O vôo da vida


PARA O ALTO E AVANTE: Rodrigo Ranieri sobrevoa o vale onde fica a cidade de Chamomix, nos Alpes franceses

Por Fernanda Franco

“SÃO DOIS PROJETOS NUM SÓ. Um é subir e descer o Everest. O outro é decolar do cume de parapente”, explica Rodrigo Raineri, sexto brasileiro a alcançar o topo do mundo (2008), sobre sua quarta expedição à montanha.

No primeiro projeto, Rodrigo servirá de guia para dois montanhistas que tentarão o Everest com oxigênio suplementar pela primeira vez – os paulistas Carlos Eduardo Canellas e Carlos Eduardo Santanela – na expedição que pode colocar o mais jovem brasileiro no cume, já que Santanela tem 24 anos. A troca de idéias entre os três começou em 2008, quando Canellas procurou a Grade 6, agência de viagem em alta montanha da qual Rodrigo é sócio, para levá-lo ao Everest. Rodrigo percebeu que o então novato tinha potencial para desenvolver as habilidades necessárias para encarar o desafio.

Quando o sócio de Rodrigo, Santanela, guia de escalada em gelo e instrutor de alta montanha, manifestou interesse em completar o grupo, o sonho de voar do topo do mundo passou a fazer parte do planejamento. Se as condições climáticas estiverem favoráveis, Rodrigo vai trocar a trabalhosa descida a pé dos 8.848 metros por um vôo de parapente até o Campo Base (5.300 metros), enquanto Santanela se encarrega de acompanhar Canellas na descida.

De 2008 para cá, os três trataram de se preparar. Depois de uma temporada de voos no Nepal em 2007, Rodrigo experimentou decolar dos Alpes franceses em 2008, fazendo uma seqüência de vôos em condições difíceis das agulhas do Mont Blanc, e finalizando com um vôo a partir do cume do próprio (4.807 metros), até um pouso perfeito em Chamonix. “Já foi incrível ter voado dos Alpes. Se eu conseguir voar do Everest, vai ser um sonho”, diz Rodrigo.

Já Canellas e Satanella fizeram temporadas intensas de alta montanha na Bolívia, em picos como Alpamaya (5.900 metros) e Potosi (6.088 metros). Em 2009, foram ao Aconcágua para tentar o topo da América do Sul, mas o clima não colaborou e tiveram que desistir a apenas 200 metros do cume, pois Canellas teve um início de congelamento de retina por ter passado muito tempo exposto ao vento. “Tivemos que lidar com a frustração de ter que voltar. Foi preciso aceitar que não era a nossa hora. Aprendemos muito”, diz Santanela. Em 2010, depois de chegarem ao cume dos vulcões Cotopaxi (6.100 metros) e Chimborazo (6.310 metros), no Equador, os dois venceram também a mais difícil montanha da Bolívia, o vulcão Sajama (6.542 metros), e finalizaram o ano batendo a mão no topo do Aconcágua.

O trio nunca esteve junto em alta montanha, mas Rodrigo, que será o líder da expedição, não vê isso como um problema: “Conheço bem os dois, já estive no Everest três vezes e sei como meu corpo funciona acima da zona da morte. Acho que temos plenas condições de atingir o cume”.

O plano de Rodrigo é compartilhar com outro grupo os serviços de uma agência local do Nepal que cuidará de toda a logística de acampamento, permissões, alimentação e sherpas. Mas os brasileiros levarão recursos próprios como barraca-depósito e equipamentos de comunicação e alimentação extras para garantir autonomia na tomada de decisões em relação ao ataque ao cume, além de mais conforto: “Se a temporada se estende e a janela de tempo não aparece, a qualidade dos serviços pode diminuir e sei como é importante nos preservar”, salienta.

Por esse motivo, a opção pelo uso de cilindros de oxigênio já foi tomada muito antes deles sentirem quaisquer efeitos da altitude no corpo. “Subir sem oxigênio é muito desgastante. Preciso chegar no cume em condições de tomar decisões importantes para a decolagem. Não posso estar muito debilitado”, diz Rodrigo. Segundo Santanela, o uso de cilindros de oxigênio foi prontamente aceito pelo grupo: “O Rodrigo tem muita experiência e nos explicou a diferença de estar na montanha com e sem oxigênio. É como mergulhar em apnéia ou com cilindros. Na apnéia você precisa ser rápido para não apagar lá embaixo. Com cilindro, você pode curtir o visual, desfrutar o momento. E é justamente o que queremos.”


PERTO DO FOGO: Santanela e Canellas no cume do vulcão Sajama, montanha mais difícil da Bolívia, de 6.542 metros

DECOLAR DO EVEREST terá de ser uma decisão muito bem pensada. O sucesso ou fracasso – que, nesse caso, significa grande probabilidade de morte – depende de muitos fatores, como horário, intensidade e direção do vento, e condição das nuvens. “O ideal é que tenha pouco vento, e que ele esteja na direção sudoeste quando eu decolar. E nenhuma nuvem, pois voar dentro delas é perigoso”, descreve Rodrigo.

Mas é fundamental testar, na prática, se essas premissas são corretas. Por isso, Rodrigo planeja fazer vôos-teste do cume do Calapatar, uma montanha com 5.450 metros de altitude vizinha ao Everest, e pousar exatamente no mesmo local do Campo Base onde pretende aterrissar quando decolar do Everest. “Vou chegar com uma velocidade muito alta no local do pouso. Como o ar tem pouca resistência devido à falta de oxigênio, a velocidade final é maior. Quero ficar máster nesse pouso”, diz. O ar rarefeito também atrapalha a decolagem. Para ganhar sustentação, a velocidade de corrida de Raineri precisa ser maior do que a normal – grande desafio quando se está quase 1.000 metros acima da zona da morte, pisando na neve. O fabricante que está desenvolvendo o equipamento de Rodrigo vai utilizar materiais mais leves nas linhas e no próprio tecido da vela. No total, o equipamento pesará 4,5 quilos – dois a menos do que ele usou no Mont Blanc.

“Se não houver vento, ou se estiver ventando demais, nem tiro o parapente da mochila. Sobrevoar o Everest com um pedaço de pano é uma situação de extremo risco. Se eu decolar, quero chegar o mais rápido possível na base”, diz Rodrigo. “O tempo pode virar a qualquer momento, por isso minha ideia é descer o mais velozmente possível. Vou fazer manobras de descida rápida, fechando as velas, despencando cerca de 2.000 metros para depois voltar a plainar”, planeja Rodrigo. A estimativa é que o voo leve cerca de meia hora. No campo base, Rodrigo terá o apoio de Edimar Rodrigues, um parapentista brasileiro que passará as condições do vento no local do pouso.

As expectativas do grupo estão totalmente alinhadas. Todos cogitam a possibilidade tanto de não atingir o cume, quanto de se dar ao luxo de aguardar as condições melhorarem no topo do Everest para que a decolagem possa ser feita. Rodrigo e Santanela sentenciam o espírito do grupo, como se tivessem juntos quando foram entrevistados: “Vamos estar muito atentos. Não há nada que valha nem a ponta de um dedo.”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2011)







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