De braços abertos para a escalada


É NOSSO!: Bernardo Colares na via "As lacas também amam", 7c, na parede do Pão de Açúcar

Por Fernanda Franco
Foto por Eliseu Frechou

“COM ESSE DECRETO DEMOS RECONHECIMENTO a uma prática tradicional da cidade. Nada mais justo do que incentivar esse esporte e, por meio do poder público, garantir que os montanhistas tenham caminhos abertos para sua atividade. O Programa Municipal de Incentivo ao Montanhismo faz parte da preocupação da cidade com a preservação ambiental, pois sabemos que esta é a grande bandeira das entidades ligadas a esse esporte”, explica o prefeito carioca Eduardo Paes sobre o motivo de ter assinado o decreto que criou o Programa de Incentivo ao Montanhismo.

Proposto pela Federação de Montanhismo e Escalada do Rio de Janeiro (Femerj), o documento prevê ações compartilhadas entre o órgão que representa os esportistas e as Secretarias de Esportes e Lazer e do Meio Ambiente, para preservar (conservar trilhas, reflorestar, limpar) as áreas de escalada na cidade e, principalmente, buscar a liberação das montanhas que ainda estão fechadas à prática. “O acesso às paredes de escaladas e trilhas em montanhas é um problema mundial. Nos Estados Unidos, há uma fundação chamada Access Fund, que trabalha apenas para gerenciar esse tipo de conflito em áreas públicas ou privadas. Em alguns casos, a fundação compra a terra para que o acesso fique livre. O decreto será um ótimo instrumento para ajudar tanto no acesso, como em outros pontos”, explica Bernardo Colares, presidente da Femerj.

A versão brasileira da Access Fund se chama Programa de Acesso às Montanhas, coordenado por Kika Bradford, e tem como objetivo garantir o acesso, a conservação e o uso sustentável das montanhas, além de promover a educação ambiental e o respeito pelo meio ambiente. No site do programa (acessoasmontanhas.org.br) é possível visualizar um relatório com todas as áreas de escaladas da cidade e do estado com dificuldades de acesso. Essas áreas foram incluídas na proposta do decreto enviada ao prefeito, na qual constam problemas em locais públicos e privados, quanto em outros não recomendáveis para escalada por pura falta de segurança. “Temos problemas de acesso em diversas partes do Rio. O carioca é privilegiado por ter muitas unidades de conservação dentro do município – como é o caso do morro do Pão de Açúcar –, o que facilita o acesso a algumas áreas de escalada. Mas o crescimento da população, a violência urbana e a expansão imobiliária de uma cidade do tamanho o Rio de Janeiro acabam fechando os acessos a diversas áreas de escalada e montanhismo”, explica Kika.

Um dos melhores exemplos de um acesso bloqueado por uma propriedade privada fica na região de Jacarepaguá, zona oeste da cidade. “Estou há muito tempo sem escalar na Pedra Branca. O local é um Parque Estadual, e um dos únicos do Rio de Janeiro com montanhas ainda virgens, de cerca de 400 metros de altura. Mas agora ele está cercado por um condomínio. Há também uma pedreira particular que está na encosta do Parque, bloqueando sua entrada. Por ser Parque Estadual, deveríamos ter o direito de acessá-lo”, contesta o escalador Felipe Dallorto.

A prefeitura promete regularizar a situação dos casos de acesso público como esse. “O decreto estabelece que as áreas públicas são de livre acesso, e cabe a nós mapear esses pontos, descobrir as que estão irregularmente fechadas e garantir a prática”, promete o prefeito Eduardo Paes. Já para casos de propriedades privadas, a ideia é que o decreto seja mais um instrumento de negociação. “Nossa intenção é estabelecer sempre um contato amigável e uma negociação tranquila com os proprietários. Acredito que o decreto nos dará um respaldo ainda maior para negociar”, explica Kika.

E ELA ESTÁ CERTO, pois o decreto já vem abrindo portas. Como no caso do Forte do Leme, no canto esquerdo da praia de mesmo nome. Para chegar à parede, os escaladores precisam usar o forte como acesso, o que vinha sendo proibido pelos militares. Só se conseguia permissão com uma autorização solicitada com antecedência ao coronel. As negociações para a liberação do acesso já recomeçaram, e durante as reuniões o decreto foi apresentado. “É importante mostrar que o esporte é bem visto. Desde que apresentamos esse documento, o Leme está liberado”, explica Bernardo.

Para Seblen Mantovani, escalador e fotógrafo, outro fator importante sobre o decreto é a questão da segurança. “O medo da violência faz as pessoas reagirem ao verem escaladores pendurados nas paredes. O fato de existir o decreto faz com que a atividade comece a ser reconhecida como esporte, contribuindo para tirar a imagem que escalar uma parede é coisa de maluco”, diz ele. A falésia da Joatinga, área pública, já teve um escalador espantado com três disparos feitos por um proprietário de uma mansão, essa sim privada, no topo do morro.

Agora, Femerj, Secretaria de esportes e Lazer e Secretaria de Meio Ambiente estão trabalhando para estabelecer um plano de ação para que o decreto seja implantado da melhor maneira possível. “Num primeiro momento, o decreto será mais utilizado para garantir que áreas de acesso como o Contraforte do Corcovado ou o Pico dos Quatro não sejam fechados. Ao mesmo tempo, estamos pensando em como utilizá-lo para a liberação de áreas que já tem problemas de acesso como alguns lugares em Jacarepaguá”, explica Kika.

Outro gol marcado pelo decreto foi o fato da Abertura da Temporada de Montanha, evento anual que ocorre há 27 anos na cidade, ter sido inserido no calendário oficial da cidade. O evento é marcado por um grande encontro de clubes e escolas de escaladas na praça da Urca, no último final de semana de abril. Segundo a prefeitura, o decreto já ajudou na liberação nos diversos órgãos envolvidos em um evento em praça pública. Mas deve mesmo fazer diferença a médio e longo prazo, na captação de patrocínios. Quem sabe um dia a Abertura da Temporada de Montanhismo fique quase tão famosa quanto o carnaval ou o réveillon em Copacabana.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2010)







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