O excluído

Por Marc Peruzzi

Eu estava enfiando minha mountain bike com suspensão full no carro depois de um pedal quando ouvi dois caras em bikes de alumínio hardtail (sem suspensão traseira) chegando no estacionamento. Eles não se conheciam, só tinha acontecido de acabarem seus rolês ao mesmo tempo. Os dois vestiam shorts de lycra pretos e camisetas coloridas de ciclismo, as mesmas que os ciclistas de estrada usam. Os guidões deles eram planos, favorecendo a velocidade em detrimento do conforto e do manejo. Conforme eu estava me virando para eles para dizer oi, os dois se cumprimentaram à maneira de sua tribo: “Cara, é bom ver outra hardtail na trilha!”, disse um. “É, maneiro!”, respondeu o outro.

Enquanto eles conversavam animadamente, um deles me mediu de cima a baixo: shorts largos, bike de trilha pesada mas confortável, camiseta solta de tecido respirável. Eu podia ver o desdém em seus olhos atrás das lentes rosas de seus óculos esportivos. Eu era um ninguém para ele. Assim como eu era um ninguém para o freerider (suspensões de curso longo, calças de nylon, protetores de cotovelo e joelho) pedalando sua bike detonada em direção ao começo da trilha. O mesmo para os dois caras que usavam bikes sem marchas (tatuagens, capacetes de skate, piercing na sombrancelha), em pé em seus pedais e se dirigindo para outra trilha.

Lá estava eu, um mountain biker rodeado por mountain bikers — sem ninguém para conversar. Eu era um invisível, excomungado, alienado, querendo desesperadamente uma breja gelada. Não foi sempre assim (com exceção da parte da cerveja). Quando comecei a fazer mountain bike, em 1987, sentia que conhecia todos os ciclistas da minha cidade. O esporte era uma comunidade. Agora é um sistema de castas determinado por largura do pneu e vestuário. E a estratificação não é uma realidade somente para os mounatin bikers. Conforme os praticantes buscam nichos cada vez mais obscuros de seus respectivos esportes, o tecido social que já nos uniu sob o amplo título de “atleta ao ar livre” está se desfazendo.

No esqui é a mesma coisa. Os esquiadores da nova escola (calças caídas, esquis modelo twin-tip, gorros de crochê) sentam – em dias de neve! – no terrain park, área em que são montados diferentes obstáculos e rampas para manobras, e esperam o halfpipe ficar firme. Os freeskiers (protetores de mandíbula, esquis largos, caras de mau) estão fora das pistas, descendo neve virgem. Eles não esquiam parecido, nem falam parecido. Os snowboarders, então, nem se falam entre si. O esporte é tão segmentado entre os públicos jovens que eles te expulsam da tribo assim que você completa 30 anos. Sinto muito, papai, você não faz bem para a imagem do esporte. Tente o golfe.

Os caiaquistas vêm se cutucando desde que os barcos de freestyle (aqueles feitos para se fazer manobras nas quedas e refluxos, sem necessariamente descer o rio) foram inventados. Eu estava descendo um rio uma vez com um amigo quando paramos num refluxo para “surfar”. Ah, como os caras em caiaques de freestyle ficaram bravos! Eu podia ler seus pensamentos: “O que esses panacas estão fazendo nas nossas ondas? Vão embora, fazer uma expedição ou algo do tipo!” Fomos embora quando um palerma com uma prancha de bobyboard se jogou no rio. Talvez ele tenha tomado porrada.

Escaladores de rocha são ainda mais isolacionistas. Os fãs de boulder não falam com escaladores esportivos, que não falam com escaladores tradicionais. E os que fazem escalada livre e solo não falam com ninguém. “O quê? Você usa cordas? Ah, faça-me o favor.”

Muito desse niilismo induzido pela especialização tem a ver com equipamentos. De um lado, você tem os futuristas obcecados por tecnologia que vêem cada inovação como oportunidade de enlouquecer: “Se eu tivesse mais alguns centímetros de curso neste garfo, aposto que conseguiria saltar sobre aquele bezerra”… E há também os anti-tecnologia que se revoltam não só com o futuro, mas também com o presente tecnológico: “Ciclistas em mountain bikes sem suspensão e só com uma marcha são elegantes em sua simplicidade.” Os caras que estão encabeçando as inovações nos esportes ao ar livre estão fazendo um bom trabalho, mas suas atitudes auto-reverentes estão desestimulando os novos adeptos.

Tá mais que na hora de alguém dar uma bronca em todos aqueles que limitam seus esportes aos detalhes e adereços. Então aqui vai: pare de polir seu piercing e se livre dessa pose. Não é que eu não goste da diversidade. Como um ciclista, sou fã de todas as interações do esporte: BMX, freeride, estrada – até mesmo aquelas bikes inclinadas tipo “easy rider” são bacanas. O mesmo com o esqui. Sou um esquiador de pistas e esquiador nórdico, mas na verdade eu sou simplesmente um esquiador. Os caras que estão encabeçando as inovações nos esportes ao ar livre estão fazendo um bom trabalho, mas suas atitudes auto-reverentes estão desestimulando os novos adeptos.

Por que se isolar? Definições estreitas só nos prejudicam. Larga ou justa, rígida ou full, tatuagens ou barba — são só escolhas de moda. E as montanhas, trilhas, rios e oceanos onde brincamos não dão a mínima para a moda. O primeiro passo é entrar em contato com pessoas que não se parecem com você, mesmo que a roupa deles faça você se sentir ofendido num nível quase espiritual. Não estou em busca de abraços; um simples e sutil aceno de cabeça seria uma progresso. Eu começo: “Tudo bem, cara?”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2007)







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