata e de manutenção simples. “O preço para morar em grandes cidades ou ter uma casa no campo está cada vez mais alto. Por isso uma tiny house é um jeito bacana de não excluir as pessoas com menos grana do prazer de usufruir de uma vida ao ar livre”, diz Nicki. Apesar de custar mais barato do que uma “de verdade”, uma mini-casa precisa de um projeto bem organizado, para que os custos não saiam do controle ao longo das obras. “Com certeza gastamos mais do que o planejado com material, apesar de termos reutilizado várias coisas”, diz Nicki. “Também computamos todas as nossas horas de trabalho: minhas, do meu pai e de todos os amigos que ajudaram em algumas partes. Isso tudo tem um custo que as pessoas muitas vezes se esquecem de pôr na conta”, completa.

ACONCHEGANTE: Detalhe do interior de Paulie (Foto: Reprodução Facebook Nicki Bailey)
ACONCHEGANTE: Detalhe do interior de Paulie (Foto: Reprodução Facebook Nicki Bailey)

Quando pai e filha começaram a conversar sobre a ideia, Randy ainda não conhecia o conceito das tiny houses. Por sorte, em pouco tempo aconteceria um workshop da Tumbleweed perto de Boulder, onde fica a casa dos Bailey. A empresa norte-americana foi uma das primeiras a oferecer plantas de tiny houses no mercado e hoje é referência na área. O workshop mostrou a Randy o mundo e a comunidade das casinhas, convencendo-o de que o projeto era ótima ideia. Nicki e Randy passaram os 18 meses seguintes dedicando quase todo seu tempo livre na idealização e construção de Paulie, o nome que deram à morada móvel, em homenagem a um amigo querido que morreu uns anos atrás. “Assim que desembarquei em Denver, voltando do Brasil, começamos a trabalhar”, conta Nicki.

As obras rolaram no celeiro de vizinhos, que cederam o espaço para que os trabalhos pudessem continuar durante o inverno rigoroso da região. A dupla comprou uma planta pronta, e Randy a adaptou para dar uma cara mais pessoal ao projeto, personalizando a casinha com materiais reciclados de outras casas, incluindo madeira, janelas e pequenos detalhes apropriados de lugares e pessoas queridas. “Um dos melhores aspectos foi poder criar detalhes artesanais, artísticos, muitas vezes com a ajuda de amigos. Não posso pensar nesse tipo de coisa quando estou trabalhando na encomenda de um cliente”, explica Randy. Amigos também contribuíram com detalhes pessoais, como o estofado costurado à mão e uma janela em formato de sol que enfeita a parte de cima da porta de entrada. “Construindo a casa, descobrimos um senso de comunidade muito forte, tanto das pessoas que são adeptas das casinhas quanto de nossos amigos, que quiseram fazer parte dessa ideia”, diz Nicki.

Deixar a casa pronta para pegar a estrada foi a grande dificuldade encontrada pelo time de pai e filha na hora de construir Paulie. “Apesar de termos experiência e conhecimento do assunto, não sabíamos nada sobre o que uma casa precisa ter para poder viajar a 90 km/h”, explica Nicki. Entre o chão e o reboque que a sustenta, foi necessário, por exemplo, instalar suportes que amenizam o balanço do veículo e os buracos da estrada. As partes elétrica e hidráulica também se revelaram um desafio na hora de tirar as instruções do papel e transformá-las em estruturas funcionais. “Deve ser fácil se você é engenheiro elétrico”, diz Nicki. “Está tudo no papel e parece muito simples, mas na verdade não é assim tão óbvio.” Com o teto, o processo foi diferente: muitas horas para descobrir como exatamente erguer a estrutura e apenas duas para que tudo ficasse pronto.

PLANEJAMENTO: A planta inicial para Paulie, um desenho adaptado do projeto original por Randy (Foto: Randy Bailey)
PLANEJAMENTO: A planta inicial para Paulie, um desenho adaptado do projeto original por Randy (Foto: Randy Bailey)

Paulie está quase pronto, faltam só alguns detalhes da decoração e acabamento. Seu futuro ainda é incerto, porém Nicki pretende levá-la para Montana e morar nela durante o próximo verão. “Não dá para viajar com a Paulie toda hora, pois isso tem um custo. Acho importante reduzirmos nosso consumo de energia, e morar em uma tiny house vai me ajudar nisso. Também é ótimo saber que não preciso contar com a estrutura de um prédio ou condomínio para ter tudo de que preciso, não importa onde eu for”, diz.

Depois da temporada, é possível que Paulie e Nicki viajem juntos mais algumas vezes, antes de pensar em alugá-la ou vendê-la para outra pessoa. A construção da minicasa estreitou a relação entre Nicki e o pai, e deu a ela um pequeno lar móvel para explorar o mundo. Uma opção feita sob medida para quem sonha com um lugar próprio, mas sabe que o mundo é a sua casa.







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