Ouro com pimenta


BOTE A BOTE: Brasil e Japão emparelhados no descendo, na prova que garantiu o título mundial ao Brasil

Por Fernanda Franco

PARA IR DE BROTAS À CORÉIA DO SUL é preciso literalmente atravessar o mundo, cruzar oceanos, desertos e continentes. Mas nem o desgaste pelo fuso horário, o baixo nível do rio ou os excêntricos gostos culinários do povo local tiraram a disposição e o alto astral dos meninos da equipe Alaya Bozo Dágua. Os rapazes foram a atração da competição, contagiando as outras delegações com muito alto astral e batucada na disputa do 4o Campeonato Mundial de Rafting, que rolou na cidade de Inje entre 30 de junho e 2 de julho.

As melhores equipes do mundo, entre elas as da Eslovênia, República Tcheca e Alemanha estavam presentes na disputa das modalidades sprint, slalom e descenso. Os brasileiros, locais das corredeiras do rio Jacaré-Pepira, apesar de não serem favoritos, tinham a seu favor a conquista do ouro na categoria sprint no último mundial, em 2005, o título Panamericano obtido no ano passado na Costa Rica, muita preparação e, claro, a vibe brazuca. Apesar de parecer clichê, foi exatamente a combinação entre performance e união da equipe que trouxe aos rapazes, ao Brasil e ao continente americano o primeiro título mundial de rafitng, desbancando os feras do Velho Mundo e outras equipes que corriam por fora, como o Japão.

“Existe uma comunicação fora de série entre eles, uma espécie de sexto sentido”, soltou Jean Claude Razel, empresário da equipe desde 2005, ao tentar explicar a relação vencedora entre os integrantes dentro do bote. Razel fala também que num esporte onde a atividade principal é remar, a diferença está na sintonia da equipe. “Todas as equipes têm uma boa remada. Os rapazes agem como um jogador de futebol que toca a bola sem olhar, pois já sabem onde o companheiro vai estar”.

O capitão e fundador da equipe Lucas Paolino Coré, 25, explica como a Bozo D’Água funciona durante a prova. “Cada um tem sua função no bote e procuramos não desperdiçar energia. Os dois da proa ditam o ritmo, enquanto os do leme conseguem enxergar melhor a sincronia e a posição das mãos, corrigindo quando necessário”, diz. “Não sou o capitão e eles os soldados”, completa, ressaltando sua humildade e enaltecendo a relação de amizade entre eles.

JÁ NA PRIMEIRA MODALIDADE, O SPRINT – prova de velocidade em que os competidores percorrem um trecho curto de rio, no menor tempo possível –, os brasileiros testaram e aprovaram a receita do sucesso. A monção comum no final de junho não aconteceu, deixando o nível do rio Naerinchon baixo e muitas equipes nervosas, menos a nossa. Os brotenses, mais acostumados a lidar com rios em diferentes níveis por causa das atividades ininterruptas de rafting em Brotas, fizeram o terceiro melhor tempo na fase de classificação. Nas baterias mata-mata, não deram chance para nenhum outro bote, desbancando ingleses, mexicanos, eslovacos e abocanhando o ouro em cima dos japoneses, além de garantirem o melhor tempo da prova. Os tchecos queimaram a largada, ficando só com o 16o lugar, o que lá na frente seria de grande importância para os “Bozos”.

Na disputa do slalom, prova em que o bote deve fazer um zigue-zague entre balizas, os brasileiros fizeram um ótimo tempo, mas acabaram encostando em duas balizas e tiveram um acréscimo, ficando com a 5a colocação na modalidade, para decepção dos garotos. “Esperávamos uma colocação melhor, pois somos bem precisos”, lamenta Coré, em relação à penalização de cinco segundos no tempo final. A campeã dessa vez foi a Alemanha, empatando agora com o Brasil com um 1o e um 5o lugar nas duas modalidades.

O desempate deveria acontecer na modalidade descenso, uma descida de aproximadamente 40 minutos por corredeiras, mas outras cinco equipes ainda tinham chance de levar o título devido à combinação de resultados e ao peso maior dessa prova. Depois de um acordo com todas as equipes, a organização transferiu a prova para outro rio, mais cheio. As equipes fizeram o reconhecimento no período de manhã e à tarde começaram as baterias. Com três botes por bateria, eles competiram com Alemanha e Japão numa disputa acirradíssima, onde mais uma vez a determinação do bote foi fundamental. “Tínhamos que chegar na frente dos alemães de qualquer jeito. Era dar tudo naquele momento, mesmo que chegássemos ao final desmaiados”, relembra o capitão Coré.

Após escolherem o lado direito da margem e deixarem as outras duas equipes disputarem a entrada nas corredeiras, os “Bozos” foram surpreendidos por uma “linha” diferente da que encontraram pela manhã, pois o rio havia subido. Ao se enroscarem numa pedra, foram ultrapassados pelas duas equipes. A descida ainda permitiu uma disputa remo a remo com os alemães, que foram ultrapassados na última corredeira, sucumbindo à força e a união do grupo. “Saímos de trás, ficamos lado a lado com eles e passamos no final. Mas com a vitória do Japão ainda dependíamos de outros resultados para sermos campeões gerais”, completa Coré.

Os tchecos, que competiram em outra bateria, venceram essa modalidade. Mas mesmo com essa conquista, ainda ficaram dois pontos atrás dos meninos de Brotas na classificação geral, graças ao péssimo desempenho no sprint. O ouro estava garantido para a Alaya Bozo Dágua.


UM POR TODOS: Samuel Almeida, proa direita, dita o ritmo para a vitória dos meninos de Brotas

OS OITO INTEGRANTES DA EQUIPE vinda do interior paulista comemoraram muito o título e não deixaram de lembrar as dificuldades que tiveram para estar lá. Mesmo com a vaga garantida para o Mundial, a falta de patrocínio ameaçava a ida deles à Coréia.

Durante os treinos, já em Inje, eles tiveram quatro remos quebrados por causa do baixo nível do rio e enfrentaram dificuldades com a língua e a culinária local. “Trocamos de remo a cada quatro anos e cada um compra o seu, diferente das outras equipes que recebem material das confederações”, conta André Brandão, 23. Com relação à comida, ele explica: “Tudo era feito com pimenta e, como eu não ia remar, eu era a cobaia na hora de pedir os pratos. Escolhi um macarrão que parecia a bolonhesa, mas era pimenta pura e tive que cuspir no prato, parecendo uma desfeita”, relembra, agora rindo da situação.

Passada a euforia do título e a calorosa recepção em Brotas, a equipe já pensa nas próximas remadas. “Ao vencer esse mundial, ganhamos responsabilidade. Agora temos que defender o título na Bósnia em 2009”, planeja Jean Claude. O capitão Coré cumpre seu papel na liderança natural do time e vai ainda mais longe: quer defender o título do Pan-americano na Argentina em 2008 e ganhar as três categorias no mundial da Bósnia.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2007)







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