Na trilha certa – 20 anos de MTB

Por Piti Vieira

A DITADURA ESTAVA CHEGANDO AO FIM no meio da década de 80, mas a importação continuava proibida por lei no Brasil. Enquanto os Estados Unidos e a Europa descobriam os prazeres de desbravar a natureza em cima de uma bicicleta feita especialmente para ser usada em terrenos acidentados, a tal da mountain bike, quem dominava o cenário nacional eram as bikes do tipo BMX. Com seu desempenho radical em circuitos artificiais de bicicross, o aro 20 era tudo de mais adrenalizante que os ciclistas conheciam. “O isolamento que nós vivíamos não era só de importação, mas de informação também. Não tínhamos idéia do que estava acontecendo lá fora em 1984, 85”, lembra a vídeo-repórter Renata Falzoni, uma das precursoras do movimento de mountain bike no Brasil.

Aqui, ou improvisava-se ou se infringia a lei. “A gente já fazia o mountain bike brasileiro sem saber o que estava acontecendo no mundo”, conta Renata. “Em 1986, a Caloi lançou o modelo Cruiser. Em 1987, peguei uma Cruiser Light e transformei numa dez marchas. Troquei guidão, mesa. Foi minha primeira mountain bike. Fiz uma série de viagens, escrevi matérias. Com ela fiz quilômetros de trilhas em Campos do Jordão e na serra da Cantareira [Vale do Paraíba e zona norte de São Paulo, respectivamente].” Sem saber, ela trilhava o mesmo caminho que os precursores da mountain bike vinham percorrendo há alguns anos nos Estados Unidos (veja quadro Esporte de Atitude).

Apesar de Renata já ter a filosofia de percorrer caminhos alternativos, usando manobras do BMX para transpor obstáculos naturais e, principalmente, para viver o contato com a natureza, o título de pioneirismo no mountain bike não vai para essa paulistana da gema. Os primeiros ciclistas de montanha brasucas vieram do Rio de Janeiro e lançavam-se nas trilhas com bicicletas importadas.

Foi mais precisamente em Paraíba do Sul, a 135 quilômetros do Rio de Janeiro, que o mountain bike brasileiro nasceu oficialmente. No começo de 1988, o carioca Marcos Ripper organizou ali o 1º Mountain Bike Cup Fazenda Hotel Jatahy, que teve três etapas e chamou tanto a atenção pela novidade que foi até televisionado pela rede Globo.

Com o embrião do esporte semeado, alguns meses mais tarde iria acontecer praticamente o mesmo fenômeno em São Paulo. O mountain bike paulista começou em julho do mesmo ano no Cruiser das Montanhas de Campos do Jordão, um evento patrocinado pela Caloi e organizado por Renata Falzoni. “Participei do Cruiser e lembro a decepção de todos que trabalharam no projeto quando nos foram entregues 30 Cruisers Light em vez do modelo mais bacana, o Extra Light. Mesmo assim, foi um grande sucesso”, conta Arturo Alcorta, que foi um dos pioneiros do movimento de mountain bike no Brasil, utiliza a bicicleta como modo de transporte na cidade de São Paulo há mais de 25 anos, é colunista do O Estado de S. Paulo e de diversas outras publicações, além de bike-repórter da rádio Eldorado FM.

Naquela época, o esporte era praticado por uns poucos gatos-pingados, num mercado dominado por Cruisers e bikes de cross. O mountain bike só foi ganhar impulso e público a partir do momento em que as empresas do setor de bicicletas do país perceberam o grande potencial desse segmento. Foi aí que a nova modalidade sobre duas rodas se popularizou, com empresas como a Caloi e a Monark investindo na fabricação das mountain bikes e incentivando os passeios.

“A primeira bicicleta com cara de mountain bike fabricada no Brasil foi um modelo da Monark que não consigo me lembrar se já levava ou não o nome Ranger”, diz Alcorta. “Era provavelmente uma cópia da Specialized Stumpjumper, lançada em 1981 nos Estados Unidos, mas deve ter sido feita a partir de foto de propaganda, porque as duas tinham pouco em comum fora a aparência do conjunto quadro/garfo/avanço e guidão. Era um produto típico de mercado que vivia num oligopólio (Caloi e Monark) e de uma nação que engolia qualquer porcaria por puro desconhecimento do que era qualidade.”

O sistema de freio dessa Monark, o chamado cantilever, de ferro e borracha, era péssimo até para a época – e dizer isto significa que era muitíssimo pior que qualquer coisa que você possa sonhar. Não tinha marchas e possuía o mesmo pé de vela monobloco da Barra Circular, fabricada também pela Monark. A bicicleta era pesada tanto no seu peso específico como no pedalar. “Era simpática aos olhos, mas não era legal. Não demorou e a Caloi veio com sua Cruiser. Tinha como grande vantagem os freios ferradura (em aço), que freavam melhor que os ridículos cantilever, que também eram em chapa de aço.”


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TANTO NO RIO COMO EM SÃO PAULO, a Cruiser Extra Light, lançada em 1985 pela Caloi, foi muito importante para o começo do mountain bike no Brasil, porque era ela que fornecia as peças – de qualidade – para quem quisesse montar algo que funcionasse como uma mountain bike. A Extra Light, como ficaria conhecida, mudou o conceito de bicicleta no Brasil. Foi uma revolução: a magrela usava o mesmo conjunto de quadro e garfo de sua irmã mais velha, mas com peças importadas e cinco marchas. As peças eram da mesma marca da usada na Cross Extra Light – a BMX da Caloi –, o que lhe emprestava o selo de testado, aprovado e recomendado. Os projetistas da empresa também mudaram o conjunto avanço-guidão para uma mesa de BMX e guidão curvado alto, o que tornou a bike mais agressiva e dirigível. “Com ela, muito marmanjo começou a brincar pra valer, o que nem era a intenção inicial da Caloi para o modelo”, conta Arturo. O resultado foi que a primeira geração de quadros não agüentou o tranco – um problema que foi logo corrigido.

No entanto, o “estrago” maior já estava feito: o conceito de mountain bike havia sido germinado no Brasil. “Mas era improvisação geral. Usava-se a bike que dava. Até Ceci customizada estava valendo. Eu usava uma Extra Light com dez marchas feita na faculdade”, lembra Arturo.

A adaptação foi a marca dessa fase, fruto da criatividade dos primeiros a se interessarem pela mountain bike: a galera que estava envolvida com o BMX e o motocross. “Lembro que a gente ia para a oficina do Daniel Aliperti [ex-piloto de motocross e fundador da Pedal Power, loja que é uma referência nacional na manutenção de bicicletas], na garagem da casa dele no Morumbi. Ali cuidávamos da manutenção das bikes e fazíamos peças que adaptávamos às Extra Light. Tinha também os irmãos Anderson [Cléber, Clovis e Celso, todos campeões de ciclismo] com a loja/oficina deles. E o pessoal começou a ir pra trilha, desbravaram a Cantareira toda”, conta Alexandre Costa, que fez parte dessa turma, correu várias provas do começo do esporte e está escrevendo um livro sobre ciclismo e outro sobre a história do mountain bike no Brasil, que pretende lançar em breve.

Foi em Campos do Jordão que apareceram os primeiros modelos brasileiros próprios para mountain bike da Caloi: os protótipos da Aluminum e da Caloi Mountain Bike 15. “A MTB 15 era simplesmente um nojo: grande, ruim de geometria, não funcionava direito. Isto nos fez armar uma gritaria para que a primeira bicicleta a receber o selo de mountain bike no Brasil fosse a Extra Light com algumas melhoras: 15 marchas, avanço longo, guidão plano. Não sei se a Caloi se arrependeu por não tê-lo feito, até porque faltava a eles, na época, o dom da humildade para ouvir os outros. A questão é que a MTB 15 foi lançada no Natal e logo recolhida, porque era de fato péssima”, lembra Arturo. A Cruiser Extra Light, por outro lado, tinha para a época um conjunto equilibrado, com reações bem previsíveis, além de ser relativamente resistente. Só necessitava de um banho de peças de mountain bike. “Sabíamos que dava certo, porque tínhamos feito essa adaptação em algumas e o resultado final era bom – infinitamente melhor que as futuras ‘montrabiques’, como ficaram conhecidas as 15”, esculacha Arturo. O termo “montrabique” foi cunhado por Renata Falzoni e passou a designar tudo que era enganação na área das duas rodas.

Já a Aluminum era outro papo. Muito mais leve e com mais marchas, mas ainda sem suspensão – as primeiras bikes com suspensão só apareceriam no começo dos anos 90 –, ela é considerada a primeira mountain bike brasileira “de verdade”. Luciano “Kdra” Lancellotti foi um dos atletas que migraram da BMX para a MTB. “Minha primeira experiência com uma bike maior foi com a Cruiser aro 26. Já minha primeira mountain bike foi a Caloi Aluminum, que eu usava para fazer cross-country, downhill e trial.”


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O MOUNTAIN BIKE ESTOUROU NO BRASIL EM 1989. Era o começo de campeonatos como a Copa Halls-Schick de MTB, organizada por Oswaldo Pepe e Renata Falzoni, com Cleber Anderson cuidando da parte técnica. Falzoni acabara de voltar dos Estados Unidos com uma mountain bike nova, e estreou-a na prova. Sempre no estado de São Paulo, a prova teve sua primeira etapa em Espírito Santo do Pinhal, onde o clã Aliperti tinha uma fazenda. A segunda etapa foi embaixo de muita chuva, em Campos do Jordão. A terceira na cidade de Souzas e a quarta em Atibaia. Em cada uma dessas etapas participavam cerca de 120 pessoas, mas as bicicletas eram qualquer coisa. Por outro lado, o clima era de total companheirismo e de diversão.

Pouco tempo depois, em julho do mesmo ano, era realizado o primeiro campeonato brasileiro, dentro do Horto Florestal, na capital paulista. Marcos Mazzaron, o primeiro campeão brasileiro da categoria, e Renata Osório eram os atletas de ponta da época, e levavam todos os pódios. Nesse mesmo ano, Eduardo Ramires – um dos primeiros atletas de mountain bike no Brasil e atual técnico da nossa seleção brasileira da modalidade, além de responsável técnico pela pista em que foi disputado o MTB no Pan do Rio – retornou ao Brasil após uma temporada nos Estados Unidos, de onde veio contaminado pelo vírus do MTB. “Voltei ao Brasil em janeiro e o mundial da categoria era em setembro. Andava com uma bike Peugeot e meu equipamento era muito superior ao que tinha no Brasil. José Rubens D’Elia era meu treinador e até o pessoal começar a entender melhor do esporte, eu que liderava as provas. Mas era um clima de turma, todos se encontravam nas provas para festejar.” Detalhe: com os treinos feitos em solo brasileiro, Ramires foi campeão mundial de cross-country em 1989. “Na época em que conquistei o título mundial, os atletas competiam em três modalidades: cross-country, uphill e downhill. Existia o título individual e o geral, e conquistei o título individual de uphill, que é o de subida de montanha. Na somatória dos outros resultados ganhei na geral também. Fui quinto no cross-country e o 15º no downhill. Para 89 foi um trabalho inédito de parcerias com diversos profissionais, que ia de musculação até informática.”

O ano de 1989 trouxe também uma novidade que catapultou de vez o mountain bike junto às massas, mais interessadas no prazer de pedalar que em competições: foi inaugurado em São Paulo o Night Bikers. “O Night Bikers Club do Brasil surgiu do meu costume de pedalar à noite. Um dia estava com o Daniel Aliperti no centro, jantando às 3h da matina, e surgiu o nome. É uma coisa genuinamente brasileira e se espalhou pelo país”, conta Falzoni, que fundou o clube. “Isso virou febre mundial. O primeiro passeio saiu da praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, às 21h. Mais ou menos 30 pessoas pedalaram até o centro de São Paulo, que não costumava ser muito visitado. Isso ajudou o ressurgimento da bike dentro da cidade”, lembra Alcorta, que foi o guia desse primeiro passeio.

Com a abertura do mercado brasileiro aos produtos estrangeiros no início dos anos 90, várias marcas muito cobiçadas porém de difícil acesso entraram no país, como Scott, Specialized, Trek, Cannondale, Ritchey, Giant e outras. A chegada da concorrência internacional fez com que as empresas nacionais passassem a investir pesado em novas tecnologias e processos industriais. Outras empresas, mesmo aquelas não ligadas ao setor, passaram a investir cada vez mais em eventos ligados ao ciclismo. Nos passeios ciclísticos nas principais capitais brasileiras já ficava clara a preferência por bicicletas do tipo mountain bikes e muitos ciclistas de final de semana começaram a passear com segurança por estradas de terra.

“Todo mundo começou a importar bikes nessa época. Se via uma bike para cada dez pessoas desembarcando. Chegaram as Treks e foi lançada a revista Trekking, para acompanhar o que acontecia no esporte. O segmento se solidificou, deu uma elitizada e derrubou o monopólio Caloi/Monark”, diz Falzoni. “Nessa mesma época, o Paraguai jogou uma quantidade enorme de bikes no Brasil. De 1991 a 94 foi uma explosão de consumo de bikes. A contrapartida é que começou um número gigante de roubos de bikes”, lamenta.

O rótulo depreciativo de que o mountain bike era um modismo recreativo importado da Califórnia e que não deveria ser levado a sério desapareceu em 1990, quando a modalidade foi reconhecida pela União Ciclística Internacional (UCI). No mesmo ano, a cidade de Purgatory, no estado norte-americano do Colorado, sediou o primeiro Campeonato Mundial de Mountain Bike, atraindo um público de 30 mil pessoas. “Nessa época o MTB era fashion, todo mundo tinha bicicleta. Foi a primeira grande onda das bikes de montanha”, conta Alexandre Costa.

ENTUSIASMADOS PELA RECENTE POPULARIDADE DO ESPORTE, os organizadores realizaram etapas da Copa do Mundo em ambos os lados do Atlântico em 1991, levando o novo esporte para a Europa. Inicialmente, o circuito mundial tinha apenas provas de cross-country (veja quadro Estilos), mas dois anos depois foi incluído um campeonato de downhill dividido em seis etapas. Em 1995 aconteceu o primeiro X Games, auto-denominado “a olimpíada dos esportes radicais”, com uma prova de downhill. Desde então, o MTB tem viajado por todos os continentes, com exceção da Antártida. Em 1994, 96 e depois em 99, a Copa do Mundo cresceu até incluir uma etapa na Austrália. O campeonato mundial de 1996 também foi lá. O esporte chegou até a África do Sul, onde ocorreram algumas das etapas do campeonato mundial de downhill de 1997.

A maioridade do mountain bike como esporte aconteceu na Olimpíada de Atlanta, em 1996, quando o COI (Comitê Olímpico Internacional) reconheceu o cross-country como uma divisão do ciclismo e, portanto, como modalidade olímpica com direito a medalha. Atualmente, diversos campeonatos, como mundial, pan-americano, sul-americano, brasileiro, estaduais e intermunicipais, dão o tom do esporte, que tem como base os muitos ciclistas amadores.

No Brasil, duas provas bem estruturadas e conhecidas nacionalmente, o Iron Biker e o MTB 12 Horas, ajudaram a consolidar o esporte de uma vez por todas junto aos amantes da mountain bike “for fun”. Criado em 1993, o Iron Biker – o Desafio das Montanhas – tem atraído cada vez mais atletas que praticam o ciclismo fora de estrada. Em sua primeira edição, 300 bikers enfrentaram um trajeto aproximado de 90 quilômetros, com a competição começando em Ouro Preto, num sábado, e terminando em Belo Horizonte, no dia seguinte. Passados 15 anos, mais de mil bikers fazem a prova.


CROSS-COUNTRY: Paixão nacional

O MTB 12 Horas também é hoje, sem dúvida alguma, um dos maiores, mais festejados e mais bem organizados eventos do mountain bike brasileiro. Inspirou toda uma nova filosofia – além de inúmeros eventos similares – no ciclismo competitivo nacional, ao focar todos os seus recursos naquilo que é a base de qualquer esporte: o atleta amador e o espírito de companheirismo, aventura e desafio, a alma do mountain bike. A primeira prova, num ensolarado porém frio 2 de agosto de 96, contou com 68 ciclistas. Dezessete atletas – um representante de cada equipe – largaram às 11 horas da manhã para a primeira prova de longa duração por equipes da América do Sul, assistidos por uma platéia de amigos, parentes e freqüentadores do Centro Municipal de Campismo (Cemucam), um parque público semifechado da Prefeitura de São Paulo, localizado no km 25 da rodovia Raposo Tavares, próximo a Cotia. A largada foi no inédito e exclusivo estilo Le Mans, como ainda é até hoje, com os atletas correndo até sua bike.

Dez anos depois, a edição 2006 reuniu 430 atletas. “Somente no ano passado eu vi acontecer o MTB 12 Horas que sempre sonhamos. Mudar uma realidade é complicado, criar uma cultura é mais difícil ainda. Em 95 eu já sonhava em fazer esses atletas se organizarem dessa forma pra viajar e acampar durante dois ou três dias pra competir dia e noite – até porque eu sempre quis fazer isso também. Dez anos depois, estamos realizados. Fizemos um grande sonho se tornar realidade sem perder essa conexão com as raízes do esporte que amamos”, diz Ale Torres, criador do projeto do MTB 12 Horas de São Paulo, junto com Paulo de Tarso, o Paulinho do Sampa Bikers.

Nos últimos anos, outros acontecimentos ajudaram a fazer com que o público prestigiasse e fortalecesse cada vez mais o mountain bike. Em 2004, a mineira Jaqueline Mourão tornou-se a primeira mulher do ciclismo brasileiro a se classificar para uma Olimpíada na modalidade. Ela disputou os Jogos Olímpicos de Atenas e terminou com a 18ª colocação. Em 2005, o Brasil sediou pela primeira vez uma etapa da Copa do Mundo de Mountain Biking, em Balneário Camboriú (SC), numa prova que foi elogiada como a segunda melhor do circuito mundial – a UCI gostou tanto que incluiu a etapa novamente no calendário de 2006. A indústria do ciclismo, nacional e internacional, investiu no mercado brasuca, e as mais diversas lojas especializadas abriram pontos comerciais nas grandes capitais. E, a conquista mais recente: o ciclista brasileiro Rubens Donizete, o Rubinho, conquistou a medalha de prata do mountain bike no Pan do Rio. “De uns três anos pra cá a elite no Brasil deu um salto bom. Só EUA e Canadá incomodam. Copas amadoras, a confederação e o apoio de patrocinadores ajudam muito o esporte hoje. Com uma medalha no Pan, melhor ainda”, afirma Eduardo Ramires.

A CADA ANO, INOVAÇÕES SÃO ANUNCIADAS, levando as outras empresas a aperfeiçoarem cada vez mais os seus produtos. Isto nos leva a um alto nível de qualidade, favorecendo tanto o consumidor como os atletas que dependem de um bom desempenho de seu equipamento. Suspensões, freios hidráulicos e novos materiais como o titânio são alguns dos exemplos do que este setor é capaz de produzir para fornecer mais performance, revelando a força e a potencialidade do mountain bike no âmbito industrial. Hoje, pode-se comprar uma mountain com full suspension (suspensão frontal e traseira) e freios a disco e pagar menos do que por uma bicicleta de estrada do mesmo calibre.

Além disso, o grande número de atletas profissionais ajuda a abastecer o desenvolvimento de novas tecnologias. Com o nível da competição aumentando, o desempenho das bicicletas aumentará também, numa evolução que aos poucos chegará ao alcance dos ciclistas amadores, por um preço cada vez mais acessível. “A partir de 1993, com a demanda dos atletas, as bikes e os equipamentos começaram a se especializar cada vez mais”, diz Kdra.

E assim o mountain bike somou mais e mais adeptos, sendo hoje encontrado em quase todas as regiões do mundo. Nunca um esporte se espalhou tão rápido, o que talvez se deva ao fato de aproximar as pessoas cada vez mais da natureza, de propiciar prazer e adrenalina ao praticante, e de contribuir com o condicionamento físico. Isto evidencia a importância dada ao esporte atualmente e a possibilidade de ela se elevar ainda mais no futuro. “Já existe uma cultura do esporte, tanto que não me interesso mais pelas competições e sim pelo simples fato de andar”, completa Kdra.

Para Renata Falzoni sempre existiu uma “atitude mountain bike”. “O MTB nasceu de uma forma menos competitiva e mais “for fun”. Virou competição depois. “Nossa brincadeira era transformar nossas bikes e detoná-las na trilha. A base dele é a forma lúdica. A competição é contra o terreno e não contra o colega. O tempo inteiro estamos num auto-aprimoramento da técnica. Um eterno aprendizado. E é duro”, filosofa. Mas também é bom demais.

ESPORTE DE ATITUDE

Há muitas histórias e informação flutuando em torno do começo do mountain bike no mundo. Algumas são reconhecidas e outras dependem de quem tem a melhor empresa de relações públicas. O que interessa é que o esporte tinha que ter acontecido em algum lugar – e aconteceu

OS PRIMEIROS REGISTROS SÃO DE 1896: um batalhão de infantaria norte-americano, o Buffalo Soldiers, modificava bicicletas para carregar equipamento por trilhas em mau estado. Soldados negros e um tenente branco chegaram a pedalar 1.280 quilômetros testando o uso militar de bicicletas modificadas para o terreno montanhoso. Em 1933, o norte-americano Ignaz Schwinn inventou o chamado pneu balão, que lembra muito o pneu da mountain bike. Entretanto, a semelhança entre o modelo desenvolvido por Schwinn e a mountain bike atual pararam por aí. Exceto pela robustez dos pneus, a bicicleta não lembra em nada a mountain bike moderna.

Entre 1951 e 1956, nos subúrbios de Paris, aproximadamente 20 jovens do Velo Cross Club Parisien (VCCP) enfrentavam as trilhas francesas com suas bicicletas com rodas 650 B (maior que a de 26”, usada hoje em dia), adaptadas com pneus mais largos. Na mesma década, alguns ciclistas começaram a ficar frustrados com as competições em estradas lisas demais. Procurando novos desafios, foram para as montanhas. Com isso, conceberam uma nova modalidade que não apenas colocava os atletas um contra o outro, mas contra a própria natureza. Com certa dose de irreverência, eles chamaram essa nova modalidade de clunking (em inglês, o som de batidas metálicas).

Mas, reza a lenda, um estudante universitário californiano chamado James Finley Scott foi o primeiro a modificar sua bicicleta de maneira a criar o protótipo do que hoje se conhece como mountain bike. Em 1953, ele retirou o protetor da corrente, a buzina e o bagageiro de sua Schwinn World e instalou marchas múltiplas, freios cantilever e guidão plano para usá-la fora da estrada. O desenho de Scott, chamado de Woodsie Bike, não foi propriamente um sucesso mundial, mas outros atletas logo começaram a modificar suas bicicletas na Califórnia e no meio-oeste norte-americano. A Schwinn Excelsior, de 1937, era o modelo preferido para o clunking, embora fosse muito mais tosca que as bicicletas mais toscas da atualidade.

Até aqui deu para perceber que as origens do mountain biking são totalmente inocentes. Não apareceram da idéia mirabolante de um marqueteiro visionário, mas como produto dos entusiastas da bicicleta que tentavam encontrar algo novo para fazer sobre duas rodas. Estes ciclistas, motivados pelo divertimento e pela competição, sacaram que as velhas bikes cruiser que usavam poderiam ser melhoradas com alguma tecnologia. Uma coisa conduziu à outra e o esporte nasceu.


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TRANQUEIRA

Foi no começo da década de 1970 que surgiu o termo mountain bike, hoje sinônimo de um tipo de bicicleta em quase todo o mundo. Os Cupertino Riders, também conhecidos como Morrow Dirt Club, de Cupertino, Califórnia, colocaram em suas bicicletas alavancas de câmbio no guidão e freios a tambor acionados por manetes de moto para auxiliar a transpor as montanhas de sua região. Em 1974, eles apareceram para uma competição em Marin, a 120 quilômetros de onde moravam, com os primeiros “protótipos” da mountain bike, causaram e depois desapareceram. Por duas décadas a lenda dos Cupertino foi passada boca a boca até que se confirmasse a existência de Russ Mahon, o líder daquela gangue, que hoje vive nas montanhas ao norte da Califórnia, e continua andando com o mesmo tipo de bicicleta, mas agora com amigos da idade de seu filho. Para Russ, a tecnologia das bikes de hoje não importa. O que interessa é descer as pirambas com pneus grossos, marchas pesadas e freios potentes.

Mas foi a partir da atividade dos membros do Mount Tamalpais Velo Club, um clube de ciclismo em São Francisco, do qual faziam parte Joe Breese, Gary Fisher, Charlie Kelly, Eric Koshi e Charlie Cunninghan, que o mountain bike se espalhou para o mundo. A diversão deles era levar suas bicicletas de passeio especialmente modificadas (pesando cerca de 23 kg) para o topo do monte Talmapais – em Marin County, ao norte da baía de São Francisco –, e despencar de lá. Essa competição, chamada de Repack Downhill, marcou o início do mountain bike competitivo. Famosa, passou a ser considerada a mola propulsora do esporte, reunindo competidores que buscavam novos limites, desafiando as precárias bikes e a técnica da época.

Antes de ficar mundialmente conhecido pelo nascimento do mountain bike, o monte Tamalpais era famoso por ser freqüentado por motoqueiros que desciam as ladeiras em altíssima velocidade. Por ser um passatempo com pouca segurança e responsável pela destruição da natureza local, já que deixava o solo cada vez mais erodido, as autoridades resolveram pôr fim ao hobby e deixar a circulação das motos restrita às pistas asfaltadas. Para não ficarem longe das emocionantes descidas do Tamalpais, os mais aficionados pela adrenalina resolveram inventar um outro tipo de diversão.

Depois de inúmeras idéias e tentativas, adaptaram uma bicicleta Schwinn Excelsior para suportar as descidas do monte. A idéia mostrou-se uma ótima saída, já que não prejudicava o solo e ainda conseguia se sair relativamente bem na descida. Mesmo com essas vantagens, a Schwinn Excelsior ainda não era suficiente. A graxa que ficava na catraca esquentava muito após a descida e impedia que o ciclista pudesse usar a bicicleta em seguida. Para tentar resolver esse problema, Gary Fisher resolveu adaptar sua Schwinn Excelsior. Fisher instalou em sua bicicleta um câmbio que poderia ser acionado pelo polegar e um selim totalmente regulável, adaptável tanto às subidas como às descidas. Apelidada de clunker, sua invenção teve aceitação quase que imediata e em pouco tempo as montanhas norte-americanas estavam invadidas por homens e mulheres pedalando essas magrelas.

Mais tarde, foi a vez de Joe Breeze dar mais um passo para o aperfeiçoamento do que seria, no futuro, a mountain bike. Fabricou um típico modelo Schwinn Excelsior com materiais mais leves e utilizou algumas das peças mais modernas da época (câmbio com corrente extensível, freios especiais e manetes de freios de motocicletas). Nascia assim a primeira mountain bike e com ela toda uma indústria responsável pela criação e desenvolvimento desse tipo de bicicleta e seus acessórios.

ENFIM, O MUNDO

Com o passar do tempo, os precursores notaram que estas bicicletas, que sofriam em suas mãos, precisavam de mudanças e inovações técnicas para atender às suas necessidades radicais. Então, bastou acrescentar alguns componentes (câmbio, pneus maiores e freios mais eficientes) para iniciarem no novo esporte que começava a surgir. Criava-se, assim, as formas básicas das mountain bikes modernas.

Tom Ritchey e Gary Fisher foram, além dos primeiros a praticar, os que deram os primeiros passos para a comercialização da mountain bike. Tom foi talvez quem mais contribuiu para o desenvolvimento de novos quadros e materiais para o esporte. Além de correr, construía e desenvolvia quadros e componentes artesanalmente. Ele é o responsável pelo atual design dos quadros tipo diamante, provenientes das bikes speed, ao lado de Gary Fischer, que adaptou e desenvolveu vários componentes, como o câmbio. Ambos têm hoje suas respectivas empresas, a Ritchey e a Fischer Bikes.

Na união das potencialidades de cada um, mais a de Charles Kelly (que comercializava as bikes e hoje é um dos principais historiadores do esporte), criaram a Mountain Biker, primeira empresa a produzir, mesmo em escala reduzida, bicicletas destinadas diretamente ao novo esporte. Mas o mountain biking só evoluiu consideravelmente com o lançamento da primeira bicicleta produzida em larga escala, a Specialized Stumpjumper, que entrou no mercado em 1981 e mais tarde se tornaria um mito. Mike Syniard, fundador e presidente da Specialized, apostou no novo esporte e na sua potencialidade, comprou alguns quadros fabricados por Ritchey e enviou-os para o Japão, para serem copiados e produzidos em série. A marca investiu pesado e houve uma difusão relâmpago do esporte nos Estados Unidos. Para se ter uma idéia, já na década de 80 as mountain bikes eram as bicicletas mais vendidas de toda América do Norte e ocupavam 20% das vendas na Europa.

Durante os dez anos seguintes, os ciclistas pedalaram em todos os tipos de terrenos, dos remotos Alpes aos parques das cidades, em competições informais e por pura diversão. Até o final da década, 70% das bicicletas vendidas no mundo eram desse tipo.

A Go Outside acredita que a mountain bike surgiu de uma série contínua de eventos que acabaram se conectando, ao invés de um evento isolado. Mais do que um simples modismo, essas bicicletas acabaram preenchendo muito bem o papel de meio de transporte e lazer. Por ser mais durável, resistente e confortável que as outras bikes, ela tornou-se muito popular, sendo usada dentro e fora das trilhas pela maior parte das pessoas que costumam pedalar – mesmo quando não sabem que estão pedalando uma mountain bike.


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ESTILOS

Conheça melhor cada uma das divisões do mountain bike

CROSS-COUNTRY OU XC

Modalidade mais conhecida do esporte, acontece em circuito de terra, misturando subidas, descidas e retas. As competições acontecem em estradões e trilhas fechadas e duram, geralmente, diversas voltas no circuito. Os atletas largam juntos e vence quem completar a distância determinada em menor tempo.

DOWNHILL

Uma das mais técnicas e emocionantes modalidades do esporte, o downhill consiste na descida de montanhas por estradas de terra, single tracks e outros obstáculos. As provas oficiais reconhecidas pela UCI são realizadas da seguinte maneira: um a um, os atletas descem o percurso predeterminado, que geralmente é bastante acidentado e tem de dois a cinco quilômetros de distância. Quem completar o percurso no menor tempo é o campeão. Hoje também existem as provas com quatro atletas descendo ao mesmo tempo.

DUAL SLALOM/4X

É uma espécie de downhill disputado por dois competidores ao mesmo tempo. Eles descem lado a lado, contornando, ao longo da descida, num movimento de ziguezague, alguns obstáculos. Vence a prova quem chegar na parte mais baixa da montanha em menor tempo.

BIKETRIAL

As competições de biketrial, modalidade derivada do trial de motocicleta, são as de maior valor artístico dentro do mundo do mountain bike. Aliam técnica e habilidade, abrindo mão da velocidade. No trial, o biker tem que passar por obstáculos naturais ou artificiais extremamente difíceis, como pedras, pontes estreitas e barris, sem encostar os pés ou qualquer parte do corpo no chão. As bicicletas para esse tipo de competição podem ser uma mountain bike adaptada ou bicicletas aro 20 especiais para a modalidade, que possuem pedais altos, quadro reforçado, freios muito eficientes, direção mais sensível e pneus grossos. Nas competições de biketrial, vence o atleta que completar o circuito de obstáculos apoiando menos vezes o corpo.

DUAL

É uma série de corridas eliminatórias e a única diferença em relação ao dual slalom é que os competidores descem cabeça a cabeça em uma mesma pista.

UPHILL

Inverso ao downhill, os competidores precisam subir um percurso com pelo menos 80% de ladeira. A competição pode ser em grupo ou com tomada individual de tempo.

TRIP TRAIL OU MARATONA

Mais conhecido por aqui como “inter city”, é uma prova feita em um percurso longo, que varia de 20 a 40 quilômetros, alternando trechos de estrada, trilhas e um pouco de asfalto. Normalmente ela se inicia em uma cidade e termina em outra. Vem ganhando popularidade devido ao seu caráter festivo e de fácil acesso a todos, como em uma maratona.


CICLOTURISMO

Com o conforto e resistência proporcionados por uma mountain bike, as viagens e longos passeios de bicicleta do cicloturismo acabaram adotando-a como equipamento preferencial para qualquer tipo de jornada. Com o desenvolvimento do cicloturismo e o aumento de seus participantes, os fabricantes de mountain bike desenvolveram um tipo de bicicleta chamada “híbrida’’, que mistura características da mountain bike com uma bicicleta de estrada, para ser usada nas viagens. O cicloturismo não possui competições.

FREERIDE

Mais nova tendência do mountain bike, o freeride é uma tentativa de unir todas as divisões do mountain bike. Praticado com bicicletas full suspension, mistura a adrenalina da velocidade de um downhill, o esforço físico do cross-country, a exploração do cicloturismo e a habilidade do biketrial. O que vale é pedalar com o maior prazer – e radicalidade – possível.

URBAN ASSAULT

Assim é conhecida uma vertente do mountain biking que usa obstáculos urbanos para fazer manobras. Os bikers mais radicais descobriram que as bicicletas usadas para o downhill e o freeride se davam muito bem no ambiente urbano, principalmente em escadas. Posteriormente, a indústria começou a criar bikes específicas para a prática do urban, com características tanto de mountain bike quanto de BMX. Até campeonatos surgiram com o novo conceito.

ANATOMIA DE UMA MAGRELA

Veja o que torna as bikes de montanha irresistíveis tanto para os aficionados por trilhas como para os bikers que curtem dar um rolê urbano

AO CONTRÁRIO DO QUE DIZ SEU PRÓPRIO NOME, a mountain bike não é de uso exclusivo e específico para solos montanhosos, e sim adaptável para a maioria dos terrenos. Por ter um aspecto robusto, leva a vantagem de ser mais segura e cômoda que os demais modelos de bicicletas.

Um dos seus maiores atrativos é a tecnologia empregada no seu desenvolvimento. Materiais anteriormente usados apenas na indústria aeronáutica e espacial, como o titânio, termoplástico, magnésio, berílio e compostos de alumínio, são utilizados na confecção de quadros e outras peças. Outros avanços tecnológicos, como o uso de freios a disco e hidráulicos, sistema de câmbio a ar e suspensão dianteira e traseira eletrônicas, entre outras tecnologias, fazem com que essas bikes avançadas fiquem mais leves, mais rápidas e capazes de superar mais obstáculos.

Suas principais características são o guidão reto ou curvo para cima; os pneus grossos, com cravos, que absorvem impactos de forma mais eficiente e oferecem mais controle da bicicleta em terrenos acidentados, na areia e na lama; o quadro dimensionado de acordo com critérios ergonômicos, que de um modo geral propicia ao ciclista uma postura mais cômoda; a direção leve e de fácil manuseio; o câmbio entre 15 e 27 relações diferentes, que podem ser articuladas facilmente com o polegar; a capacidade de passar por qualquer tipo de terreno e, por possuir um sistema de freios potente, de se comportar extremamente bem nas descidas. Atualmente, grande parte possui amortecimento dianteiro e/ou traseiro para reduzir os impactos sentidos pelo ciclista e permitir maior controle da bicicleta.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2007)







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