Machu Picchu a galope


PONTO ALTO: O lago Humantay, alcançado no segundo dia de viagem a cavalo

Por Paulo Junqueira em depoimento dado a Isabel Malzoni

MACHU PICCHU DEIXOU DE SER SINÔNIMO de aventura – no sentido expedicionário da palavra – desde que o governo local permitiu que turistas chegassem de carro às ruínas da cidade inca. Destino mais do que batido, o que você não sabe é que há um caminho, que também já foi usado pelo extinto povo inca, que hoje é utilizado por apenas 10% dos caminhantes com destino a Machu Picchu: a trilha de Salkantay. E a melhor novidade é que este ano o percurso também foi liberado para cavalo.

São sete dias de viagem – de preferência entre maio e junho, melhor época para visitar a região – com nível de dificuldade intermediário. Em cinco deles se cavalga quatro horas por dia, no sexto se caminha e o último, já que ninguém é de ferro, é pura curtição. A altitude varia bastante ao longo do percurso de 52 quilômetros: o ponto inicial está a 3.800 metros, o mais alto a 4.600 metros e o mais baixo a 2.150 metros. A paisagem e a temperatura também oscilam. O início da trilha, em montanhas áridas, chega a 5oC negativos, e dois dias depois você estará em meio a uma floresta tropical de altitude, curtindo o clima ameno em torno dos 20oC e os resquícios da civilização inca, como sítios arqueológicos e canais de irrigação que ainda cortam as montanhas.

O PONTO DE PARTIDA DA SALKANTAY (nome da montanha mais alta da região, com 6.270 metros) é o pequeno vilarejo Mollepata, acostumado a receber turistas, a 100 quilômetros de Cuzco. O caminho que se faz a cavalo é o mesmo que o a pé e a duração também.

No primeiro dia percorremos três horas até o primeiro dos logdes construídos recentemente pelo caminho. É o menor e mais fácil trecho da viagem, feito por uma estrada de cascalho (bem-vinda, já que é preciso se acostumar à altitude e aos cavalos) que nem por isso é menos bonita. Depois de duas horas de cavalgada vê-se à direita riscos na montanha da frente que são canais de irrigação inca. É hora de descer, percorrer um trecho do rio que corta a paisagem de pedras e chegar ao vale onde dormiremos, ao pé do nevado Salkantay.

O segundo dia é de exploração. Fomos até o lago Humantay, alimentado por uma geleira. Além da língua de gelo que encosta na água, sua cor também impressiona: verde esmeralda em dias nublados e azul turquesa com sol. A paisagem do lago com o pico nevado ao fundo é um dos pontos altos do percurso. O passeio dura três horas – afinal de contas, estamos apenas nos aclimatando para um dos trechos mais difíceis, que será feito no dia seguinte.

Acordamos cedo, sabendo que o terceiro dia é puxado. Ganharemos 1.800 metros de altitude em duas horas até chegar ao ponto mais alto da viagem, a passagem entre as montanhas Humantay e Salkantay, a 4.600 metros. Lá em cima há um antigo cemitério inca e a tradição nos diz para depositarmos uma pedrinha trazida de baixo. Vemos várias pilhas delas. Mas gastamos pouco tempo observando porque faz muito frio, venta e neva um pouco. O dia termina depois de duas horas de descida, quando encontramos o segundo logde.


TROPICAL À VISTA: Grupo no quarto dia de cavalgada, a caminho da floresta de bambus, papagaios e orquídeas

DEPOIS DA MUDANÇA RADICAL na topografia, no dia seguinte é a vez da paisagem se transformar. Saímos de manhã de um entorno acinzentado e árido para, duas horas de descida depois, chegar a orquídeas, bambus e papagaios de uma floresta de altitude. Cruzamos com pequenos povoados e quiosques improvisados no meio da mata, que vendem isotônico para os turistas. A noite é passada em outro hotel no vale Santa Teresa, na confluência de três rios.

No dia seguinte, o quinto de nossa expedição, alcançamos os 2.150 metros de altitude. Cruzando rios e beirando montanhas chegamos a escadas de pedras construídas pelos incas e por onde não se pode passar a cavalo. É hora de despedir-se das montarias e seguir a pé. Para isso, acordamos cedo no penúltimo dia e começamos a caminhada, sempre subindo. A falta do animal que nos acompanhou durante cinco dias desanima um pouco, mas o destino final vale a pena. Duas horas e meia depois chegamos ao sítio arqueológico de Llactapata, um antigo ponto de parada dos incas que é, para nós, uma amostra do que veremos no dia seguinte. Parte dele foi restaurada e outra ainda está coberta por vegetação, assim como Machu Picchu estava quando foi encontrado. Aliás, com um binóculo, vemos a cidade inca que viemos perseguindo esses dias. Caminhamos até Águas Calientes, cidade turística que fica na base de nosso destino.

Chegamos a Machu Picchu às 6 horas da manhã, para ver o sol nascer. Além de o Sol ser sagrado para os incas, neste horário surgem cores e sombras indescritíveis na cidade milenar. Já com o dia claro, começamos o percurso pelas ruínas, que dura cerca de três horas. Para quem for fazer essa viagem sugiro conhecer a Wayna Picchu, que guarda terraços e recintos sagrados. Para chegar lá é preciso subir mais duas horas desde a praça principal de Machu Picchu – mas ante é preciso reservar (com um dia de antecedência) e pagar outra taxa, já que o acesso é restrito. Mas já que chegamos até aqui…

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de janeiro de 2009)







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