EMA Reloaded

 

alexandre freitas
Alexandre Freitas, criador da EMA e pai da corrida de aventura no Brasil

Nove anos depois de quase perder a vida para uma bactéria ultrarresistente, Alexandre Freitas, o homem que trouxe a corrida de aventura para o Brasil, está de volta. Mais uma vez, ele promete injetar novo ânimo no esporte outdoor nacional


O CRIADOR: Organizador do EMA, Alexandre Freitas promove em novembro
uma nova versão da prova

Por Maria Clara Vergueiro

Antes de as corridas de aventura chegarem oficialmente ao Brasil, já havia um capitão disposto a conduzir equipes e definir os caminhos da modalidade por aqui. Encantado com as experiências vividas em provas desse tipo na Nova Zelândia, o então empresário paulista Alexandre Freitas, hoje com 49 anos, arregaçou as mangas e apostou suas fichas na primeira versão canarinho de uma competição multiesportiva. Nascia assim, em 1998, a lendária Expedição Mata Atlântica (EMA), que em quatro edições reuniu alguns dos momentos mais emblemáticos da aventura no país.

Depois de inaugurar o esporte em solo nacional, fundar a Associação Brasileira de Corrida de Aventura, realizar quatro EMAs e mais 20 provas curtas, Alexandre teve de interromper abruptamente seus projetos. O responsável por tirá-lo de cena foi um parasita chamado Angiostrongylus Cantonensis, que usa caramujos como hospedeiros para depois infectar peixes, verduras cruas e água. Uma vez no organismo de um ser humano, ele pode provocar vômitos, diarréia e mal-estar. Em alguns casos, entra no sistema nervoso, com risco de morte ou danos irreversíveis. Entre os 400 atletas que participavam da edição de 2002 do Eco-Challenge, nas ilhas Fiji, três foram contaminados pelo parasita. Dois não sofreram maiores prejuízos. Mas Alexandre teve a medula invadida pelo bicho, que procriou ali mesmo e provocou um tipo forte de meningite. “O bichinho causou bastante estrago”, resume hoje Alê, como é mais conhecido pelos amigos.

O efeito avassalador da doença implicou a perda da audição, da fala, da visão e dos movimentos involuntários. Ale foi desenganado pelos médicos mais de uma vez. Mas com um esforço fora do comum e todos os recursos disponíveis – de células-tronco a muita fisioterapia –, conseguiu recuperar 50% da visão, boa parte da audição e alguns movimentos. Fala com a ajuda de uma válvula e ainda se alimenta em grande parte através de uma sonda. Graças a muita dedicação, hoje é capaz de andar com apoio na esteira ergométrica, pedalar com os enfermeiros num triciclo especial e até sentir o sabor de alguns alimentos – mastigando a comida envolta um pedaço de gaze.

A consciência e o raciocínio afiado foram poupados e se mantêm intactos. Com a cabeça como principal aliada, ele tem sido capaz de “tocar adiante”, como costuma dizer. Lê três jornais por dia, participa da rotina dos filhos – Amanda, 12, e Rodrigo, 10 – e administra o patrimônio conquistado como investidor nos tempos do banco Síntese, fundado por ele e vendido em 1999 quando decidiu se dedicar às corridas de aventura. “Aos 36, troquei o banco pelo EMA. O primeiro evento saía de Paraíbuna e chegava em Ilhabella, somando 220 quilômetros em três dias. Assim que montei essa prova, tive certeza que queria fazer aquilo pelo resto da vida”, lembra.

Ao longo dos últimos anos, ele garante que não deixou de pensar um só minuto no dia em que voltaria a realizar provas de aventura. Mas foi de três meses para cá que ele tirou do papel sua mais nova cria: o EMA Mix Terra. Em comum com o evento que o consagrou, só mesmo o nome. A nova competição, que acontecerá em Itu (SP) em novembro, vem em formato diferente – serão 14,5 quilômetros corrida de montanha e 25,5 quilômetros de mountain bike, sem equipes de apoio, técnicas verticais, canoagem ou orientação. Esse último detalhe é conseqüência direta da doença. “Para mim, a parte mais legal de uma prova de aventura é a orientação. Mas, como hoje enxergo muito mal, não consigo ler os mapas”, explica Alexandre. Se tudo der certo na estréia, a nova prova deverá ter três etapas em 2012.

Assim como aconteceu na primeira competição que organizou, o EMA Mix Terra não tem outro idealizador ou patrocinador além dele próprio. “Vou ver isso mais para frente”, diz Alê, de olho no filho que joga bola no gramado dos fundos da casa, na zona oeste da cidade de São Paulo. Rodrigo foi a principal inspiração de Alexandre, que deseja passar ao menino o espírito outdoor que ainda preserva sob o corpo fragilizada pelos efeitos de uma fatalidade. “Estou fazendo isso para o Rodrigo. Quando eu voltei de Fiji, ele tinha só 1 ano, nunca teve outro pai que não este aqui que sou hoje. Organizar uma nova prova é a minha maneira de proporcionar a meu filho as experiências que tive no passado”, conta.


REMEM: Atletas remam em edição do EMA

Conhecido por montar provas duras e extremas, Alexandre segue defendendo que as corridas de aventura não oferecem riscos maiores do que viver numa grande cidade. O melhor amigo, o administrador de empresas Eduardo Coelho, que estava com Alexandre no fatídico Eco-Challenge, lembra de vê-lo assumindo a responsabilidade de seguir na competição apesar da infecção intestinal que o acometeu logo no início da prova em Fiji. “Esse é um dos perigos da motivação extrema: o corpo está detonado, mas quem manda é a cabeça. Temos uma força mental muito maior que a do corpo. Isso é, ao mesmo tempo, uma virtude e uma armadilha”, avalia Coelho, que é, depois dos pais e dos filhos (que moram a poucos metros, com a mãe) a visita mais frequente na casa de Alexandre.

Os funcionários que participam de suas atividades diárias também entraram para o time dos amigos. Fábio Branco é o fisioterapeuta que acompanha as evoluções dele há oito anos. Hoje também assumiu a função de cuidar das contas da casa. O angolano Edgar Suquina é técnico de enfermagem e acaba de se formar em administração de empresas. Trabalha há seis anos com Alexandre e conta que eles são uma equipe tão azeitada quanto as que se formam para correr provas longas, como a Raid Gauloises, na qual Alexandre terminou em oitavo lugar em 2002. Outros dois profissionais se revezam para dar conta da batalha diária de Alexandre, que inclui quatro horas de fisioterapia e duas horas de pedal, além de fonoterapia e terapia ocupacional quatro vezes por semana. “Perseverança, pragmatismo, objetividade e influência são as marcas registradas dele. Nós aprendemos muito com o Alê”, conta Fábio.

Essas características foram decisivas quando ele chegava a pequenas cidades do interior brasileiro querendo armar um “circo” de 300 pessoas para fazer as primeiras corridas de aventura. Para falar com governadores e conseguir licença para passar por parques estaduais, Alê diz que não há arma melhor que a paixão. “Naquela época, já sem o banco, eu não era mais um cara que se pudesse considerar influente. Não tinha ninguém fazendo aquilo, então eu precisava explicar o que era uma corrida de aventura, que minha intenção não era devastar as regiões e que aquilo iria ajudar o turismo local.”

O trajeto escolhido para o EMA Amazônia 2001 era completamente selvagem, sem qualquer estrutura para dar suporte ao que Ale planejava: ele pretendia desembarcar ali com 200 atletas, além de toda a mídia que faria a cobertura. “Consegui com o governo do Estado a permissão para instalar as pessoas em redes ou no chão mesmo. No final, inauguraram 40 quilômetros de luz elétrica e construíram moradia para 50 famílias ribeirinhas”, lembra.

Em 1997, quando correu o Coast to Coast, na Nova Zelândia, considerada a primeira corrida multiesportiva do mundo, Alexandre descobriu os ingredientes que fazem uma prova que ele considera perfeita. Passou frio, sofreu bastante e saiu de lá com uma receita que aplicou em todas as competições que realizou depois. “Percebi ali que o Brasil era ideal para aquele tipo de esporte, porque ainda era um país pouco explorado. O segredo para uma corrida bem-sucedida é encontrar um lugar bonito, intocado e com água abundante”, ensina.


Sergio Zolino, criador de um dos principais circuitos de aventura do país, o Adventure Camp, aprendeu com Alexandre logo no início. “O Alê me contratou para formatar o trecho de trekking do primeiro EMA. Peguei minha caminhonete S-10 sem tração e me mandei para Ilhabella com a missão de dar a volta na parte sul da ilha. Era um caminho intransponível, a pé ou em qualquer veículo. Fui sozinho, me perdi à noite, foi aventura total”, diverte-se Zolino, que se diz ansioso para ver o EMA Mix Terra acontecer. “É uma mistura de corrida de aventura com duathlon. Como não terá orientação, acho que vai agradar aos triatletas que gostam de mato, mas detestam se perder”, diz. A prova também deve formar novos corredores de aventura, já que na maioria dos outros países primeiro os atletas participam de provas multiesporte para depois encarar competições que envolvem também remo e mapas.


Mesmo sendo um visionário, Alexandre tem se concentrado no presente. Percebe as mudanças no universo outdoor sem fazer maiores previsões. “Vejo muito mais gente correndo no parque hoje do que há nove anos. As pessoas estão treinando mais. Por outro lado, não sei como a corrida de aventura se manterá viva nos próximos anos, porque é um esporte caro, que exige muitos equipamentos”, diz. Mas o futuro, ele bem sabe, é incógnito. “Você pode me visitar daqui a um mês e me ver andando. Ou pode ser que eu passe o resto da vida numa cadeira. Não tenho como saber o que acontecerá.” Independentemente dos resultados, ele segue investindo. Nele próprio e no futuro da aventura.


RECORDAÇÕES: Cenas da corrida de aventura EMA que teve quatro edições

VAI NESSA

EMA Mix Terra

Local: Itú (SP).

Data: 20 de novembro de 2011.

Percurso: 14,5 km de corrida de montanha e 25,5 km de mountain bike, em um percurso que formará um “8” perfeito, começando e terminando no mesmo ponto.

Equipes: Compostas por dois competidores, que deverão fazer o percurso juntos, nunca ultrapassando a distância máxima de 100 metros um do outro. Não há equipe de apoio, e cada dupla será responsável por levar sua própria comida e bebida.

Orientação: O percurso será todo demarcado, com sinalização a cada 200 metros.

Inscrições: de 01/08/2011 a 31/10/2011, limitadas a 300 equipes. O valor das inscrição é de R$ 250 por equipe.

Premiação: R$ 20 mil em prêmios, sendo R$ 3 mil para as primeiras duplas masculina, feminina e mista.

Mais informações: No site da prova, a ser lançado em breve.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2011)

 







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