O montanhismo encurta distâncias


NO CUME: Nosso colunista Parofes, no cume do Mont Blanc

Por Paulo Roberto, o Parofes, do Alta Montanha

Parece uma afirmativa meio sem sentido, longe disso. No decorrer deste texto o leitor terá consciência de que o velho ditado de Maomé (“Se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha”), que surgiu por causa de uma situação de cunho religioso, na verdade carrega consigo na comunidade de escaladores e alpinistas um sentido diferente, essencialmente social. Uma verdadeira globalização do montanhismo como um todo.

Diz a lenda que Maomé, profeta fundador do Islamismo que pregava a simplicidade, foi desafiado em uma determinada situação em que tentava converter um grupo de árabes. Os árabes disseram que, se de fato ele tinha a graça divina, que movesse o monte Safa (na atual Arábia Saudita) até perto de si. Maomé tentou, mas nada conseguiu. Sábio, disse que Alá não atendeu seu pedido, pois sabia que, se movesse a montanha para perto de seus súditos, poderia matá-los. Assim Maomé foi até a montanha. Nasceu o ditado conhecido até hoje no mundo todo.

Ironicamente montanhistas estão muito mais relacionados com o ditado do que se pensa.

Mochileiros, futuros montanhistas

Não é regra, mas muitos mochileiros de primeira página tornam-se montanhistas da página dois em diante. Qual é a intenção de mochilar? Viajar a baixo custo, conhecer culturas, gastronomias, monumentos, vidas e costumes de um país. Nós, sul-americanos, somos muito bons nisso, senão os mais ativos. Mochilar é conosco mesmo. Temos diversos países, muita cultura e gastronomia para conhecer, temos maravilhas do mundo e proximidade favorável que, dependendo do país objetivo, nem precisamos de ponte aérea. Não preciso ir muito longe para explicar isto, eu mesmo fui exclusivamente mochileiro de meus 18 anos até os 29 quando entrei no montanhismo por um acaso da vida, enquanto mochilava por quatro países da América do Sul. Ainda me considero um mochileiro, mas também sou montanhista.

Qual mochileiro nunca bateu papo pela internet com algum amigo de outro estado brasileiro ou outro país sul-americano (ou fora do nosso continente) e marcou de se hospedar para reduzir o custo da viagem? Qual mochileiro nunca usou ou ouviu falar de couch surfing? Qual mochileiro não dorme em albergues ou campings? Diabos, eu já dormi na rua em cinco estados brasileiros e pelo menos quatro países!

Conclusão: mochilar encurta distâncias porque promove relacionamentos interpessoais entre pessoas de diversas idades de países e continentes diferentes.

Montanhismo como fator de coesão social

O montanhismo gerou certa identidade social para os montanhistas. Ser montanhista é “legal”. Usar roupas próprias para a atividade é interessante. Equipamento bom é muito interessante, só nós sabemos o quanto. Da mesma forma que o montanhismo estimula em certo ponto de vista o consumismo, também é um importante fator que reduz distâncias.

Você, montanhista brasileiro, se satisfaz em fazer trekking ou escalar montanhas só no Brasil? Mesmo que responda positivamente, rebato com outro questionamento: Quando vai à montanha como Maomé foi, gosta de fazê-lo sozinho? Vou refinar ainda mais a pergunta: não é legal quando encontra na montanha, trilha ou acampamento, algum conhecido, mesmo que nunca o tenha visto pessoalmente? Sim! Sei que a maioria esmagadora faz o máximo que pode em território nacional e depois disto o próximo passo é tentar mais, se esforçar mais: Andes! Como o montanhista brasileiro vai aos Andes? Modelo de mochilagem. Coloca tudo que dá na mochila, ou nas mochilas, e pega a estrada.

Quando você planeja sua viagem, como faz? Normalmente procura fóruns, tópicos no mochileiros.com, Facebook, envia um e-mail para o altamontanha.com com sua dúvida. Você vai buscar na internet o croqui da via de escalada, vai baixar o arquivo e passar para seu GPS. O mais interessante é que, se você tiver um amigo ou um correspondente no país que planeja ir, provavelmente vai tentar marcar de escalarem juntos. Hoje isso já é tão normal que pode até ser chamado de “procedimento”.

Digo isso porque eu me sinto assim e sei que muitos de nós (a grande maioria, presumo) sentem a mesma maneira. É realmente um barato trocar e-mails durante meses com alguém, seja por Orkut, Facebook, blog, Flickr, qualquer modalidade de rede social, e depois de todo este tempo ter a oportunidade de conhecer o outro em carne e osso, trocar experiências, falar de montanha, equipamentos, comida na montanha… Isto tudo é muito legal. Aliás, é só o que eu faço quando estou na montanha. Faz parte da minha identidade social constituída.

Quantas vezes você parou para refletir sobre o montanhismo e nossa interação com a natureza e o outro? Somos muito sociáveis e comunicativos, sempre críticos por natureza, por vezes deveras politizados e até soltamos faísca de vez em quando por divergência de opiniões. Faz parte.

Quando foi que alguém te reconheceu na montanha e isto te irritou? Aposto que não te irritou, você curtiu. Se no momento houvesse um “curtímetro” do facebook interativo acho que você clicava nele! Eu sou um montanhista “ainda no berço da atividade”, mas já fui reconhecido na montanha na Bolívia, na França e no Equador. Fácil de se explicar, utilizo meios de comunicação de massa para expor minhas aventuras, compartilhar minhas experiências e fotografias. É fácil ser reconhecido quando se é brasileiro, filho de portuguesa e com feições faciais que lembram o Oriente Médio. Eu aposto que se algum dia você estava na montanha mesmo que sem fazer nada, acampado, alguma pessoa passou ali e te chamou, perguntou se você era o fulano de tal e você confirmou, você se sentiu um tanto quanto orgulhoso certo? Aposto que sim. É gratificante! É um sentimento bom, confortante. Já passei por isso um monte de vezes e sempre sinto aquele arrepio no ante-braço quando me perguntam “Você que é o Parofes?”.

Conclusão: O Montanhismo enquanto atividade de interação homem x natureza, reúne constantemente no mesmo local indivíduos com o mesmo objetivo. Por muitas vezes estes indivíduos se conhecem, seja virtualmente (tornando-se conhecidos na realidade, pessoalmente), seja pessoalmente (reencontro). Estes indivíduos interagem, tornam-se amigos (ou não, entretanto na maioria sim), marcam novos encontros, novas escaladas, viagens. É viável então afirmar que o montanhismo fomenta a coesão social.

Meios de comunicação em massa: Internet, portais e blogs

A internet é indubitavelmente o meio de comunicação em massa carro chefe para o montanhismo. Dentre o elenco de portais que são utilizados destacam-se muitos, cada qual de seu país, cada qual com um visual diferente, mas todos com informações muito, muito similares.

Aqui no Brasil existem diversos, dentre os maiores e de mais visitação temos o próprio altamontanha.com, o blog de escalada e tantos outros blogs. Aqui e nos diversos sites encontramos informação para nossa atividade, temos artigos, artigos técnicos sobre equipamentos, relatos, entrevistas, notícias, páginas sobre montanhas específicas, indicação de serviços, indicação de lojas de equipamentos, informação fotográfica, informação filmografada, páginas com artigos Históricos e sobre personalidades do montanhismo mundial. A quantidade e qualidade de informação é impressionante. Temos até uma página específica para informação de montanha e download de arquivos para Google Earth e GPS, o RUMOS.

Fora do Brasil, assim como aqui, cada país tem seu elenco de portais ou sites que de maneira similar fazem o mesmo trabalho. São tantos de destaque que fica até complicado citar todos. Entretanto, um deles se destaca absurdamente, pois apesar de ter iniciativa norte-americana, tornou-se um ícone de informação em montanha. É o famoso summitpost.org.

Portal de conteúdo voluntário, 100% elaborado e publicado por membros que não recebem nada por isto, assim como o altamontanha.com o trabalho é voluntário. O site acumula o impressionante número de 54.000 (cinqüenta e quatro mil) membros. Este número cresce dia após dia. A quantidade de visitas mensais do portal é astronômica, chega aos sete dígitos.

Observando os tópicos o que mais vejo é montanhista tentando marcar escalada ou trekking com montanhista. Troca de informações de montanhas, de rotas…Isso é muito comum lá. Os tópicos que mais acontecem são de informações sobre condições de rotas, gelo e equipamentos. Outra coisa, esta um pouco triste e é muito comum ser observada no portal. Como a projeção do site é gigantesca e o número de membros é muito grande, constantemente ficamos sabendo do falecimento de um membro do site. Praticamente um por mês perde a vida nas montanhas em algum lugar do mundo. Bem, fácil de se compreender. Muitas pessoas têm medo de voar, mas mesmo registrando todos os acidentes aéreos, quando comparados ao número de pousos e decolagens por dia no mundo todo, a estatística de acidentes fica irrisória.

Comparando o número de membros do site com o número de saídas à montanhas que fazem semanalmente, comparando com o número de abertura de rotas técnicas, condições de gelo, aquecimento global, tempestades, imprudência e etc, ainda assim, o número de mortes é muito baixo. Quando acontece, um tópico é aberto com a nota de falecimento do membro e muitos de nós comentamos neste tópico. Nos últimos 12 meses pelo menos três que eu conhecia virtualmente morreram nas montanhas. Conhecer de votar nas contribuições, de trocar comentários em fotos, mensagens.

Conclusão: Meios de comunicação de massa também são uma importantíssima ferramenta de coesão social no mundo do montanhismo em geral. É de se registrar que, provavelmente, atualmente, seja o mais importante de todos. Hoje, é muito mais comum conhecer pessoas primeiro no virtual e depois no real.

Admiração ao natural, consciência ecológica e afins

Qual é o montanhista ou mesmo eco turista que não fica boquiaberto admirando um belo pôr de sol na montanha, na serra, no canyon, na cachoeira, seja lá onde for? Qual é o montanhista ou eco turista que não fica feliz e faz fotos divertidas quando chega ao topo de uma montanha, ou quando termina uma longa travessia?

É constatação empírica que o homem admira as montanhas há milênios. Independentemente de quem observa, uma bela montanha como o Agulhas Negras impressiona. Diversas vezes observei no Parque Nacional do Itatiaia turistas vindos de diversos estados brasileiros passando ao lado do Abrigo Rebouças só pra fotografar a montanha: “Aquele ali que é o Agulhas Negras? Nossa que incrível!” escutei dúzias de vezes.

Está na moda a consciência ecológica. Mesmo que não se importe com isso, é capaz de um indivíduo praticar separação de lixo porque está na moda ou é o que todos fazem em seu condomínio. Organizações não Governamentais que lutam pela consciência ecológica estão na moda com uma grande diferença: Nestas ONGs os membros (suponho e gosto de pensar que sim) são mais informados e de fato pensam ecologicamente, utilizam de subsídios diversificados para realizar suas palestras, manifestações, paralisações, divulgações.

O grande problema aqui no Brasil é que se confunde consciência ecológica com medidas proibitivas. As Unidades de Conservação e direções de Parques Nacionais em nosso país não praticam conscientização com o público que freqüenta caminhadas, trekkings e escaladas dentro dos limites dos parques. Pelo contrário, proíbem.

Pergunto, como pode o homem admirar, contemplar e por conseguinte respeitar a natureza e tudo a que se relaciona, se ele é impedido de ver e desfrutar do ar puro que tais locais proporcionam?

Ironicamente, penso que é um tiro que sai pela culatra. A admiração ao natural une famílias que fazem campismo e gostam de desfrutar de um contato com o verde sem os problemas que uma grande metrópole nos causa. Grupos de amigos marcam travessias e trilhas, escaladas, acampamento e conquistas de vias de escalada. Festas de abertura de temporada de montanha aqui no Brasil são comuns em cidades diferentes.

Penso que as proibições só geram mais tentativas. Penso que as proibições só reforçam mais ainda os pequenos grupos sociais representados pelos clubes, associações e federações e montanhistas independentes como este que vos escreve a brigar pela reabertura dos locais fechados, autorização para camping e pernoite dentro dos parques. Medidas proibitivas são soluções paliativas das administrações que só causam revolta e mais união dos praticantes de montanhismo e admiração ao natural no geral, com o objetivo de reconquistar o direito de ir e vir, previsto na constituição brasileira de 1988, vigente até a presente data.

Conclusão: A admiração à natureza e tudo que nela está associada à consciência ecológica e, ironicamente, às medidas proibitivas que constantemente sofremos, só reforçam a coesão social entre nós, seres sociais, que almejamos nossa liberdade incondicional.

Conclusão final

Acredito que tenha ficado claro que, apresentadas as reflexões deste mero montanhista independente brasileiro de curta carreira, amante incondicional da natureza e de todos os aspectos que compõem a elegância inegável das montanhas e vales, verdes ou brancos, a montanha enquanto objeto objetivo dos mochileiros, montanhistas, alpinistas, trekkers, campistas, fotógrafos e eco turistas, atrai as pessoas a um mesmo local e, o fazendo, é invariavelmente um fator de coesão social de importância incalculável.

Dadas as justificativas apresentadas no decorrer do texto, sejam elas devaneios solitários ou não, possuem fundamentação argumentada em análise social e, portanto, é seguro dizer que: As montanhas encurtam distâncias.

Sabemos que a montanha não vem até nós, vamos às montanhas!

O site Alta Montanha é um portal especializado em montanhismo.







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