Antes e depois


PEIXINHOS: Os tubarões de Bikini, atores das lentes do documentarista Lawrence Wahba

Por Isabel Malzoni
Fotos por Jim Watts

DEZ ANOS APÓS AS FILMAGENS que o colocaram no mercado internacional de documentários, Lawrence Wahba, documentarista, mergulhador e defensor ferrenho dos tubarões, retornou ao atol de Bikini e trouxe de lá o filme De Volta a Bikini. Lawrence foi o primeiro a filmar, em 1996, este pequeno paraíso na Micronésia, onde entre 1946 e 1954 os Estados Unidos realizaram testes nucleares devastadores. O primeiro documentário feito por ele no atol – que é um recife de forma circular – se passa em 1996, ano em que foi liberado o acesso do público e dos bikinianos a Bikini, após 50 anos de interdição por causa da contaminação radioativa. O De Volta a Bikini – filmado em 2006, mas que será lançado no canal de tevê a cabo National Geographic apenas em novembro deste ano e que virará DVD em 2009 – relata tanto a primeira viagem do mergulhador quanto a mais recente, além da história do atol e de seu povo, que ainda vive exilado. Lawrence fala da decepção que foi ver que os bikinianos ainda não voltaram para casa. E que aventura mesmo não é mergulhar com tubarões – atores principais em suas lentes –, mas sim fazer os documentários acontecerem.

GO OUTSIDE: Por que o atol de Bikini?

LAWRENCE WAHBA: Por que não? Eu sou mergulhador. Desde moleque me interessei por cartas náuticas, por lugares inóspitos. Meu primeiro contato com Bikini aconteceu em 1995, quando dei uma volta ao mundo fazendo o documentário Em Busca dos Grandes Tubarões. Já estavam no roteiro as ilhas Salomão e, como um grande amigo, Fabio Amaral, estava morando nas ilhas Marshall, resolvi fazer uma escala na capital Majuro. Eu só sabia que Bikini era um lugar lindo para mergulho, com vários tubarões, e ainda com história. Lá o Fabio me contou, em tom de segredo, que os testes estavam prestes a acontecer. Aliás, ele foi o responsável por alavancar minha carreira de documentarista: acertou tudo com os bikinianos e no ano seguinte lá estava eu.

Ao refazer a jornada, em 2006, que mudanças você percebeu no seu trabalho?

Tudo. Eu já não era mais aquele documentarista em começo de carreira [de 1996 a 2008 Lawrence fez 61 documentários e mais de 400 matérias para televisão]. Até os mergulhos que, em 1996, eram desafiadores, hoje são relativamente simples. O que mais mudou, no entanto, foi o atol.

Você diz a paisagem?

Mais do que isso, a energia. Em 96 encontrei pessoas que estavam cheias de entusiasmo. Finalmente o atol de Bikini estava livre da radioatividade e seu povo poderia voltar depois de 50 anos de exílio. Os bikinianos haviam começado a organizar uma operação de mergulho técnico nos naufrágios, que viabilizaria economicamente o retorno. Eles sabiam da importância histórica que aqueles navios têm para o mundo, sem falar no paraíso natural que cresceu ali em 50 anos sem intervenção humana. Um símbolo daquele otimismo para mim era o Edward Madison, instrutor que já havia se instalado na ilha para coordenar os mergulhos. Ele estava confiante de que voltaria a viver ali com seus filhos e esposa. Já em 2006, quando vi o Edward cabisbaixo, saquei o que tinha mudado. Nem ele e nem os outros bikinianos achavam mais que voltariam para lá. Eles ainda não conseguiram fazer a descontaminação do solo, a operação de mergulho não tinha progredido o que esperavam, eles ainda dependiam do fundo de reparação dado pelos EUA. Tudo ia mal e hoje está pior. Nem sequer turismo há mais na ilha, já que a linha aérea fechou.


É por isso que o De Volta a Bikini se atém tanto à questão social do atol, mesmo você sendo conhecido como um documentarista de natureza?

A essência de Bikini é a saga desse povo. Não teria como chegar lá e falar do que aconteceu com a natureza sem falar deles. A história é na verdade humana. Mas isso não é novidade em meu trabalho. No Rebelião dos Tubarões, que fiz pela Discovery, deixei de lado meu lado de defensor dos tubarões para dar voz também às pessoas que tinham sido mordidas por eles.

E como os bikinianos vivem hoje? Você foi às ilhas que eles habitam?

Fui a Ejit, próxima a Majuro, em 1996. Mas em 2006 o astral estava ruim. Eles não quiseram que gravássemos lá nem em Kili, não sei exatamente a razão.

Mas mostrar suas condições não faria parte de contar a história do povo?

Foi uma decisão deles e eu respeitei. Talvez, se tivesse insistido, teria rolado, mas minha relação com eles é de muito respeito. Em 96 eu tinha um motivo para ir até lá, que era conversar com o filho do homem que cedeu Bikini para os norte-americanos, o rei Judá. E, falando a verdade, Ejit é um favelão. Eles não devem ter muito orgulho de sua situação precária. Em 1996 eles mostraram porque serviria de alerta.

O rei Judá cedeu mesmo Bikini?

Ele cedeu por livre e “espancada” vontade. Ele reinava em uma sociedade de 167 pessoas que viviam à base de plantar coco. De repente chegaram os navios militares e as armas, e ele não teve muita opção.

Bikini é para você uma causa, assim como os tubarões?

[pausa] Hum, é diferente. Como documentarista de natureza, eu me dedico muito mais aos tubarões e à preservação do oceano como um todo, na verdade. Não que não me interesse muito por Bikini. Mas se, por exemplo, o Greenpeace me pede para fazer um documentário de graça para falar sobre preservação de oceanos, eu faço. Sobre o atol, acho que não.


PROFUNDEZA: Mar do atol de Bikini, na Micronésia, que sofreu devastadores testes nucleares nas décadas de 1940 e 1950

Por falar em tubarão, o mergulho com eles que aparece no documentário estava previsto?

Não, surgiu na viagem. Há 10 anos eu avaliei as condições do Shark Pass [que fica próximo à Bikini e, como diz o nome em inglês, é território desses animais] como muito arriscadas, então eu já tinha avisado os produtores que não queria ser pressionado para mergulhar ali. O produtor alemão, Daniel Petry, falou: “Pelo amor de Deus, se eu pressionar é para você não mergulhar”. Ele não queria correr o risco de eu ser mordido no lugar mais remoto do mundo.

Por que então você mergulhou?

Modéstia à parte, se hoje tem um assunto que eu entendo bastante são de tubarões. Mas não tenho a intenção de me exibir ou de correr riscos. Se eu tiver um incidente, não só me machuco como estragarei o trabalho que venho desenvolvendo na proteção destes animais. Pensei muitas vezes e julguei que era seguro. Mas o tempero deste mergulho surgiu no Havaí, quando conversei com o professor Luiz Rocha e ele contou sobre o tubarão mutante [o pesquisador brasileiro vive no Havaí e pesquisa o efeito da radiação que se concentrou em Bikini. Ele está tentando provar que o tubarão-lixa “perdeu” a segunda barbatana dorsal devido à radiação]. Foi por isso que eu quis achar o bicho de todo jeito.

Filmar o tubarão mutante foi o momento mais emocionante da filmagem?

Foi, não dá para negar. Ter conseguido filmá-lo, sabendo que isso poderá ajudar na pesquisa sobre os efeitos dos testes nucleares, é incrível. Mas para quem está acostumado é tranqüilo. Aventura mesmo, quando se trata de fazer documentário, é conseguir patrocínio. É ter de ir às feiras internacionais, persuadir os canais de televisão a transmitirem o programa, e os patrocinadores a financiarem os projetos. As pessoas pensam que, agora que trabalho para a Rede Globo, ficou mais fácil. Não! A Globo não quis o documentário de Bikini, por exemplo, porque o achou muito pesado. As pessoas preferem ver golfinho saltando – não que eu não goste de filmar natureza, é o que eu mais gosto. Mas o documentário de Bikini custou a mesma coisa que o dos golfinhos de Fernando de Noronha, que fiz pra eles, e foi indiscutivelmente mais difícil.

E como foi conseguir patrocínio para o De Volta a Bikini?

Esse documentário foi uma exceção. Foi a produtora franco-alemã Arte que me chamou para fazer primeiro o Bikini-Atoll – Paradise Restricted. Fui apresentado ao produtor Daniel Petry por um amigo meu, o Emmanuel Priou [que produziu o Marcha dos Pingüins]. Petry queria produzir uma história sobre Bikini, então achou que eu era o cara perfeito para apresentar o documentário porque eu tinha o comparativo de dez anos antes e fazia fotografia subaquática. Mas isso só ocorreu porque eu estava lá. Se você não vai atrás, os convites não chegam. Pelo menos nunca aconteceu de eu receber um telefonema mágico.

Então qual a maior aventura, conseguir fazer os documentários ou os riscos que você corre ao fazê-los?

Risco a gente corre vivendo em São Paulo, sujeito a acidente de carro, assalto. A pior experiência que eu tive na vida foi em 1998, em Perdizes, um bairro nobre de São Paulo. Um cara drogado que veio me assaltar e ficou apontando uma arma para mim, falando que eu ia morrer. Isso sim é risco.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2008)







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