Hidrofilia: para cima e avante


PENDURA: Roberta Nunes reboca equipamento até os 60 metros do pico

Por Piti Vieira

No ameno verão da Groelândia, tendo como testemunha apenas o sol, o mar gelado e a câmera do diretor espanhol Jesus Bosque, duas mulheres escalaram os mais de mil metros da parede de granito conhecida como Thumbnail para chegar ao cume do Maujit Gorgassassia, com seus 1.620m de altura. Pendurar-se numa rocha gigante, a centenas de metros de altura, agarrando-se em fendas e fissuras, presas apenas por pequenos apetrechos de metal, já seria suficiente para que os esquimós locais as saudassem como heroínas. Mas como a dupla também havia subido por um novo caminho (ou “via”, usando o linguajar técnico da escalada) – o maior já aberto por mulheres na história da escalada mundial –, a recepção local e o reconhecimento mundial foram merecidamente mais entusiasmados. A aventura aconteceu em 2003.

Hidrofilia, o documentário filmado na ocasião por Jesus Bosque, foi lançado no ano seguinte e vem ganhando aplausos mundiais. Venceu festivais de cinema na Espanha e na França e foi selecionado para mostras na Inglaterra e na Itália. Hidrofilia conseguiu ainda entrar para o circuito internacional de 2005 do Banff Mountain Film Festival (www.banffcentre.ca/mountainculture/festivals/schedule/highlights), do Canadá, o maior festival de filmes de montanhismo do mundo, apresentado em diversos países.

A curitibana Roberta Nunes e a aragonesa Cecília Buil, ambas com 32 anos, abriram a via em estilo alpino, “o mais bonito e ético”, segundo Roberta, usando o mínimo de equipamento e tentando ao máximo deixar a rocha intocada. “Não batemos nenhuma chapeleta (plaqueta metálica que é fixada na pedra, pela qual se prende um mosquetão para a fixação da corda de segurança) e não fixamos cordas. Para montar a maioria dos rapéis que fizemos na descida, prendemos a corda em grandes blocos de pedra. Foi a aventura mais intensa de que já participei”, conta Roberta.

MEDO

O Thumbnail é a maior falésia marinha do planeta. Para chegar até ali, Roberta e Cecília precisaram fazer uma travessia de 85 quilômetros em caiaques individuais, saindo do povoado de Nanorthalik, no sul da Groelândia. “A proposta era surreal, fiquei assustada no começo”, admite Roberta. “Mas foi uma fábula. Cruzamos com focas e baleias, bem de perto, e completamos a travessia em três dias”. Uma vez no acampamento base, Roberta e Cecília passaram três dias estudando o paredão com a luneta. A única informação que tinham era dos ingleses que haviam aberto uma via ali três anos antes. “Acabamos decidindo por uma linha independente, que dava acesso ao ponto mais alto, a torre Maujit Gorgassiana, cerca de 200 metros acima do Thumbnail”.

Da base da falésia até o cocuruto da torre, a dupla levou cinco dias. “Demoramos mais de quatro horas para fazer todo o transporte do equipamento dos caiaques até os primeiros 60 metros acima na parede. Foram 820 metros de escalada até chegar ao grande platô que cortava toda a parede. Três dias de empenho brutal, pois a parede estava úmida e com parte da rocha decomposta. Medo, muito medo”, lembra a brasileira.

No dia do ataque ao cume, as duas começaram a escalar às 5h15, superleves na tentativa de chegar ao topo no mesmo dia. “Foi tão intenso que, quando vimos, já estávamos na pontinha que tanto queríamos. Depois de 800 metros escalados, constatamos que realmente éramos os primeiros humanos a pisar ali! Que presente! Não sabíamos se chorávamos ou ríamos vendo todo aquele visual fantástico do mar e montanhas”. Eram 18h30 e o sol ainda brilhava alto.

O DVD Hidrofilia pode ser comprado, a partir de julho, no site www.robertanunes.esp.br.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2005)







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