Temporada de caça


FANTASMA VERDE: Burle em Ghost Tress, Califórnia, no dia que ficou conhecido como Big Tuesday

Por Fernanda Franco

TIRANDO OS SNOWBOARDERS E OS ESQUIADORES, que dependem da neve para praticar seus esportes, surfistas de ondas grandes são os atletas mais fãs do inverno. A chegada da estação fria é responsável por trazer as maiores e melhores ondulações do ano, criando condições ímpares para os big riders. “As boas ondas do inverno ocorrem porque nessa época as tempestades que acontecem em alto-mar são mais intensas e os ventos mais fortes”, explica o PHD em ciências oceânicas pela Universidade da Califórnia, Eloi Mello. “E, para o surf, o que interessa é a velocidade do vento, a área que este vento vai percorrer no oceano e o tempo que levará para chegar até a costa”, complementa.

E a temporada de ondas no hemisfério Norte, que geralmente rola de fim de novembro a meados de marco, este ano já disse ao que veio. Mavericks, na costa norte da Califórnia (EUA), passou por dias tão insanos no começo de outubro que acabou sendo declarado ali, no dia 18 de outubro – mais de um mês antes do usual – o Opening Day ou começo oficial da temporada. Os brasileiros Danilo Couto e Rodrigo Resende e o norte-americano Jeff Clark foram alguns dos surfistas que começaram com o pé direito (ou esquerdo, dependendo da base). Eles engoliram mais rápido o peru do feriado norte-americano de Ação de Graças para fazer a digestão nas bombásticas direitas de Mavericks.

A maré foi tão boa que até mesmo Teahupoo (no Taiti, hemisfério Sul) deu um assoprão no ouvido dos big riders para lembrar que ainda não tinha acabado seu gás, apesar de lá já ser praticamente verão. Os gringos Garret MaNnamara, Shane Dorian e os brasucas Maya Gabeira, Carlos Burle e Rodrigo Resende voaram para ao local nos primeiros dias de novembro para surfar de tow-in ondas de até cinco metros. Tubos cristalinos verde-esmeralda provocaram uma euforia generalizada em quem assistia as sessions de dentro dos barcos. Carlos Burle foi um dos felizardos do dia. “Estar ali, preparado físico e emocionalmente, não foi fácil. Todos que estavam surfando ou assistindo sentiram o quanto foi especial aquele momento. Era muita emoção a cada onda”, conta Burle.

O mesmo Deus dos mares levantou com força as ondas da costa da Irlanda no comecinho de dezembro. Morras de até 14 metros, até então jamais vistas ou surfadas naquela região, fizeram a Europa entrar no cenário do big surf. A mesma ondulação chegou à Espanha. Rolaram ondas de 20 pés (7 metros) na praia de Gris, no norte do país, e também em Portugal, provocando comemorações nos mais diferentes idiomas.

Claro que a hora do Havaí chegará. Um swell anunciado já balançou Waimea (Oahu) e Outer Spreks (Maui) em plena segunda-feira, dia 03 de dezembro. A estrada e os mirantes que dão visão para as praias do North Shore ficaram lotados de curiosos e o mar ficou colorido de gunzeiras para prestigiar o primeiro mar grande de Waimea da temporada 2007/2008. O swell bombou com tanta força que no dia seguinte chegou à costa da Califórnia em dois locais diferente: Mavericks (claro!) e Ghost Tree, 300 quilômetros ao norte.

Burle e Ian Walsh estavam em Ghost Tree, enquanto Danilo Couto e Rodrigo faziam tow-in nas poderosas ondas de até dez metros de Maverciks, num dia que ficou conhecido como Big Tuesday (terça-feira grande). Na quarta-feira (5) a ondulação chegou a Todos os Santos, no México, consagrando definitivamente a a temporada de caça. No México as ondas estavam tão extremas que foi preciso fechar o porto de onde saem os barcos com surfistas e fotógrafos. O responsável pelo lugar só liberou a saída do pessoal depois que estes assinaram uma carta se responsabilizando pelos riscos de enfrentarem aquelas condições. “A temporada já começou animal. Foram três dias intensos, de altas ondas, fechando com chave de ouro no surf de remada em Todos os Santos. O que vier agora, já é lucro”, vibra Danilo, que voou para os três picos – Havaí, Califórnia e México –, seguindo o swell.

Mas as ondas de até 70 pés (25 metros) de Mavericks também deixaram marcas infelizes. O experiente surfista local Davi Perri morreu no mar, depois de tomar uma vaca surfando na remada. O brasileiro Rodrigo Resende também passou por maus bocados ao tentar resgatar Jeff Clark das pedras de Mavericks pilotando um jet-ski. Laird Hamilton, que surfava em Outer Spreks morras de 25 metros, teve que resgatar seu colega Brett Lickle quando a perna deste foi cortada pela quilha da prancha depois de uma vaca.


MESTRE E PUPILA: Forte favorita ao prêmio feminino para as maiores ondas do ano, Maya se prepara para se tornar a primeira mulher a surfar Ghost Tree, rebocada por Burle

ESSE INÍCIO DE INVERNO AGITADO deve acelerar os eventos que dependem das condições do mar, como o Quiksilver Big Wave in Memory of Eddie Aikau, que homenageia o lendário salva-vidas havaiano morto no mar e só acontece com um mínimo de 20 pés de onda. Em 21 anos o evento só rolou sete vezes e a última edição foi na temporada 2004/2005. A janela de espera para o Aikau começou no dia 1º de dezembro de 2007 e vai até 29 de fevereiro. Mais do que oferecer xx mil dólares de premiação aos 28 convidados, o evento representa a celebração do surf de ondas grandes. Burle, o único brasileiro do grupo, sabe da importância de estar lá. “São as melhores ondas com os melhores do mundo. É muito bom estar presente”, comenta.

Outro evento que só acontece com excelentes condições de mar é o Mavericks Surf Contest, organizado sob a batuta do “descobridor” do pico, Jeff Clark, com 24 convidados que esperam por ondas de 20 pés. A cerimônia de abertura rolou três dias depois do monstruoso swell de 70 pés e todos confiam que outro swell aparecerá. O baiano Danilo Couto está no grupo que tem nomes como Garret McNamara, Grant Washburn, Greg Long e Ross Clark-Jones. “Faço parte da lista desde 2005, quando fiquei em 9o lugar. Em 2006 não rolou”, lamenta.

Danilo compara a presente temporada com a de 2004/2005, quando ele concorreu ao prêmio de maior onda surfada do Billabong XXL, o Oscar das ondas gigantes. Este ano, o evento premiará seis categorias, distribuindo 110 mil dólares para os melhores surfistas, fotógrafos e cinegrafistas. Apesar das inscrições se encerrarem dia 19 de março, a quantidade de ondas já inscritas promete dar trabalho aos juízes. A dupla Rodrigo e Danilo – presente em todos os grandes swells até agora – é candidata ao prêmio. O problema é que eles não têm em mãos ainda boas imagens dos três inesquecíveis dias. “Tinha neblina em Todos os Santos e também vai depender do ângulo da foto”, pondera Danilo.

Já Burle, vencedor do prêmio na temporada 2001/2002 com uma morra de 68 pés em Teahupoo em que foi rebocado por seu parceiro Eraldo Gueiros, também é candidato na categoria de maior onda de remada do XXL 2007/2008. Ele cita as ondas surfadas por Shane Dorian, Ian Walsh e Skin Dog como fortes concorrentes e desfoca a importância do quesito monetário do prêmio. “O que mais tem valor é o reconhecimento da comunidade do surf. São pessoas que você admira e que com o tempo passam a te respeitar também.” Ele faz questão de citar a brasileira que levou o prêmio no ano passado e que continua tirando o fôlego de quem assiste às suas demonstrações de coragem. “A Maya Gabeira é a grande favorita ao bicampeonato na categoria feminina”.

Com mais de dois meses de inverno pela frente e com um início de temporada pra lá de surpreendente, o negócio é ficar conectado às previsões climáticas – mais precisas a cada temporada – e torcer para Netuno continuar enchendo a mão. Os big riders agradecem, e nós também.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de janeiro de 2008)







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