Homem versus comida

Por John Bradley

“MAS VOCÊ É TÃO MAGRO”! Eu sempre ouvia alguma versão dessa frase quando eu dizia que passaria um ano inteiro me submetendo a meia dúzia de dietas. Eles estavam certos. Era agosto de 2008, final de uma temporada intensa de competições de bike, e com meus 1,80 metro e 67,5 quilos, eu poderia até passar por esquálido. Mas mesmo apontando algo óbvio, as piadas sobre anorexia e cutucadas nas costelas revelavam algo mais importante: a premissa que, com exceção dos vegetarianos e dos locávoros, as pessoas só seus hábitos alimentares quando precisam perder peso. Se você está magro, acredita-se que sua dieta esteja correta.

Obviamente, magro não significa, necessariamente, saudável. Nem mesmo quando, para caras como eu, isso seja o resultado de um estilo de vida atlético. A verdade é que muitos de nós usam a desculpa de um tempo baixo nos 10 km como desculpa para escolhas medonhas de comida. Uma vez eu vi um entrevistador perguntar ao ator Robin Williams, famoso por ser fanático por ciclismo, o que ele comia para manter seu peso, ao que ele respondeu: “Eu posso comer praticamente de tudo, afinal, ando de bicicleta”. Esta é uma atitude muito comum; às vezes o maior apelo de uma longa pedalada é o caos de hambúrguer com cerveja que se segue. Isso pode explicar por que uma pesquisa do governo norte-americano no ano passado revelou que os maiores bebedores daquele país se exercitam mais do que os abstêmios.

Aos 38 anos, com um histórico familiar de doenças cardíacas e um histórico pessoal de pizzas na madrugada e oscilações no nível de energia, eu precisava melhorar minha rotina alimentar. Eu queria uma estratégia que resultasse em hábitos mais saudáveis, sem restrições e fixações a programas austeros e dogmáticos. Mas por onde começar? A indústria do regime foca-se quase que exclusivamente em pessoas com sobrepeso para as quais um passeio no parque já seria uma vitória; havia poucas opções para um atleta em boas condições físicas como eu.

Então decidi fazer um experimento radical. Eu passaria oito semanas em cada um de seis diferentes regimes, representando as várias opções existentes para quem quer emagrecer, de dietas da moda até estudos clínicos: a Dieta do Abdominal, a Dieta Paleo para Atletas, a Prescrição Mediterrânea, o Programa de Okinawa, conselhos de um nutricionista pessoal e a pirâmide nutricional da USDA (United States Department Of Agriculture, ou Departamente de Agricultura dos Estados Unidos). Eu anotaria cada refeição, lanche, bebida calórica e treinos, juntamente com observações de como estava me sentido, e faria visitas bimestrais ao meu médico e ao laboratório de análises para pesagem, verificação de colesterol e análise de composição corpórea. Eu me daria apenas duas folgas: 19 dias para a minha lua-de-mel, depois da Dieta dos Abdominais, e 11 dias durante as festas de fim de ano, após a Paleo Dieta para Atletas. Um saco. Um imenso saco.

Minha teoria: aplicando à nutrição a mesma disciplina que eu aplico aos treinos de ciclismo, eu conseguiria mensurar essas dietas em comparação com o que seus autores alegam. Cada uma teria algo a me ensinar, e cada uma, por sua vez, teria algo que não me serviria. E, ao longo do caminho, tornei-me o maior especialista no mundo a respeito de como eu deveria comer.

[Semanas 1 a 8] A Dieta dos Abdominais

David Zinczenko e Ted Spiker

O atrativo >> Se você tiver uma barriga tanquinho, provavelmente é saudável.

A dieta >> Muita proteína e gorduras boas, nada de carboidratos refinados. Treinos de arrebentar os abdominais!

Melhor lição >> Refeições saudáveis podem ser saborosas e fáceis de fazer.

David é editor-chefe da revista Men’s Health e o cara por trás da série de best-sellers Eat This, Not That! (Coma Isto, Não Aquilo!). Enquanto alguns autores de dietas colocam uma embalagem séria em um pacote de conselhos insossos, David encontrou o sucesso colocando uma embalagem simplesinha em um serviço muito inteligente. Sua estratégia é usar comidas integrais e uma planilha de três pequenas refeições e três lanches robustos por dia. Siga essa receita, diz David, e você perderá peso sem perder a cabeça. E graças a muita proteína somada ao plano de treinos, você sairá mais rápido, mais forte e mais à vontade para vestir uma roupa de banho.

Eu tinha uma lista de compras básica – manteiga de amendoim, peito de frango, pão integral, molho de tomate, espinafre, leite, ovos – e receitas que raramente requeriam mais do que vinte minutos. Além disso, a maioria dos cafés da manhã eram vitaminas e a maior parte das receitas de almoço e jantar garantiam uma sobra que eu conseguia congelar ou guardar na geladeira. Essa dieta acaba com qualquer argumento de que comer bem consome tempo demais.

Uma grande sacada: os lanches são usados para prevenir a fome, em vez de saciá-la. Um punhado de nozes, uma fatia de melão ou uma torrada com manteiga de amendoim algumas horas depois da refeição mantinham meu nível de energia estável ao longo do dia; a qualquer hora que eu treinasse, estaria adequadamente abastecido.

[Semanas 9 a 16] A Dieta Paleo para Atletas

Loren Cordain e Joe Friel

O atrativo >> A autora da Dieta Paleo (coma como nossos ancestrais da idade da pedra) uniu-se ao treinador esportivo Joe Friel para adaptá-la a estilos ativos.

A dieta >> Muita carne de caça, produtos crus, nada refinado (a não ser durante os esportes de endurance, quando barrinhas, pães e géis são permitidos).

Melhor lição >> É difícil fazer exercício quando se passa fome o tempo todo.

Agora entendo por que os adeptos de Atkins amam tanto seu estilo de vida cheio de carne. Perdi três quilos neste regime, e minha porcentagem de gordura caiu de seis para cinco. Também entendi por que os defensores do Dr. Atkins ficam tão mal-humorados: passei todas as semanas, menos as duas últimas, com uma grave sensação de falta de combustível – cansado, aéreo e faminto.

O que eu comia era delicioso: alce, búfalo, salmão. Só que as receitas exigiam um tanto de conhecimento e boa mão para a cozinha – e um estômago bom para miúdos (eu pulei o coração, a língua e os testículos). E, a não ser quando eu estava me exercitando, eu não podia comer muitos carboidratos. Eu fiquei tão cansado dessa abordagem que o tédio ou o estômago sensível terminavam minhas refeições antes que eu tivesse comido o suficiente. Eu me vi ansioso pela hora do treino, porque poderia usar isso como desculpa para comer uma barrinha de cereais.

O co-autor Joe Friel admite que se sentiu mal durante as duas primeiras semanas de dieta, mas diz que deu a volta por cima na terceira semana. Eu levei o triplo desse tempo para começar a me sentir normal. Na metade do processo, eu tive um ataque e comprei um burrito de queijo com ovo e batata para o café da manhã, escrevendo em meu diário de refeições: “Acordei com uma fome muito além do que as frutas e os vegetais que eu tinha em casa pudessem suprir”.

Ainda assim, minha taxa de colesterol bom contra colesterol mau – talvez mais importante do que o valor total – estava mais próxima do melhor que eu já havia chegado este ano. Definitivamente há alguma coisa boa nesta abordagem. Mas, como um cara ativo que não está querendo perder peso, simplesmente não há como manter-me num plano que me deixa com fome e cansado o tempo todo.

[Semanas 17 a 24] A receita mediterrânea

Angelo Acquista e Laurie AnnE Vandermolen

O atrativo >> Anos melhores e em maior quantidade comendo como um siciliano.

A dieta >> Vegetais, legumes, nozes, grãos integrais, peixe, azeite de oliva e vinho tinto.

Maior lição >> Comer de forma saudável tem mais a ver com moderação em tudo do que eliminação de qualquer coisa.

Esta vai ser a minha dieta de emergência para o resto da vida. A alma deste regime é a alimentação rica em peixes e hortifrutis da região da Sicília e da vizinha cultura mediterrânea – peixe espada com alcaparras, macarrão com feijão, peras ao vinho Chianti. Mesmo sendo um cozinheiro preguiçoso e inexperiente, achei as receitas fáceis. Como atleta de endurance, bem, massa tem sido a fonte de energia de corredores e ciclistas há décadas; eu me sentia bem e mandava ver na bike.

Tudo isso faz sentido. Um estudo recente feito por pesquisadores australianos comparando o humor de pessoas em dieta de baixo carboidrato com o de pessoas em dieta de baixas gorduras atestou que estes últimos mostraram estados emocionais muito melhores após um ano de dieta do que os que cortavam seus carboidratos. A Receita Mediterrânea foi uma forma prazerosa de lembrar-me de que os males causados por carboidratos refinados não são motivos para nos afastarmos totalmente dos carboidratos. Dê um jeito de tirar o pão branco da sua vida, mas não se sinta mal se cair na tentação de comer um pedaço de alguma delícia integral. E mergulhe o pedaço no azeite de oliva. Esse sim, tornou-se um aliado constante do meu arsenal de lanche vespertino.

Eu também adoro o fato de que, num livro que fala claramente de perda de peso, a única discussão real a respeito de calorias afirma que contá-las pode acabar levando ao fracasso as tentativas de levar uma vida mais saudável. A mensagem principal: coma o máximo de vegetais que conseguir, além de versões mais saudáveis da maioria das comidas que você já consome e encontre atividades que te deem prazer. Mas não se esqueça que, eventualmente, saúde e alegria dependem de grandes refeições comemorativas, e de uma boa soneca à tarde. Se as calças apertarem, coma menos e faça mais exercícios. Eu consigo ser um seguidor desta.


[Semanas 25 a 32] > O Programa Okinawa

Bradley J. Willcox, D. Craig Willcox, e Makoto Suzuki

O atrativo >> Comer como as pessoas de maior longevidade da Terra.

A dieta >> Em grande parte, baseada em plantas, mas com frango, peixe e carboidratos não refinados. E muitos produtos de soja.

Maior Lição >> A sabedoria convencional a respeito do que constitui uma dieta saudável pode te direcionar erroneamente.

Os autores deste livro são cientistas e clínicos que conduziram anos de pesquisas a respeito dos moradores da cidade de Okinawa, no Japão, e seus hábitos alimentares – uma versão levemente alterada da dieta japonesa familiar. Eu vivi no Japão entre os 25 e 31 anos, e fui embora apaixonado pela comida. Eu só esperava coisas boas deste regime.

O resultado para mim foi a prova de que você pode seguir uma dieta que quase todo mundo acredita que seja benéfica e, ainda assim, ficar a um yakissoba de distância de um ataque cardíaco. Eu me sentia saudável, tinha energia e sentia prazer a cada refeição, mas meu colesterol total disparou 43 pontos, meu HDL (colesterol bom) caiu e minha taxa de gordura corporal aumentou. Meu médico me alertou que se minha próxima dieta não trouxesse de volta o controle do colesterol, que ela recomendaria intervenção médica.

Mas o que aconteceu, então? A soja? Talvez. Há uma crescente quantidade de evidências científicas – resumida no livro The Whole Soy Story (Toda a História da Soja) – que sugere que o consumo em excesso de produtos de soja pode oferecer riscos à saúde, inclusive transtornos nos níveis hormonais. Uma vez mais devo lembrar que eu conduzi um estudo baseado em uma pessoa, auto-guiado e sujeito a ser mal interpretado. Mas, baseado no que aprendi na próxima dieta, acho que, ao mesmo tempo que o Programa Okinawa pode operar maravilhas nos okinawanos, que comem dessa forma há milhares de anos, eu estou melhor comendo da forma com que eles fazem na Europa ocidental, de onde vêm meus ancestrais.

[Semanas 33 a 40] >Nutricionista

Laurent Bannock

O atrativo >> Uma dieta sob medida, baseada primariamente na ancestralidade.

A dieta >> Um equilíbrio familiar entre proteína, gorduras e carboidratos, mas tirados de uma lista feita sob medida para o seu DNA

Maior Lição >> Todo mundo consegue encontrar uma dieta que funciona. E isto é o máximo.

Nada melhor do que um nutricionista prescrevendo comidas específicas para os seus genes. De acordo com a minha experiência própria, seus exames de sangue sairão melhores, seu corpo ficará mais esguio, você irá dormir melhor e sua energia será constante e alta durante o dia inteiro. Foi isso que aconteceu quando tentei este regime há dois anos, e tive o mesmo resultando novamente desta vez. Laurent passou anos refinando suas estratégias de dietas baseadas em etnias. Ao espalharem-se pelo globo terrestre, ele diz, os sistemas de nossos ancestrais se desenvolveram para sobreviver com as comidas que estivessem disponíveis.

Laurent faz ajustes específicos para cada situação – peso, alergia, nível de atividade etc. Mas, em termos gerais, se você for descendente de asiáticos orientais, sua dieta irá parecer muito com a de Okinawa. Mas se você, assim como eu, tiver heranças irlandesas, Laurent irá mandar você eliminar ou diminuir, entre outras coisas, frango, tomate, café, derivados de soja e laticínios.

O maior problema: comer fora. Com uma lista tão longa de comidas proibidas, é quase impossível encontrar alguma coisa num restaurante. Por sorte, Laurent aceita trapaças ocasionais.

[Semanas 41 a 48] >Pirâmede da USDA

O atrativo >> Site gratuito e interativo que te ajuda a estabelecer objetivos nutricionais individualizados.

A dieta >> A frequentemente mal falada Pirâmide Alimentar da secretaria da saúde norteamericana.

Maior lição >> Quanto mais informações você anotar sobre o que come, mais vai aprender.

Eu queria terminar esta reportagem com alguma coisa mais auto-guiada e o site MyPyramid.org do Departamento de Agricultura do governo norteamericano excedeu minhas expectativas com três ferramentas interativas que, utilizadas em conjunto, chegam perto de ser um nutricionista gratuito. As ferramentas baseiam-se em idade, peso, altura e níveis de atividade para criar um objetivo calórico diário, e logo te dizer quanto você deveria comer de cada um dos cinco grupos alimentícios principais (grãos, vegetais, frutas, laticínios, carne e feijões). Informe quanto comeu e quanto se exercitou, e os gráficos mostrarão onde você se encontra em relação aos seus objetivos.

O problema é que o Departamento de Agricultura dos EUA tem que agradar a muitos: associações médicas, painéis governamentais e até lobbies de fazendas. Os números das calorias parecem corretos, mas outras recomendações de alimentos são suspeitas. Eu não consigo entender como qualquer um que não deva algo a fazendeiros de laticínios possa recomendar três copos de leite por dia (era só passar uns poucos minutos comigo em um ambiente fechado que qualquer um entenderia que isso não fez bem para o meu organismo).

Mas o site faz uma coisa muito importante: te força a prestar atenção ao que come. Você se dá conta rapidamente como é difícil ingerir vegetais suficientes e como calorias, gorduras, sódio e colesterol se somam rapidamente. Esse site sem dúvida seria uma melhoria para muitos. Mas nesse ponto, as diretivas generalizadas me pareceram um retrocesso.

> Conclusões

E o que afinal eu aprendi? Proteínas magras, gordura boa, carboidratos saudáveis. Mais especificamente: refeições moderadas compostas de muito hortifruti, um pouco de carne magra de vez em quando e grãos que não tenham sido branqueados ou pulverizados. Azeite de oliva também é bom, e lanchinhos de castanhas e tâmaras.

Em geral, essa abordagem funciona para quase todo mundo. Mas ‘em geral’ não adianta. Descobri que trigo não me causa problemas, mas laticínios causam, e que eu devo evitar tomate. Para você, pode ser totalmente diferente. O Programa Okinawa pode salvar a sua vida. A Paleo Dieta para Atletas pode te tornar mais rápido. O que eu não posso falar aqui é como você vai reagir a cada uma das dietas.

O que eu, sim, posso oferecer depois de 12 meses sozinho na selva da indústria da dieta, é uma estratégia para encontrar o que funciona para você. Você terá que manter um diário de tudo o que come e como essa comida faz você se sentir, mas para isso não precisará de um ano inteiro – uns dois meses são suficientes.

As primeiras duas semanas serão as mais difíceis. Elimine as comidas industrializadas, café, laticínios, ataques noturnos, trigo, soja, álcool, milho, ovos, grãos processados, qualquer outra coisa processada, açúcar e tudo que não seja orgânico e carne que foi alimentada com pasto. Relaxe: ainda vão te sobrar muitas opções. A maioria delas será encontrada na seção de hortifruti. Adicione uma porção ocasional de peixe, peru ou búfalo, beba chá de ervas, descubra o pão integral e aprenda a preparar quinoa. Você vai sobreviver.

Depois disso, comece a experimentar de forma metódica, uma por vez, comidas que você eliminou, para ver o que acontece nas 72 horas seguintes. Aquela omelete te deu enjoo? Teve problema de pele depois de comer tomate? A carne te fez sentir-se melhor? Você já deve estar percebendo onde isso vai chegar Depois de dois meses, você terá uma ideia bem prática das comidas que funcionam a seu favor, e daquelas que funcionam contra você. Se conseguir, vá ao seu médico e faça um exame de sangue no começo e no final dos dois meses.

Um último conselho: uma vez que você tenha se acertado com um esquema nutricional, trapaceie. De vez em quando, coma o que te der na telha e beba o que estiver no balcão. Sabendo que você pode fazer isso, será muito mais fácil manter uma boa alimentação no resto do tempo.

É isto. Pode ser que eu não tenha sido completamente científico, mas eu aposto que está mais próximo de qualquer coisa que você já tenha tentado. E aposto também que vai funcionar.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2010)







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