Camicase d’água


OS PICA-PAUS: O novo recordista mundial Bradt Tyler (segundo da esquerda para a direita) faz cara de mau entre a equipe que registrou o novo recorde

Por Fernanda Franco

APESAR DA IDADE, TYLER BRADT, DE 21 ANOS, é um canoísta inveterado. Entre as aventuras do norte-americano, está uma expedição de caiaque pelo Madagascar e outra em que percorreu, num caminhão movido a biodiesel, as Américas atrás de boas cachoeiras para descer. No dia 7 de setembro, Tyler entrou de vez pro hall da fama da aventura: ele bateu o recorde de descida de cachoeira em caiaque ao despencar com sucesso os 32 metros da queda Alexandra, no Canadá. Apesar de ainda não ter sido homologado pelo livro dos recordes, o feito já é válido, afinal Tyler não foi jogado pra fora do caiaque e não “flipou”, ou seja, não virou o barco de ponta-cabeça na aterrissagem. A marca supera o drop do também norte-americano Tao Berman, realizado em 1999 numa das duas quedas do cânion Johnston, no Canadá.

Mas um feito como esse não é possível sem muito planejamento. Para ter certeza de que poderia chegar ao fim da Alexandra vivo, Tyler esteve na cachoeira uma semana antes, depois de dirigir a noite toda até o rio Hay, local a nordeste do Canadá e afastado de qualquer cidade. Olhou, observou, calculou. Mas foi só na segunda ida, num dia de sol e calor, que ele sentiu ser o momento certo. “Nesse dia a cachoeira estava perfeita e eu decidi descê-la”, relembra Tyler. Apesar de não ter feito nenhum treino específico no local, ele contava com a sua habilidade e experiência no esporte que pratica desde os seis anos de idade. “Me senti mais do que preparado. Posso dizer que treinei a vida inteiro para aquilo”, conta.

Tyler prova a sua maturidade ao ter dado um passo de cada vez rumo ao livro dos recordes. Ao longo de 2007, ele conquistou quedas cada vez mais altas, sempre com perfeição nas aterrisagens. Começou com uma no Chile de 20 metros; passou pela Manquam, no Canadá, de 22 metros; e finalmente botou no bolso a Sahara, no Oregon (EUA), com 24 metros. Esta última, além de ser a mais alta dropada por ele até então, era também parecida com a Alexandra, pois as duas têm entradas muito rápidas. Apesar de neste esporte sucesso passado não ser garantia de êxito futuro, a conquista fomentou confiança e tranqüilidade no camicase norte-americano, fazendo-o enxergar a Alexandra com respeito mas, ao mesmo tempo, vontade de conquistá-la.


MADEIIIIIRA: Tyler segundos antes de despencar os 32 metros da queda de Alexandra, no Canadá, bater o recorde mundial da modalidade e sair sem nenhum arranhão

Analisar com precisão a cachoeira é fundamental não só para bater o recorde como para garantir a segurança e até a sobrevivência do atleta. Com uma massa de água supervolumosa que pesa o equivalente a oito elefantes sobrepostos, um errinho significaria o fim de uma carreira promissora. Os cuidados antes de descer a Alexandra incluíam analisar principalmente o lip, último ponto durante a descida no qual o canoísta consegue controlar a aterrisagem na base da queda. E justamente o lip era o ponto crucial na Alexandra. Qualquer desvio e Tyler seria engolido pela caverna que fica atrás da queda.

Outro ponto decisivo era o ângulo do caiaque no momento da aterrisagem. Para não sentir o tranco da desaceleração, o barco deve entrar na água totalmente vertical, primeiro com o bico. Se isso não acontece, o impacto pode quebrar as pernas ou mesmo a coluna do atleta. Se passasse do ponto, seria a cabeça de Tyler que se espatifaria. Mas o dia D realmente estava brilhando para Tyler e o cara saiu da absurda queda totalmente ileso.

Infelizmente, seu parceiro de aventuras não teve a mesma sorte. Rush Sturges, de 22 anos, depois de perder o “joquempô” para saber quem descia primeiro, despencou água abaixo e foi ejetado do caiaque depois que o impacto da aterrisagem separou o canoísta da saia. Imediatamente Rush foi jogado para trás da cortina d’água e só depois de quatro tentativas conseguiu nadar para um local seguro e se safar da roubada. Mesmo assim, o maluco insiste em dizer que o pouso foi tão macio como cair num tufo de algodão.

Já Tyler sabe que a sorte não bate duas vezes na mesma porta e por isso afirma não ter vontade de tentar novamente a façanha. “Com o tamanho e as características da Alexandra, eu e Rush estamos felizes por nunca mais dropar essa cachoeira”, disse Tyler. “Nunca”, ratificou Rush.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2007)







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