“Eu quero que esse filme pegue as pessoas pelo coração”


ABANDONO: Cena na qual Franz ( Hal Holbrook) deixa Chris (Emile Hirsch) na estrada para sua grande aventura final

Por Christopher Keyes
Fotos Dan Winters

SÃO SÓ OITO E MEIA da manhã quando vejo os nudistas ao lado da van do bufê. Estou entrevistando o produtor-executivo da versão cinematográfica do clássico Into the Wild (Na Natureza Selvagem, em português), Frank Hildebrand, quando um automóvel GMC Yukon pára no estacionamento ao nosso lado e um homem peludo com a pele curtida, usando um roupão de banho azul-claro que desce até os joelhos, sai pelo lado do passageiro. Uma lufada de vento ergue o roupão e – opa!

“Quando Chris estava acampado aqui”, explica Hildebrand, “ele estava logo do lado das termas Oh-My-God”. Estamos do lado do parque estadual do deserto de Anza-Borrego, na Califórnia (EUA), uma árida terra de ninguém repleta de montanhas de pedras vermelhas cobertas de arbustos espinhentos chamados ocotillos e uma baixada desértica que se estende até o lago salino conhecido como mar de Salton. “Esse pessoal são os figurantes na cena que estamos filmamos”, diz, antes de acrescentar o óbvio: “mas são nudistas de verdade”.

Chris é Christopher McCandless, o jovem de 22 anos de Annandale, Virgínia, que se formou em 1990 na Universidade Emory, em Atlanta, doou os 24 mil dólares que restavam de seu fundo estudantil para a Oxfam America [braço de uma organização internacional que trabalha contra a pobreza, fome e injustiças sociais], cortou os laços com seus pais e saiu numa missão para escapar de seu passado de menino rico. Por dois anos, ele vagou sozinho pela América do Norte com o nome Alexander Supertramp, abandonando seu carro no deserto do Arizona, viajando clandestino em trens e pegando carona da Califórnia até Dakota do Sul, de Oregon até Utah, de Wasjington a Baja, e um monte de outros lugares pelo caminho. Então, na primavera de 1992, ele entrou caminhando nas terras selvagens do Alasca para sua última aventura. Quatro meses depois, isolado da civilização por um rio cheio, morreu de fome em um ônibus abandonado da cidade de Fairbanks.

Após detalhar a trágica odisséia de McCandless na edição de janeiro de 1993 da Outside norte-americana, Jon Krakauer expandiu a história no livro de 1996, Into the Wild, no Brasil Na Natureza Selvagem. O livro ficou 103 semanas na lista de mais-vendidos do jornal New York Times e atualmente é lido em salas de aula por todo os EUA, um versão não-ficcional do livro O Apanhador no Campo de Centeio, que fala dos mesmos assuntos: famílias disfuncionais, juventude mal-direcionada, o desejo de vagar sem rumo e uma clássica história de aventuras. Ao longo dos anos, centenas de leitores se emocionaram a ponto de escreverem para a família de McCandless. Outros largaram tudo e fizeram peregrinações pelos lugares onde Chris viajou, incluindo o remoto ônibus no Alasca onde ele morreu.

Da mesma forma cineastas foram seduzidos pelo livro, mas nenhum mais que o diretor a ator ganhador do Oscar, Sean Penn, que passou os últimos dez anos tentando filmar Into the Wild. “Essa história simplesmente me acertou num ponto fraco”, conta Penn, descrevendo sua descoberta do livro em 1996. “Em parte falava da dificuldade de se confiar na família e na sociedade como um todo, mas o aspecto mais importante era esse desejo de viajar que todo mundo tem”.

No outono de 2005, Krakauer e a família McCandless finalmente aprovaram os planos de Penn para o filme (que estreou nos EUA em setembro de 2007 e no Brasil dia 22 de fevereiro de 2008), em parte graças à sua promessa de manter-se fiel à história original. Na primavera seguinte, Penn caiu na estrada com uma equipe e um elenco de astros – incluindo os atores Emile Hirsch, Vince Vaughn, Catherine Keener, William Hurt e Marcia Gay Harden, e o produtor-executivo do filme O Segredo de Brokeback Mountain, William Pohlad. Durante seis meses, a equipe de 150 pessoas viajou pelos EUA, filmando em 36 locais visitados por McCandless. Penn era fanático por detalhes. Tudo tinha que ser exaustivamente acurado, desde a barba do protagonista (Hirsch, de 22 anos, encarna McCandless) até a reconstrução do ônibus no Alasca e, claro, a presença de nudistas de verdade no set de filmagens.

Hoje é o 78º dia de filmagem. Penn – usando calças jeans, uma camiseta verde, botas e um chapéu de caubói de palha – explica a próxima cena para Hirsch. McCandless será deixado em seu acampamento selvagem por Ronald Franz (interpretado pelo experiente ator Hal Holbrook), um veterano do exército de 80 anos, que morava perto da cidade de Salton e fez amizade com McCandless, oferecendo-o para adotá-lo.

“Vamos usar a regra do ‘cala-boca, porra’”, diz Penn, para ninguém em particular. A equipe toda fica em silêncio enquanto assistimos a cena se desenrolar.

“Ação!”

O Ford Bronco de Franz se aproxima do acampamento quase vazio e os dois descem. McCandless senta no capô da caminhonete – como Penn tinha determinado – e explica a Franz a sua filosofia sobre arranjar um emprego. “Acho que carreiras são uma invenção do século 20”, diz. Ele está usando uma camiseta vermelha, shorts de corrida azuis, e tênis de corrida da marca New Balance. “Tenho educação universitária. Não sou um destituído. Vivo deste jeito porque quero”.

“Na sujeira?”, pergunta Franz, olhando para a pequena lona verde que McCandless amarrou entre dois arbustos como abrigo. “Onde está sua família?”

“Não tenho mais família”, refuta McCandless.

Na verdade, os pais de McCandless, Walt e Billie, e sua irmã mais nova, Carine, estão todos hoje aqui no set. Carine está a poucos metros e assiste a cena se repetir por mais três tomadas. Esta convergência entre realidade e ficção é ao mesmo tempo incômoda e emocionante. Mas então, o jeito como Penn, a sua equipe e a família se juntaram para contar a história de McCandless é por sua própria conta inacreditável. Aqui eles contam essa história com suas próprias palavras.


SET: Segundo o pai de Chris, o ator Emile Hirsch ficou a cara do filho durante as filmagens

Como muitos que trabalham neste filme, Sean Penn lembra exatamente quando descobriu Into the Wild.

SEAN PENN, 47, roteirista e diretor: em 1996 entrei numa livraria a céu-aberto em Brentwood (Califórnia, EUA) e vi o livro. Bem, o que eu vi, mesmo, foi o ônibus na capa e não sei bem porque aquilo me deixou intrigado. Na manhã seguinte já o tinha lido duas vezes e queria fazer o filme. Essa foi a primeira coisa que eu pensei. Liguei para Jon Krakauer e ele me explicou que tinha um acordo que dizia que qualquer discussão sobre o filme teria que envolver a família antes dele fazer qualquer coisa com os direitos. No começo, me vi competindo com um monte de gente que tinha chegado antes.

BILLIE McCANDLESS, 62, mãe de Chris: Fomos inundados na hora por produtores e diretores de toda a parte. Mandamos todo mundo falar com nosso advogado antes. Eventualmente reduzimos a lista para cinco pessoas e marcamos algumas reuniões.

WALT McCANDLESS, 71, pai de Chris: A maioria das pessoas só falava besteira. Um grupo disse “vamos mudar a história e fazer Carine sair para procurar Chris”. E isso matou a idéia na hora.

CARINE McCANDLESS, 36, irmã de Chris: A pessoas tentava nos impressionar com poder e nomes importantes. Mas a questão não era o dinheiro. Sean Penn desde o começo foi, claramente, alguém mais interessado em contar a verdade do que contar aquilo que venderia mais entradas.

BILLIE: Walt montou uma tabela com nomes na qual marcávamos individualmente, conforme conhecíamos gente. No final, todos nós escolhemos Sean Penn. Foi a intuição de todos.

PENN: Fiz algumas viagens para ver a família. Estava a caminho do aeroporto para a que seria a última viagem quando Billie teve um sonho no qual o filho dizia que não queria que o filme fosse feito. Falei para ela que, se eu não respeitasse sonhos, não estaria fazendo filmes. E deixamos por isso mesmo. Isso foi há nove anos.

WILLIAM POHLAD, 51, produtor: Sean manteve contato com a família. Ele disse que respeitava a decisão, mas se um dia eles mudassem de idéia, ainda estaria interessado.

CARINE: Sean manteve, com toda a educação, o pé na nossa porta por dez anos. Não tem jeito de explicar melhor.

PENN: Acho que trocamos alguns cartões de Natal ao longo dos anos. Nunca desisti do filme. Acreditava que mais cedo ou mais tarde eles decidiriam fazê-lo.

BILLIE: [Em 2005], Jon notou que as coisas estavam esquentando de novo. Alguém, não Sean, planejava fazer o filme de qualquer jeito, sem a participação de Jon ou da família. Se a gente quisesse fazer alguma coisa, era agora ou nunca.

CARINE: Sean veio pra minha casa em Virginia. Jon e meus pais estavam lá e sabíamos que chegaríamos a uma decisão definitiva até o final da reunião. Tenho um jardim grande e ficamos sentados no lado de fora algum tempo. Nós preparamos o jantar juntos. Era uma chance para fazer as perguntas difíceis.

WALT: Sean disse “vou devotar dois anos da minha vida e não vou pegar outros projetos”. E foi o que ele fez.

PENN: Escrevi um esboço de roteiro bem rápido quando chegou a hora. Normalmente, você escreve alguma coisa e leva um ano para obter o financiamento. Neste caso, algumas semanas depois, já falávamos de datas para o início de filmagem.

***

Com o apoio da produtora Pohlad e da Paramount Vantage em fevereiro de 2006 Penn tinha apenas algumas semanas para juntar uma equipe e encontrar locações antes de começar a filmar naquela primavera.

PENN: Foi preciso uma união de forças para fazer isso acontecer. Consegui juntar uma equipe sensacional. Foi como chamar o exército para uma missão de emergência e todo mundo se ofereceu como voluntário.

FRANK HILDEBRAND, 55, produtor-executivo: Sean começou retraçando os passos de Chris e tentou se encontrar com o maior número de pessoas que o conheceram. Um dos personagens principais, Wayne Westerberg, trabalhou como motorista no filme.

WAYNE WESTERBERG, amigo e ex-chefe de Chris McCandless que o contratou para fazer bicos em seus silos de cereais em Carthage, em Dakota do Sul (Westerberg, que identificou o corpo de McCandless no Alasca, ainda se refere ao velho amigo como Alex): Meu telefone tocou na caminhonete e era Sean Penn. Ele queria vir no dia seguinte para Dakota do Sul. Ele pediu para eu trabalhar no filme e pensei “em que outra época da minha vida eu teria a chance de trabalhar numa produção por um ano?” Então eu estacionei a minha caminhonete, coloquei tudo no piloto-automático, e acabei indo com essa galera no ano passado [2006]. Trabalhei no transporte.

***

Entre todas as locações que Penn examinou, a região remota do Alasca onde McCandless passou seus últimos meses provou ser a mais difícil de duplicar. Ele começou visitando o ônibus verdadeiro, que ainda está no mesmo lugar, nas regiões inóspitas de Healy.

PENN: Fomos no inverno com tratores de neve. [O ônibus estava] exatamente na mesma condição. O mais impactante foi que as botas [de McCandless] ainda estavam no chão e suas calças estavam lá, dobradas, com os remendos que ele costurou nela. Sendo uma história que persegui por tanto tempo, aquele foi um momento e tanto… muito emocionante, mas eu estava lá para trabalhar também. Eu sabia que não filmaria ali. Teria sido ofensivo, uma violação ao lugar ter uma equipe de filmagem inteira ali. Eu estava lá para fazer uma peregrinação, mas também para encontrar referências. Foi uma confirmação de que a imagem que eu tinha em mente era bastante acurada. Nosso local era uma aproximação daquilo.

Tínhamos um olheiro chamado John Jabaley – ele era nosso homem de vanguarda para encontrar a locação que precisávamos. Procuramos por mais de um mês. Foi muito tempo caminhando pela neve, se arrastando, ficando molhados, com frio e frustrados. Estava chegando a um ponto em que queria descontar em John, já que ele não tinha encontrado o que eu queria. Mas naquela noite ele veio até mim e disse “acho que achamos”. Pegamos os snowmobiles e conforme nos aproximávamos, percebi que aquele lugar era o que eu tinha em mente. A colina do rio era perfeita. E quando chegamos ao topo, onde colocaríamos o ônibus, havia três alces. Dissemos, “É aqui mesmo”.

WESTERBERG: O verdadeiro ônibus era um International de 1942. Eles têm tanto ferro na estrutura que, se estivessem nos EUA, seriam depenados por algum ferro-velho. Mas custa tanto rebocar um no Alasca, que era mais barato deixá-los apodrecer no campo. E, na mosca, encontramos dois deles.

***

Originalmente Penn queria um elenco de atores desconhecidos. Mas, com tão pouco tempo para se preparar, ele acabou escolhendo veteranos como Vince Vaughn e William Hurt, gente “que não ia precisar de babá”. A decisão mais difícil foi escolher quem interpretaria o papel de Christopher McCandless.

PENN: Eu tinha visto Os Reis de Dogtown e achei a atuação de Emile Hirsch intrigante. Então encarei quatro meses de reuniões intermitentes com ele para tentar ver se Emile estaria pronto para assumir o compromisso necessário para isto. Seria uma coisa brutal, mas não fazia idéia de que ele ia nos embasbacar.

EMILE HIRSCH, 22, ator: Sean disse “estou com um livro e quero que você leia”. Tinha visto uma reportagem [sobre McCandless] na TV quando eu tinha nove anos que deixou uma impressão forte em mim. O conceito de uma pessoa partindo para ficar sozinha, para sofrer e se divertir por conta própria é algo que, para uma criança, é quase impossível de entender. E por causa disso nunca consegui esquecer o caso. Então li o livro no dia seguinte e pirei na hora. Ele exalava esse desejo de viajar, do inexplorado. Todo mundo quer cair na estrada e ter uma aventura, sabe? Eu estava com 21. Minha vida tinha sido calma até então. O livro meio que despertou o que era possível. Era como Na Estrada sem toda aquela benzedrina.


WESTERBERG: Acabei conhecendo Alex muito bem. [Emile] era muito parecido com ele, do mesmo tamanho e estrutura física, cresceu com dinheiro e acabou encontrando alguma aventura com isto tudo. Ele tentou se envolver completamente.

WALT: Olhando Emile de perto, ele não se parece muito com Chris nem tem a mesma voz. Isso é algo quase impossível. Mas é só vê-lo nas cenas de ação do filme, quando ele está caminhando pelo mato e, cara, ele está a cara do Chris.


CONCENTRAÇÃO: Penn filma Emile, que usa o relógio de ouro que pertenceu a Chris

Para conseguir gravar imagens da neve, as filmagens começaram no Alasca em 15 de abril de 2006. No final, a equipe fez quatro viagens até a locação, para tentar mostrar cada estação do ano que McCandless encarou. Neste meio-tempo, gravaram em outras 35 locações nos EUA e México. A busca por autenticidade levou a alguns momentos de riscos, principalmente para Hirsch.


PENN: Nas cenas no inverno, a neve facilitou tudo. Para chegar à locação do ônibus íamos até o fim de uma estrada pavimentada, depois pegávamos mais cinco quilômetros por uma estrada de terra e mais um quilômetro e meio de snowmobile. Então era preciso atravessar um rio. Era um terreno duro e às vezes terminávamos de filmar no meio da noite. Tivemos vários acidentes, mas ninguém se machucou.

POHLAD: É, foi um pesadelo. O lugar se mostrou um belo desafio. E quando você acha que as coisas vão melhorar [depois da neve derreter], elas pioram.

PENN: Quando voltamos em maio para a segunda filmagem o rio estava intransitável e não dava mais para usar os snowmobiles. Tivemos que improvisar uma ponte. Depois, na quarta vez que voltamos, o rio estava tão cheio que ameaçava a ponte improvisada. Isso deixou as coisas excitantes. Cortamos um afluente, que nos ajudou a reduzir um pouco a pressão. Todos os dias a gente ria de nervoso, esperando que nada desse errado.

HIRSCH: No começo filmamos uma cena em que McCandless é deixado no Alasca por Jim Gallien. Sean usou o verdadeiro Jim Gallien no filme e ele tinha um relógio de ouro que McCandless tinha lhe dado. Jim disse pra mim “acho que você devia ficar com ele”. Eu usei o relógio de ouro o tempo todo, era como se ele me protegesse. Eu me metia direto em situações em que podia me machucar para valer – ou até mesmo morrer – se eu perdesse a concentração.

PENN: Era uma preocupação constante. Todo dia a gente usava uma mão para trabalhar e a outra para fazer figa. Mas Emile era um fenômeno de equilíbrio e dá para notar no filme com as coisas que não foram ensaiadas.

HIRSCH: Foi uma aventura e tanto. Pular de um penhasco no rio Colorado com Sean gritando “ação!” atrás de mim; correr com cavalos selvagens; descer de caiaque as corredeiras do Grand Canyon; escalar montanhas íngremes cobertas de neve no Alasca, me preocupando porque eu teria que descer rolando essa colina uns 70 metros até um urso cinzento e depois repetir isso 12 vezes; dirigir um trator em Dakota do Sul; passar pelos bairros pobres de Los Angeles, com viciados tentando pegar meu dinheiro. Vi um pedaço dos Estados Unidos que foi inesquecível.

***

No estado do Arizona Penn queria filmar cenas de Hirsch descendo o Colorado de caiaque. McCandless desceu quase 600 quilômetros por esse rio até o golfo da Califórnia.

HIRSCH: Eu nunca tinha andado de caiaque. Tive um dia de treino. No dia de filmar a cena, a nossa lancha passou direto pelas corredeiras onde eu tinha praticado. Eu achava que filmaríamos ali mesmo. Perguntei “por que estamos passando do lugar?”. Sean olhou pra mim e disse “isto não é uma corredeira”. Avançamos alguns quilômetros e chegamos a uma corredeira enorme, dessas de triturar os ossos, que fazia a do treino parecer uma piscina. E Sean, que é o maior machão, disse “eu vou primeiro”. E ele nunca tinha feito caiaque na vida. Sean encarou dois terços da corredeira e levou muito caldo.

PENN: A única coisa que eu podia oferecer [a Emile] era estar onde quer que ele estivesse e fazer tudo que ele fizesse. Mas não tão bem, diga-se de passagem.

POHLAD: [Como produtor] você está sempre preocupado com essas coisas. O Sean também, já que ele está sempre do lado do Emile. Ele nunca quis ser visto como cara que deixa os outros fazerem as coisas no lugar dele.

***

Se as filmagens no Alasca e no Colorado exigiram resistência física, capturar a história familiar exigiu resistência emocional. Para os pais e irmã de McCandless foi preciso desenterrar alguns fantasmas. O filme inclui uma cena de discussão acirrada entre o pai e a mãe de Chris, assim como a tensão entre pai e filho sobre carreira e dinheiro que levou, em parte, à decisão de Chris de ir embora.

HILDEBRAND: Sean fez questão que eles aprovassem o roteiro. Carine ajudou a escrever a narrativa que Jenna Malone lê em grande parte do filme.

CARINE: Se tivesse qualquer coisa que me deixasse desconfortável, Sean estava aberto às sugestões. Ele sabia como pegar nossas preocupações com Chris e colocá-las no filme.

POHLAD: Conforme Sean passava mais tempo com a família, a história se expandia mais. Isso causou algumas controvérsias. Os pais tiveram alguns altos e baixos e ficaram nervosos. Mas Sean lidou com isso muito bem.

PENN: Houve alguns momentos difíceis. Estávamos penetrando num terreno delicado. Era mais traiçoeiro ainda quando envolvia os pais. Tivemos belas discussões. Às vezes, elas ficavam bem duras. Mas a minha principal obrigação era para com Chris. E, em todas as vezes, conseguimos chegar a um entendimento. É preciso uma coragem do cacete para aceitar isso. E eles conseguiram.

WALT: Foi difícil, mais difícil do que qualquer um de nós achou que seria.

BILLIE: Sentimos-nos abençoados pelo fato que isso foi aberto pra nós. Poderia ter sido uma experiência muito boa ou muito ruim. Mas achamos que cuidaram de tudo com muito respeito. Estamos em paz com o que Sean fez. Todo mundo diz que ele é o garoto mal de Hollywood, mas Sean Penn é um cavalheiro.

***

A parte mais desafiadora de toda a filmagem foram as cenas dos últimos dias de vida de McCandless no Alasca, enquanto ele morria de fome.

HIRSCH: Todo mundo me deixou praticamente sozinho. Em muitas cenas estou decidindo sobre o que fazer como se eu estivesse mesmo morando lá naquele momento. Passei muito frio e fome. Mas o desconforto e a dureza me ajudarem a estabelecer um vínculo com o que o Chris deve ter passado. Perdi 18,5 quilos. Tenho 1,67 metros. Fui de 71 quilos para 52. Eles me deram algumas semanas de folga para me preparar. Tá ligado? [Eu fazia] duas horas de exercício cardiovascular por dia, ingerindo pouca caloria.

Cheguei a um nível de fome que eu nem tinha idéia que existia. Ficamos filmando nesse esquema por suas semanas.

HILDEBRAND: Perto do final aquilo era pura tortura para Emile. Ele tinha realmente definhado. Filmamos a cena da morte [em agosto] a umas 12 horas do momento em que McCandless morreu mesmo. E foi por puro acaso.


ÁGUAS BRANCAS: Chris McCandless, personificado por Emile Hirsch, remou 600 km pelo rio Colorado

Entre os envolvidos com o filme, as expectativas para algumas pessoas eram altas. Muitos se sentiram transformados pela experiência.

WESTERBERG: [Às vezes penso que] se eu não tivesse identificado seu corpo no Alasca, ele provavelmente teria sido enterrado como indigente. E aí nada disso estaria acontecendo. É muito estranho. Já passou muito tempo. A história toda teve tanta publicidade e eu acho que isso muda o conceito de pesar. Eu fiquei imune a isso tudo.

PENN: Eu tenho algumas expectativas de que as pessoas tirem algo deste filme, mas não porque vou falar disso num artigo de revista. Acho que está tudo lá para ver. Mas vou falar uma coisa: espero que as pessoas tirem do filme o mesmo que eu tirei do livro quando o li pela primeira vez.

CARINE: Estar no set de filmagem foi meio cômico. Era como estar dentro de uma grande máquina. Eu podia ouvir Chris na minha cabeça dizendo “isso é muita doideira”. Mas eu não ligava muito para os bastidores. Quando trabalhamos na edição final da narração, era nisto o que eu estava concentrada. São as minhas palavras para o meu irmão. O filme é sobre Chris, mas ele não está aqui para falar em seu nome. Depois que vi a última versão pronta foi como tirar cem quilos das minhas costas.

BILLIE: Chris não entendia ou não concordava com a direção que o mundo estava seguindo e ele queria mudar isso. Ele queria mudar isso desde que entrou no colegial.

WALT: Ele queria mudar isso quando era um menino pequeno.

BILLIE: Ele também entendia que para mudar as coisas era preciso antes entender como elas funcionam. E ele queria aprender sobre a vida desde o princípio de tudo. E foi isso que ele foi fazer. Infelizmente, não conseguiu. Mas não sei – olhe só tudo que aconteceu por causa dele. Quero que este filme faça o mesmo que o livro: pegue as pessoas pelo coração. Faça as pessoas pensarem. Aproxime as pessoas e as famílias. É uma lição de vida.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2008)







Acompanhe o Rocky Mountain Games Pedra Grande 2024 ao vivo