Em um artigo, o montanhista brasileiro Pedro Hauck refletiu sobre os desafios psicológico exigido por uma escalada em alta montanha. Como guia, ele costuma ter o mesmo trabalho de um psicólogo, só que nos ambientes mais inóspitos do mundo, onde o ar é rarefeito, a temperatura é negativa e conforto praticamente não existe. E, com diversas experiências acumuladas, Pedro já esteve na montanha com pessoas de diferentes personalidades. Por isso suas considerações são pontuais.

CUME: Pedro nada abalado no cume do Famatima, Argentina, apesar dos -40ºC e ventos de 75 km/h (Foto: pedrohauck.net)

“Acredito que o que mais leva as pessoas a desistirem de escaladas em alta montanha são os fatores psicológico e emocional. A montanha é um ambiente solitário, cheio de desconfortos e incertezas”, diz.

Separamos a seguir um trecho deste artigo, que certamente vai te ajudar no próximo ataque ao cume.

A montanha versus a alta montanha

“Em um montanha de altitude elevada, se gasta muito mais tempo para escalar comparado às ascensões em montanhas mais baixas. A aclimatação é um processo demorado, e boas noites de sono são fundamentais. Mas ficamos desconfortáveis com o frio e com a posição horizontal do corpo, que só piora a circulação sanguínea. E passar uma noite às claras, com dor de cabeça, gera pensamentos negativos e aumenta a angústia, um sentimento que você não quer ter, especialmente em um lugar isolado, longe das pessoas que você mais gosta. A incerteza em relação ao meio é uma constante, sobretudo em locais menos conhecidos e frequentados. Isso é um peso muito grande no emocional das pessoas.”

A “síndrome do retorno imediato”

“A angústia nos faz sentir falta das pessoas que gostamos e, consequentemente, temos vontade de voltar para casa. Planos são facilmente frustrados na montanha, que é um ambiente indominável. Ao invés de esperarmos uma melhor chance, por exemplo, somos facilmente seduzidos por regressar sem ao menos tentar um ataque ao cume. Lembre-se de que a montanha é um lugar que exige paciência, e você precisa estar aberto a rever seus planos de escalada de acordo com as condições meteorológicas e seu estado físico. Um tipo de desistência comum é ocasionado por essas expectativas. Há pessoas que cortam caminhos e, para resolver isso de uma vez, decidem abandonar a montanha. Esta solução imediata é algo que chamo de ‘síndrome do retorno imediato’, cujo principal sintoma é querer eliminar as barreiras que existem entre você e a sua casa.”

O significado de “conforto do lar”

“Sua casa é o seu ninho de segurança. É lá que você tem tudo o que te faz bem: seus entes queridos, sua cama, seu banheiro… Por outro lado, a montanha é fria, venta demais, é solitária e desconfortável. Mas é preciso familiarizar-se com a montanha e com a sua barraca para se sentir minimamente confortável e abstrair o significado de lar por um tempo. É uma tarefa difícil para muita gente, mas é um treino mental importante. Assim como é importante treinar que sua casa – e não a sua barraca – é o seu lar. Porque quando você voltar à civilização, pode viver a síndrome inversa, algo que já deixou montanhistas loucos.”

A solidão

“Já vivi momentos incríveis na montanha quando estava sozinho. Esse tempo é importante para reflexão e autoconhecimento. Também é comum nos sentirmos sós em uma expedição com outros companheiros. Um sintoma comum desta solidão é nostalgia. Você sente saudade de coisas do dia a dia só porque não as tem na montanha.”

Responsabilidade

“Quando integramos uma expedição comercial, transferimos toda a responsabilidade para o guia. Isso conforta bastante as pessoas, que não se preocupam com a parte logística da escalada. Por outro lado, os guias carregam muita responsabilidade. É por isso que expedições na alta montanha devem ser lideradas por pessoas com muita experiência: para que eles tenham todas estas questões bem resolvidas e não transfiram a negatividade para seus clientes. Em minha experiência como guia, noto que isso faz toda a diferença no sucesso de uma expedição.”

A “síndrome do herói”

“Montanhismo é uma atividade que desperta o sentimento de heroísmo. Mas você não está competindo com ninguém, exceto consigo mesmo – e o tempo todo. Talvez seja por isso que, quando chegamos ao topo de uma montanha virgem, dizemos que a “conquistamos”. Culturalmente, o montanhismo é muito ligado à vitória e à glória, e o fracasso é sempre narrado de uma maneira catastrófica. No meio empresarial, a analogia pode ser benéfica. No entanto, pessoas frustradas em suas vidas privadas ou profissionais nunca devem querer usar o montanhismo para provar algo a alguém. Ninguém é melhor ser humano ou profissional por que escalou uma montanha. E outra: a montanha é um ambiente incerto e perigoso, e quem quiser tentar provar algo é um forte candidato a morrer lá em cima. Aí vai uma dica: não escale para provar algo nem para competir. Muitas pessoas enlouquecem por conta disso. Escalar uma montanha não é um ato heroico, mas sim uma superação pessoal – para alguns, uma superação esportiva.”

Fórmula certa

“Não existe receita para superar os desafios psicológicos e emocionais na alta montanha. Muitos brasileiros desistem no meio da escalada de montanhas como o Aconcágua exatamente por falta de aclimatação emocional. Como lá existem estatísticas – e a língua afiada dos guias –, histórias de brasileiros desesperados, que voltam correndo para casa, são muitas. Portanto, identifique os pontos fracos em sua personalidade e tente resolver isso internamente para não ser mais um desses.”

Trecho adaptado de artigo originalmente publicado pelo site Alta Montanha. Leia aqui.

 







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